Capítulo 68LunaEstávamos sentados em lados opostos da mesa no escritório improvisado no subsolo da mansão. O lugar cheirava a metal frio, papel envelhecido e estratégia. Dante observava os mapas com aquela intensidade que fazia o tempo parecer desacelerar ao redor dele.— Tem um carregamento vindo do México — começou Dante, com a voz baixa, quase como se revelasse um segredo. — E não é qualquer coisa. Rivas está investindo pesado nisso. Não sabemos se é armamento, informação ou moeda, mas está vindo por uma rota que não deveríamos nem conhecer. Isso... é uma brecha.Ele se calou, esperando minha reação. Mas eu só cruzei os braços e encarei. Sabia que ele ainda não tinha me dado a parte mais amarga.— Tem mais — continuou. — Precisamos de alguém que conheça os protocolos. A estrutura de segurança do depósito de transição. As rotas internas.— Quem? — perguntei, seca, mas já desconfiando.— Felipe.O nome bateu como um trovão abafado. Eu não reagi imediatamente. Mantive o olhar sobre
Capítulo 69LunaO suor escorria pelo meu rosto enquanto eu apertava os punhos dentro das luvas de couro, os nós dos dedos brancos sob a pressão. O ar no galpão do cais 7 estava úmido, carregado de maresia e óleo queimado. O gosto metálico da adrenalina já dançava na minha língua, um presságio do que estava por vir. Eu sabia que essa operação não seria apenas mais uma missão, era um golpe direto nas entranhas do império de Marcelo Rivas. E eu não queria só assistir ao fim. Eu queria causar.— Todos nas posições? — minha voz saiu firme pelo rádio, abafando o tamborilar frenético do meu coração, que parecia querer sair pela garganta.“Confirmado. Setores norte e leste sob controle.”“Câmeras internas sendo hackeadas agora.”“Equipe fantasma a postos. Aguardando sinal verde.”Eu apertei os dentes, balançando a cabeça para mim mesma. — É agora. Vamos entrar. Ninguém hesita.Com a arma empunhada junto ao peito, avancei entre os containers e as empilhadeiras enferrujadas. O chão de concreto
Capítulo 70LunaA base estava em alerta máximo quando atravessei os portões enferrujados. Os holofotes se voltaram para mim automaticamente, seus raios cortando a escuridão. Os soldados que patrulhavam o perímetro hesitaram ao me ver: minha roupa rasgada, o sangue seco na pele, os olhos fundos e vazios. Um deles levantou o rádio para anunciar minha chegada, mas congelou assim que me reconheceu.Chiara foi a primeira a correr em minha direção. O alívio em seu rosto se misturava ao desespero, como se ela não soubesse se me abraçava ou me segurava para evitar que eu caísse.— Meu Deus! Luna! — Sua voz saiu embargada. — Você está sangrando!Cambaleei por um instante, apoiando-me nos ombros dela. A dor física era nada mais que uma sombra diante do turbilhão que pulsava dentro de mim.— Estou viva. — A voz saiu rouca, quase metálica. — Isso é o que importa.Chiara passou o braço por minha cintura, tentando me conduzir para dentro.— Você precisa de atendimento! Vamos levá-la pra enfermaria
Capítulo 71LunaNa semana seguinte, não pedi autorização. Não procurei aval de Dante. E, acima de tudo, não esperei.Coordenava a operação sozinha, nas sombras, com a precisão de quem aprendeu que guerra se vence com silêncio, não com discursos. Não usei os canais oficiais — sabia que estavam contaminados demais. Não confiava nos soldados que marchavam com farda limpa e olhos cansados.Eu precisava de sangue nos olhos.Escolhi um por um. Leais. Testados. Silenciosos.Gente que não fazia perguntas. Gente que devia a vida a mim ou a Dante. Gente sem rosto, que não aparecia nos relatórios. Um grupo pequeno, invisível — mas letal.A caçada começou numa madrugada sem lua.O primeiro a cair foi Daniel “Byte”, um hacker de vinte e poucos anos com dedos ágeis e língua ainda mais rápida. Ele vivia em um prédio decadente na Zona Norte, cercado por monitores e garrafas vazias de energético. Era ele quem vendia acesso aos servidores da base em troca de bitcoins e pequenas ameaças veladas.Entrei
Capítulo 72LunaNa noite em que Felipe foi capturado, estava lá. Ele não viu, mas eu estava ali, na sombra, observando. O som das correntes e o cheiro abafado do medo preenchiam o ambiente enquanto ele era levado para o porão da base. Seus passos estavam hesitantes, os olhos vidrados em terror, o rosto marcado por algo mais profundo do que o simples cansaço. Ele sabia o que vinha, e isso o fazia tremer mais do que qualquer dor física poderia.Quando o vi algemado, foi impossível ignorar a sensação de vitória que me atravessou. Felipe, aquele homem que pensou que poderia ser intocável, agora estava ali, preso, como um animal encurralado. O medo estampado em seu rosto me dizia tudo o que eu precisava saber. Ele sabia que a queda era certa, que o império que ele ajudou a construir estava desmoronando ao seu redor. E ele sabia que sua traição o condenara ao esquecimento. Ele sentia, assim como eu, que o fim estava próximo. Mas ao contrário de mim, ele não estava preparado para isso.— Po
Capítulo 73DanteLuna dormia ao meu lado. De costas para mim, os fios escuros do cabelo espalhados pelo travesseiro, como tinta derramada. O lençol mal cobria suas costas, e a cicatriz abaixo de suas costelas estava exposta, visível como um lembrete cravado em carne do que ela suportou. Do que ela se tornou.Passei a mão devagar sobre minha própria mandíbula, sentindo os resquícios de tensão. Ainda era difícil conciliar o homem que a desejava com o líder que precisava decidir se ela estava indo longe demais. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia. Eu já tinha decidido. Ela era parte disso. Parte de mim.Naquele quarto, naquela cama, ela não era a guerreira silenciosa que limpava o tabuleiro com frieza. Era só Luna. Intensa, imprevisível, humana. A mulher que eu desejei desde o primeiro confronto, desde o primeiro olhar desafiador.Sentei na beirada da cama e observei por um instante o horizonte que se formava pela janela. São Paulo acordava sem saber quantas verdades estavam desmoronando dent
Capítulo 74LunaDante assumiu a frente como se vestir a armadura de líder fosse tão natural quanto respirar. Sua presença dominava a sala, os olhos varrendo cada detalhe do mapa digital projetado à nossa frente. Mas ali, entre os quadros de ataque, as rotas de fuga e as probabilidades de perda, eu enxergava mais do que o general. Enxergava o homem que, horas antes, havia tocado meu rosto como se eu fosse a única coisa real em meio ao caos.Agora, tudo era tática.O ar estava denso de silêncio e expectativa. As luzes indiretas da sala de guerra dançavam sobre as paredes de concreto cru, onde sombras dos soldados se projetavam como espectros. Havia cheiro de café velho, suor e eletricidade. Chiara estava sentada a um canto, os dedos ágeis dançando sobre a tela do tablet, adicionando dados e recalculando rotas com precisão quase cirúrgica.— O alvo está no galpão de São Mateus. — Dante começou, a voz baixa, firme, com aquela tonalidade que me fazia esquecer que já tive medo dele um dia.
DanteO silêncio antes de uma emboscada é diferente. Não é ausência de som. É uma presença opressora, um aperto no peito, um arrepio que começa na espinha e se espalha como veneno. Tem um gosto metálico, como sangue antigo entre os dentes, como a antecipação do fim. Eu senti isso no ar assim que dobrei a esquina da viela suja, a mochila de explosivos presa nas costas, o suor escorrendo pela nuca em filetes gelados, mesmo com o calor abafado da noite de São Mateus.O chão estava seco, rachado em algumas partes como se a terra tivesse desistido de pedir chuva. Mas a tensão era densa, quase líquida, umidade que grudava na pele e pesava no ar. Os postes piscavam como se soubessem o que estava prestes a acontecer — como se tentassem nos alertar, em códigos de luz falha. À minha frente, o galpão. Estrutura decadente, abandonada só por fora. Por dentro, sabíamos o que nos esperava: movimento, armas, traição. A entrada lateral que tínhamos identificado parecia segura, vazia demais. E era just