Capítulo 61LunaA noite havia engolido a cidade quando a última reunião terminou. A maioria dos aliados já tinha saído, o som de suas vozes se dissipando pelos corredores como fumaça. O silêncio que ficou para trás era espesso, quase sólido, como se carregasse o peso de tudo que havíamos discutido — planos, contra-ataques, e uma lista interminável de nomes que, dia após dia, íamos derrubando.Eu fiquei no escritório. A luz fraca da luminária criava sombras irregulares sobre os papéis espalhados na mesa. Relatórios, transcrições de escutas, mapas com marcações em vermelho, linhas interligando nomes de políticos, empresários, juízes — todos com alguma ligação direta ou indireta com Marcelo Rivas. Uma teia podre, vasta e complexa. E, ainda assim, com falhas. Toda teia tem.O zumbido da cidade entrava pelas frestas da janela, abafado pela altura do prédio. Do lado de dentro, apenas o som da minha respiração e do papel sendo virado, uma vez ou outra. Meus olhos ardiam. O corpo doía de can
Capítulo 62LunaO quarto ataque foi diferente. Não houve explosões nem correria no escuro. Não tivemos que suar sob coletes à prova de balas ou prender a respiração em becos mal iluminados. Não naquele dia.Dessa vez, atacamos com silêncio e documentos.O alvo era um restaurante no coração da cidade, de fachada sofisticada, frequentado por empresários, políticos e celebridades — todos, claro, clientes desavisados da verdadeira função daquele lugar. Por trás das paredes de mármore e da carta de vinhos milionária, o restaurante era um ponto-chave para Rivas. Lavagem de dinheiro, reuniões da cúpula, acordos sussurrados entre taças de cristal. Era ali que ele limpava parte do lucro do narcotráfico e selava alianças com quem fingia não ver.Mas nós vimos.Rafael conseguiu os documentos através de um contador infiltrado — um homem que trabalhou anos para o esquema de Rivas e, quando sua filha foi ameaçada por um erro que não cometeu, decidiu mudar de lado. O preço foi alto. Proteção, nova
Capítulo 63DanteO cigarro queimava entre meus dedos enquanto eu fitava o mapa do galpão destruído. Era mais do que um incêndio. Foi uma assinatura. Marcelo Rivas deixara seu recado no rastro de fumaça que ainda pairava sobre a zona leste. Um dos meus armazéns — importante, mas não vital — reduzido a escombros. Um golpe direto ao que me restava de paz. E um lembrete cruel de que ele não só estava de volta… como queria me tirar do jogo à força.Chiara havia deixado o escritório minutos antes. Estava exausta depois de passar o dia tentando apagar o fogo — literal e político — que Rivas atiçara. As alianças frágeis que eu mantinha estavam tremendo. E não era apenas medo: era a sensação de que tudo estava prestes a ruir.Luna apareceu na porta, descalça, usando apenas uma camiseta minha, os cabelos soltos caindo pelos ombros. Ela não dizia nada de imediato, mas eu sentia. Sentia que ela sabia. O tipo de silêncio que precede um grito.— Vai sair? — perguntou com uma voz que me obrigou a l
Capítulo 64DanteO Vélvet. Um santuário de pecados bem vestidos, onde cada detalhe — da música baixa ao brilho suave das lâmpadas âmbar, existia para esconder verdades perigosas. Era o lugar onde a cidade vinha para esquecer quem era ou para lembrar quem mandava. E naquela noite, como em tantas outras, eu estava sentado na minha mesa no fundo do salão, com o copo de uísque na mão e o Cohiba aceso entre os dedos, observando tudo.Só que dessa vez era diferente.Porque eu sabia. Marcelo Rivas estava vivo.Não era mais um boato, nem uma teoria sussurrada entre aliados nervosos. Eu tinha visto a gravação. Tinha escutado a voz dele. Tinha sentido o gelo no estômago que só um fantasma bem real é capaz de provocar. E pior: ele vinha por Luna.A informação chegou dias atrás, por uma fonte que eu pagava caro demais para errar. Marcelo não estava escondido. Estava preparando o retorno. E hoje, aqui, no meu território, no Vélvet, ele faria a estreia.Não precisei que ninguém me avisasse. Sent
Capítulo 65DanteO caminho até em casa foi mais longo do que o habitual. Não pelos semáforos, nem pelas ruas silenciosas de uma São Paulo que finge dormir. Foi pelo peso.O peso do passado que voltou a vestir carne. Do nome que eu havia enterrado. Da ameaça que agora tinha olhos, voz e sede. Marcelo Rivas não apenas estava vivo. Ele havia voltado em sua forma mais letal: paciente, frio, e convencido de que o mundo lhe devia reparação.Eu dirigi em silêncio. A cidade parecia observadora demais, como se cada janela acesa escondesse um par de olhos atentos à minha volta. Quando estacionei diante da mansão, meus dedos ainda estavam rígidos no volante. O fantasma de Rivas ainda vibrava em meu sangue, e o Vélvet, meu refúgio, já não era mais um santuário. Era só palco.O portão se abriu automaticamente. Subi as escadas com passos silenciosos. Nenhum guarda veio ao meu encontro, sinal de que Rafael ainda mantinha as ordens de discrição. Mas mesmo com todo o sistema de segurança, mesmo com h
Capítulo 66LunaO lençol ainda guardava o calor do corpo de Dante, mesmo depois de ele ter saído novamente para uma reunião com Rafael e Navarro antes do amanhecer. Mas eu não consegui dormir depois que ele se foi. E havia um motivo claro pra isso: Mariana.Ela estava a poucos metros dali. Três quartos depois, no corredor da ala leste da casa. E apesar de termos nos reencontrado, de termos partilhado dores, confissões, traumas, ainda havia um muro entre nós. Não por mágoa. Mas por medo. Medo do que mais eu teria que dizer a ela. Do que mais ela teria que ouvir.Me vesti em silêncio. Calça preta, camiseta de algodão cinza, um moletom leve por cima. Peguei uma xícara de café já morno que repousava na escrivaninha desde que Dante saiu e caminhei até a porta. Respirei fundo antes de girar a maçaneta.A mansão estava quieta. Os seguranças se revezavam nos andares, mas havia uma paz aparente, uma bolha construída entre muros altos e janelas blindadas. Uma paz frágil, como se o mundo lá for
Capítulo 67MarianaPor muito tempo, eu fui silêncio.Silêncio de gritos abafados, de perguntas sem resposta, de lembranças cortadas em pedaços que não se encaixavam. Cresci acreditando que o mundo era um quarto trancado e que eu era a prisioneira de um favor. Cresci ouvindo que fui abandonada, que sobreviver era um prêmio dado por Marcelo Rivas e que, por isso, eu devia gratidão.Mas agora eu sabia a verdade. Eu tinha uma irmã. Eu tinha um nome. E Rivas não era meu salvador. Ele era meu algoz.A primeira vez que acordei naquela casa — a casa de Dante Moretti — foi como despertar de um pesadelo em câmera lenta. O quarto era grande, silencioso, com cortinas brancas que balançavam com o vento. A cama era macia demais para alguém como eu, e por um instante, meu corpo estranhou o conforto. Quase senti medo dele. Como se o colchão fosse uma armadilha.Mas então vi Luna.Ela estava sentada ali, ao lado da cama, me observando como se não acreditasse que eu era real. E eu também não acreditav
Capítulo 68LunaEstávamos sentados em lados opostos da mesa no escritório improvisado no subsolo da mansão. O lugar cheirava a metal frio, papel envelhecido e estratégia. Dante observava os mapas com aquela intensidade que fazia o tempo parecer desacelerar ao redor dele.— Tem um carregamento vindo do México — começou Dante, com a voz baixa, quase como se revelasse um segredo. — E não é qualquer coisa. Rivas está investindo pesado nisso. Não sabemos se é armamento, informação ou moeda, mas está vindo por uma rota que não deveríamos nem conhecer. Isso... é uma brecha.Ele se calou, esperando minha reação. Mas eu só cruzei os braços e encarei. Sabia que ele ainda não tinha me dado a parte mais amarga.— Tem mais — continuou. — Precisamos de alguém que conheça os protocolos. A estrutura de segurança do depósito de transição. As rotas internas.— Quem? — perguntei, seca, mas já desconfiando.— Felipe.O nome bateu como um trovão abafado. Eu não reagi imediatamente. Mantive o olhar sobre