Capítulo 39Luna Acordei com o silêncio.Não aquele silêncio calmo de manhãs comuns, mas o tipo que pesa no ar, que parece esconder alguma coisa. A ausência dele me atingiu antes mesmo de eu abrir os olhos. Não havia calor do outro lado da cama. Nenhum toque, nenhum movimento. O travesseiro ainda tinha o perfume de Dante, mas ele já não estava ali.Sentei-me devagar, com os lençóis escorrendo pela pele nua. O quarto estava mergulhado numa luz suave que entrava pelas frestas da cortina. Tudo parecia em paz. Mas eu sabia que era só a superfície. Por baixo dela, havia algo se movendo.Me levantei, os músculos ainda doloridos da noite passada. A intensidade entre nós ainda estava grudada na minha pele. Não era apenas desejo. Havia algo mais. Algo que queimava e assustava. Caminhei até a cômoda e só então percebi.Uma caixa.Simples. Preta. Discreta. Em cima dela, um bilhete dobrado.Meu coração acelerou enquanto meus dedos abriam o papel com cuidado. Três palavras apenas, escritas com aq
Capítulo 40Luna O som dos pneus cantando na entrada da casa foi a única coisa que me fez piscar. Até então, meu corpo permanecia imóvel, em prontidão. Ouvi a porta da frente se abrir com um estrondo, e passos apressados cruzaram o corredor como um trovão prestes a explodir.— Luna! — a voz de Dante ecoou, rouca, descontrolada.Não respondi. Ele seguiu o som do sangue pingando no tapete e me encontrou ali, no meio da sala, com a arma ainda apontada para o homem caído.Dante parou na porta por um segundo. Um segundo apenas. Os olhos percorreram a cena: meu corpo firme, o sangue, o invasor no chão. Depois, se moveu.— Baixa a arma — pediu, mas a voz não era uma ordem. Era um pedido. Baixo, carregado de um respeito novo.— Ele ainda pode tentar alguma coisa — respondi, sem desviar o olhar do invasor.Dante se aproximou devagar, como se estivesse lidando com um animal ferido. Mas ele sabia: eu não estava ferida. Estava diferente. Queimada pelo fogo.— Eu cuido disso agora — disse, estend
Capítulo 41LunaEu não dormia direito, mesmo com Dante ao meu lado. Mesmo com a arma que agora repousava na gaveta da cômoda, ao alcance da minha mão. Tinha me tornado alguém que dorme armada. Que toma banho de porta entreaberta. Que calcula a distância até a saída.E mesmo assim… eu fiquei.As feridas invisíveis ardiam mais do que qualquer arranhão. Não tinha ficado hematoma, não tinha ficado corte, mas o que ficou era mais fundo. Uma cicatriz nova que não dava pra ver no espelho — mas que pulsava toda vez que eu fechava os olhos.Dante respeitou meu silêncio. Me deixou respirar. Me deu espaço. Ele vinha, olhava, e às vezes só sentava perto. Ficava comigo sem precisar dizer nada. O tipo de companhia que não pesa, que não exige. E isso, pra mim, era mais do que qualquer palavra.Na manhã do terceiro dia, acordei com o cheiro de café invadindo o quarto. Estava sozinha na cama, mas o lençol ainda guardava o calor do corpo dele. Espreguicei os braços devagar, como se meu corpo ainda tes
Capítulo 42LunaO nome que vi impresso na nova identidade não era o meu. “Lorena Vidal.” Um nome bonito, forte, quase elegante demais pra quem aprendeu a sobreviver com o mínimo. O documento parecia real. Assinatura, RG, CPF. Tudo limpo, novo, como se eu tivesse renascido sem os pesos do passado.— Lorena Vidal? — murmurei, olhando para Dante, que observava minha reação com um cigarro apagado entre os dedos. — É assim que eu me chamo agora?— Em público, sim. — Ele assentiu com um leve movimento de cabeça. — A consultora da Moretti Solutions. Especialista em contenção de crises, contratada diretamente por mim.— E o que exatamente a “consultora” faz?— Sabe ouvir. Sabe ler intenções. Sabe onde cutucar pra fazer alguém se entregar. — Ele se aproximou e colocou uma pasta na minha frente, sobre a mesa. — E você, Luna, sempre foi boa em farejar mentiras.Abri a pasta com cuidado. Nela, estavam os primeiros nomes dos aliados que eu deveria conhecer, cumprimentar, entender. Mafiosos de out
Capítulo 43LunaA madrugada parecia mais escura do que o normal. Nem mesmo as luzes da cidade que entravam pelas janelas tinham força suficiente para cortar o peso que tomava o ar naquela sala.Dante conectou o pen drive no laptop e os arquivos começaram a carregar. Vídeos. Áudios. Planilhas. Mapas. Tudo meticulosamente organizado. Não era só uma denúncia, era um dossiê. E cada clique nos levava mais fundo num poço que parecia não ter fim.Eu me sentei ao lado dele, os olhos atentos à tela, tentando absorver cada detalhe. As rotas marcadas em vermelho cruzavam áreas estratégicas da cidade. Algumas a gente já suspeitava. Outras... nem imaginávamos.— Ele tava montando isso há meses — murmurei, cruzando os braços. — Marcelo não improvisa. Ele planeja. Calcula. E sempre com alguém pra executar por ele.Dante assentiu, a mandíbula rígida. A cada nova pasta aberta, sua expressão escurecia. Até que um vídeo específico chamou a atenção dele.— Pera.Ele clicou.A imagem tremia, captada por
Capítulo 44LunaQuando Dante chamou a equipe para uma reunião emergencial a mesa de operações já se encontrava montada, os mapas atualizados, os celulares criptografados ligados e monitorando cada movimento. Rubens chegou com sua postura impecável, barba feita, blazer alinhado, e aquela tranquilidade que só os traidores sabem carregar no peito.— Situação? — ele perguntou, como se não soubesse que era o alvo central daquela manhã.Dante o olhou brevemente e depois se virou para o grupo reunido. Eu estava ali, disfarçada de consultora, como sempre, com os olhos atentos e o coração à beira do abismo.— Temos um possível vazamento — Dante disse, a voz firme. — Um dos nossos entregou coordenadas da última rota. Perdemos dois carregamentos. Três mortos.Silêncio. Rubens mordeu o lábio, balançou a cabeça com pesar.— Malditos bastardos — disse ele. — Se alguém estiver vendendo informação, vai pagar caro.Eu forcei um sorriso discreto. Ele era bom. Muito bom. Mas Dante e eu estávamos um pas
Capítulo 45LunaO relógio marcava 21h47 quando os carros começaram a se posicionar em volta do Armazém 19, o local da entrega falsa que Dante havia planejado com precisão cirúrgica. O ar da noite parecia mais denso, carregado de tensão. Cada membro da equipe sabia seu papel. Cada respiração contida aguardava o momento certo de agir.Rubens chegou três minutos antes do previsto, pontual como sempre. O carro preto deslizou pelo portão semiaberto e parou bem no centro da estrutura abandonada. Do lado de fora, Dante e eu assistíamos tudo das câmeras instaladas no perímetro. Ele estava sozinho, como esperávamos. Mas o celular dele… era o verdadeiro foco.— Ativa o sinal — Dante murmurou, os olhos fixos na tela.Em segundos, o rastreador capturou a conexão com o dispositivo que Rubens usava para falar com o contato de Rivas. Era um número criptografado, sem identificação direta — mas, com o acesso completo agora em nossas mãos, as mensagens estavam vindo em tempo real.Rubens digitava rápi
Capítulo 46MarceloRubens estava morto.A notícia chegou até mim em um envelope selado, deixado em cima da mesa do café como se fosse apenas mais um relatório da manhã. Mas não era. Abri o papel com um estalo seco, os olhos correndo pela caligrafia irregular de Matteo. Algumas palavras riscadas, outras sublinhadas com raiva. O homem estava instável. Nervoso. Isso, por si só, já dizia tudo.“Rubens sumiu. Encontramos o carro abandonado. Nenhuma comunicação desde ontem. Eles sabiam. Alguém entregou.”Dobrei o papel e deixei de lado. O café amargo ainda fumegava na caneca de porcelana. Peguei-a com calma, como se o mundo não tivesse virado do avesso em menos de três frases. Dei um gole, olhando pela janela. A cidade ainda respirava. Mas eu sentia o cheiro da guerra no ar.Rubens, aquele rato covarde, tinha dado tudo o que tinha em troca de nada. Traiu, espionou, mentiu — tudo com a esperança absurda de que Dante o perdoaria. Ou, pior ainda, de que ela o perdoaria. A idiota da Luna. A me