Capítulo 38MarceloA luz fria do galpão piscava como se zombasse da minha paciência. O telefone estava em viva-voz sobre a mesa, e a voz de Matteo soava como veneno suave.— Ele a defendeu. Publicamente. Disse que ela era dele.Fechei os olhos por um segundo. Meu maxilar travou.— Tem certeza? — perguntei, mesmo sabendo que Matteo jamais me ligaria com uma fofoca barata.— Ela não é só mais uma distração. Não agora. Ela estava confortável, segura. Sabe como se portar entre nós. Alguém ensinou isso a ela. E esse alguém foi Dante.Meu punho se fechou sobre a madeira até meus dedos ficarem brancos.— Ele a transformou numa aliada — completei, o tom de Matteo quase divertido. — Ou algo pior… numa ameaça com rosto bonito.Respirei fundo, tentando controlar a raiva que latejava no fundo da garganta. Luna. A garota que eu criei, lapidei, protegi... tinha virado contra mim. Não bastava ter fugido. Tinha que se deitar com meu inimigo?— Quero ela de volta — murmurei, e cada palavra saiu como
Capítulo 39Luna Acordei com o silêncio.Não aquele silêncio calmo de manhãs comuns, mas o tipo que pesa no ar, que parece esconder alguma coisa. A ausência dele me atingiu antes mesmo de eu abrir os olhos. Não havia calor do outro lado da cama. Nenhum toque, nenhum movimento. O travesseiro ainda tinha o perfume de Dante, mas ele já não estava ali.Sentei-me devagar, com os lençóis escorrendo pela pele nua. O quarto estava mergulhado numa luz suave que entrava pelas frestas da cortina. Tudo parecia em paz. Mas eu sabia que era só a superfície. Por baixo dela, havia algo se movendo.Me levantei, os músculos ainda doloridos da noite passada. A intensidade entre nós ainda estava grudada na minha pele. Não era apenas desejo. Havia algo mais. Algo que queimava e assustava. Caminhei até a cômoda e só então percebi.Uma caixa.Simples. Preta. Discreta. Em cima dela, um bilhete dobrado.Meu coração acelerou enquanto meus dedos abriam o papel com cuidado. Três palavras apenas, escritas com aq
Capítulo 40Luna O som dos pneus cantando na entrada da casa foi a única coisa que me fez piscar. Até então, meu corpo permanecia imóvel, em prontidão. Ouvi a porta da frente se abrir com um estrondo, e passos apressados cruzaram o corredor como um trovão prestes a explodir.— Luna! — a voz de Dante ecoou, rouca, descontrolada.Não respondi. Ele seguiu o som do sangue pingando no tapete e me encontrou ali, no meio da sala, com a arma ainda apontada para o homem caído.Dante parou na porta por um segundo. Um segundo apenas. Os olhos percorreram a cena: meu corpo firme, o sangue, o invasor no chão. Depois, se moveu.— Baixa a arma — pediu, mas a voz não era uma ordem. Era um pedido. Baixo, carregado de um respeito novo.— Ele ainda pode tentar alguma coisa — respondi, sem desviar o olhar do invasor.Dante se aproximou devagar, como se estivesse lidando com um animal ferido. Mas ele sabia: eu não estava ferida. Estava diferente. Queimada pelo fogo.— Eu cuido disso agora — disse, estend
Capítulo 41LunaEu não dormia direito, mesmo com Dante ao meu lado. Mesmo com a arma que agora repousava na gaveta da cômoda, ao alcance da minha mão. Tinha me tornado alguém que dorme armada. Que toma banho de porta entreaberta. Que calcula a distância até a saída.E mesmo assim… eu fiquei.As feridas invisíveis ardiam mais do que qualquer arranhão. Não tinha ficado hematoma, não tinha ficado corte, mas o que ficou era mais fundo. Uma cicatriz nova que não dava pra ver no espelho — mas que pulsava toda vez que eu fechava os olhos.Dante respeitou meu silêncio. Me deixou respirar. Me deu espaço. Ele vinha, olhava, e às vezes só sentava perto. Ficava comigo sem precisar dizer nada. O tipo de companhia que não pesa, que não exige. E isso, pra mim, era mais do que qualquer palavra.Na manhã do terceiro dia, acordei com o cheiro de café invadindo o quarto. Estava sozinha na cama, mas o lençol ainda guardava o calor do corpo dele. Espreguicei os braços devagar, como se meu corpo ainda tes
Capítulo 42LunaO nome que vi impresso na nova identidade não era o meu. “Lorena Vidal.” Um nome bonito, forte, quase elegante demais pra quem aprendeu a sobreviver com o mínimo. O documento parecia real. Assinatura, RG, CPF. Tudo limpo, novo, como se eu tivesse renascido sem os pesos do passado.— Lorena Vidal? — murmurei, olhando para Dante, que observava minha reação com um cigarro apagado entre os dedos. — É assim que eu me chamo agora?— Em público, sim. — Ele assentiu com um leve movimento de cabeça. — A consultora da Moretti Solutions. Especialista em contenção de crises, contratada diretamente por mim.— E o que exatamente a “consultora” faz?— Sabe ouvir. Sabe ler intenções. Sabe onde cutucar pra fazer alguém se entregar. — Ele se aproximou e colocou uma pasta na minha frente, sobre a mesa. — E você, Luna, sempre foi boa em farejar mentiras.Abri a pasta com cuidado. Nela, estavam os primeiros nomes dos aliados que eu deveria conhecer, cumprimentar, entender. Mafiosos de out
Capítulo 43LunaA madrugada parecia mais escura do que o normal. Nem mesmo as luzes da cidade que entravam pelas janelas tinham força suficiente para cortar o peso que tomava o ar naquela sala.Dante conectou o pen drive no laptop e os arquivos começaram a carregar. Vídeos. Áudios. Planilhas. Mapas. Tudo meticulosamente organizado. Não era só uma denúncia, era um dossiê. E cada clique nos levava mais fundo num poço que parecia não ter fim.Eu me sentei ao lado dele, os olhos atentos à tela, tentando absorver cada detalhe. As rotas marcadas em vermelho cruzavam áreas estratégicas da cidade. Algumas a gente já suspeitava. Outras... nem imaginávamos.— Ele tava montando isso há meses — murmurei, cruzando os braços. — Marcelo não improvisa. Ele planeja. Calcula. E sempre com alguém pra executar por ele.Dante assentiu, a mandíbula rígida. A cada nova pasta aberta, sua expressão escurecia. Até que um vídeo específico chamou a atenção dele.— Pera.Ele clicou.A imagem tremia, captada por
Capítulo 44LunaQuando Dante chamou a equipe para uma reunião emergencial a mesa de operações já se encontrava montada, os mapas atualizados, os celulares criptografados ligados e monitorando cada movimento. Rubens chegou com sua postura impecável, barba feita, blazer alinhado, e aquela tranquilidade que só os traidores sabem carregar no peito.— Situação? — ele perguntou, como se não soubesse que era o alvo central daquela manhã.Dante o olhou brevemente e depois se virou para o grupo reunido. Eu estava ali, disfarçada de consultora, como sempre, com os olhos atentos e o coração à beira do abismo.— Temos um possível vazamento — Dante disse, a voz firme. — Um dos nossos entregou coordenadas da última rota. Perdemos dois carregamentos. Três mortos.Silêncio. Rubens mordeu o lábio, balançou a cabeça com pesar.— Malditos bastardos — disse ele. — Se alguém estiver vendendo informação, vai pagar caro.Eu forcei um sorriso discreto. Ele era bom. Muito bom. Mas Dante e eu estávamos um pas
Capítulo 45LunaO relógio marcava 21h47 quando os carros começaram a se posicionar em volta do Armazém 19, o local da entrega falsa que Dante havia planejado com precisão cirúrgica. O ar da noite parecia mais denso, carregado de tensão. Cada membro da equipe sabia seu papel. Cada respiração contida aguardava o momento certo de agir.Rubens chegou três minutos antes do previsto, pontual como sempre. O carro preto deslizou pelo portão semiaberto e parou bem no centro da estrutura abandonada. Do lado de fora, Dante e eu assistíamos tudo das câmeras instaladas no perímetro. Ele estava sozinho, como esperávamos. Mas o celular dele… era o verdadeiro foco.— Ativa o sinal — Dante murmurou, os olhos fixos na tela.Em segundos, o rastreador capturou a conexão com o dispositivo que Rubens usava para falar com o contato de Rivas. Era um número criptografado, sem identificação direta — mas, com o acesso completo agora em nossas mãos, as mensagens estavam vindo em tempo real.Rubens digitava rápi