A mansão Castiel parece mais fria hoje. E não é o clima. É a ideia de ter que fingir por horas que estou no controle de algo que já nasceu fora dele.
Uma semana se passou desde aquele almoço com meu pai. Sete dias desde que fui informada que minha vida pessoal agora é... estratégia. E hoje, a peça principal chegou: Caius Varella. Minha futura vergonha matrimonial.
A campainha toca às 18h em ponto. Vicente se levanta, arruma a gravata, e vai receber a visita como se fosse receber o Papa. Eu fico na escada, observando de cima. E quando vejo o tal Caius...
Merda.
Ele não é o que eu esperava. Moreno, alto, terno simples mas bem cortado, cabelo bagunçado com cara de "não me importo, mas fico bonito mesmo assim". O sorriso é discreto, os olhos escuros, atentos. E o jeito que cumprimenta meu pai, com firmeza e respeito, quase me irrita.
Atrás dele, vem a mãe — Helena — com o olhar doce de quem sabe mais do que diz, e uma garota animada que deve ser a irmã. Eles são... família. No sentido mais literal. Algo que eu nunca fui boa em entender.
Desço as escadas devagar. Cada passo meu é um estrondo no mármore. Ele me vê. E por um segundo, os olhos dele deslizam por mim como se fossem mãos. Mas não diz nada. Nem um elogio. Nem um comentário. Apenas... me encara. Isso já basta pra acender meu alerta.
— Caius, essa é minha filha, Selene. — Vicente apresenta, com o orgulho de quem tá mostrando um troféu.
Estendo a mão.
Ele aperta.
Firme.
Quente.
E o olhar...
O olhar dele não vacila.
— Senhorita Castiel. — ele diz.
— Não precisa fingir formalidade. Vai casar comigo, não com meu pai. — rebato, com um sorrisinho venenoso.
Ele sorri de volta.
Mas o sorriso dele é... perigoso.
— Então prefiro chamar você pelo nome.
— Desde que não espere que eu mude quem eu sou por causa disso, tudo bem.
Silêncio.
Helena quebra o clima com uma risada leve, e todos vão para a sala. A conversa flui entre taças de vinho, tapinhas nas costas e lembranças da mãe dele com a minha — que eu não consigo ouvir por completo sem querer fugir.
O jantar é servido em uma mesa de vinte lugares, com arranjos de flores e talheres que brilham mais do que muitos currículos por aí. A comida é boa. O vinho melhor. Mas o clima...
— Então, Selene — pergunta Helena, com um sorriso sincero — como se sente com tudo isso?
Olho pra Caius. Ele ainda me observa. Como se estudasse cada reação minha.
— Eu me sinto exatamente como pareço. — respondo. — Vestida pra um teatro onde nem sei se quero ser a protagonista.
Caius ergue uma sobrancelha.
— Eu também não pedi pra ser elenco fixo.
— Ótimo. Já começamos bem.
Silêncio.
Sorrisos forçados.
Vicente pigarreia.
Depois do jantar, nos separamos. Caius vai ver o quarto onde vai dormir com o pai dele. A mãe dele some com Camille, sua irmã. Eu fico na varanda, sozinha, com uma taça de vinho e os saltos apertando os pés.
Caius aparece minutos depois.
— Fugindo da convivência?
— Não. Só respirando. Aqui em cima o ar é menos hipócrita.
Ele encosta ao meu lado.
— Só pra constar, não vim aqui pra te prender, Selene.
— Que bom. Porque ninguém me prende. Nem com anel. Nem com sobrenome.
Ele me olha.
Fundo.
— Talvez você nem precise de gaiola. Já tá presa em si mesma.
Aquilo me desmonta por dentro. Mas não demonstro.
— Cuida da sua vida, Caius.
— Tô tentando. Mas ela tá cruzando com a sua agora.
Ele vira e entra.
E eu fico.
Porque talvez, pela primeira vez, alguém não tenha medo de me dizer a verdade. E isso é... assustadoramente perigoso.