O cheiro de café fresco, croissant amanteigado e perfume caro preenche o térreo da Hudson Tower como uma manhã elegante em Nova York deveria ser.
Clara Valentina entra, como se o mundo abrisse caminho por instinto. Nada nela é forçado. O salto ecoa no piso brilhante, o blazer acerta no ombro com leveza, o cabelo castanho claro balança com a brisa suave da porta giratória. Ela não precisa ser notada. Ela simplesmente é. Na mesa do canto, perto da janela ampla onde a luz entra como um filtro dourado, estão as três mulheres que ela escolheria mil vezes como irmãs, se a vida fosse uma vitrine. -Rebeca: blazer vermelho e óculos escuros, dona de um sarcasmo pontudo e um coração que só mostra depois da segunda taça de vinho. -Nanda: camisa verde musgo, olhar atento, notebook aberto. Advogada, estratégica, sensata. Uma rocha que sente mais do que deixa transparecer. -E, no centro, com os ombros meio caídos e a xícara espremida entre as mãos… Lívia. Lívia parecia outra. O brilho nos olhos estava ali… mas ofuscado. Clara percebe na hora. Como quem enxerga além do óbvio. Ela se aproxima. Puxa a cadeira, cruza as pernas e ajeita o cabelo com aquele gesto leve, automático. E, com um sorriso de canto, lança: - “Ok. Alguém me explica por que a cara da Lívia tá parecendo trilha sonora de novela das seis?” Rebeca revira os olhos. — “Porque caiu em mais um golpe com CPF e foto no I*******m.” Nanda suspira, sem ironia, apenas aquela fadiga de quem vê a amiga se repetindo: — “E esse aí nem se esforçou pra fingir, viu?” Lívia tenta sorrir. Não consegue. O café esfria nas mãos. — “Eu juro… juro que achei que ele era diferente.” A voz dela quebra no final. Como se ela própria soubesse que aquela esperança estava gasta. Clara segura a resposta. Por um segundo. Só observa. Aquela amiga que sonha alto demais, ama rápido demais, espera demais de quem entrega de menos. — “Diferente como?” — pergunta, suave. Mas logo o tom muda, levemente provocador. — “Canalha gourmet? Mentiroso com diploma? Ilusionista afetivo?” Lívia balança a cabeça, meio rindo, meio querendo desaparecer. — “Ele parecia… gentil. De verdade. Me mandava mensagem todo dia. Dizia que queria algo sério. A gente saiu quatro vezes. Quatro! E no quinto dia? Desapareceu. Me bloqueou. Sem explicação.” Rebeca estala a língua, impaciente. — “Você acredita tanto nas palavras que esquece de olhar os sinais.” — “Obrigada pela empatia…” — Lívia rebate, mordendo o lábio. O silêncio cai. Mas não pesa. Porque ali existe amor, mesmo quando dói. Clara respira fundo. Longo. E quando ela respira fundo, geralmente, está prestes a fazer algo grande. Apoia os braços na mesa. Olha para cada uma delas. E então, solta: - “Lívia… você não merece ser feita de otária por ninguém.” - “Chega. Hoje a gente muda o jogo.” As outras duas erguem as sobrancelhas. — “Clara, o que você tá tramando?” — pergunta Nanda, já desconfiada. Ela sorri. Aquele sorriso leve, mas cheio de fogo. — “Eu vou ensinar pra Lívia o que ninguém nunca ensinou. Como se proteger. Como sair antes de ser partida. Ou melhor… como fazer eles irem embora antes que a gente quebre.” — “Você vai ensinar como… fazer o cara sumir?” — pergunta Lívia, confusa. — “Não.” — Clara responde, serena. - “Eu vou te ensinar… a não deixar ele ficar.” Silêncio. Depois, uma explosão de risos nervosos. Rebeca b**e palminhas. Nanda balança a cabeça, já sabendo que vai se meter nisso. E Clara apenas encosta na cadeira, toma um gole do café — agora morno — e fecha os olhos por um instante. Ela também já foi a Lívia. Já acreditou em promessas que viraram ausência. Mas se reconstruiu. E agora… vai ensinar como se faz. O que ela não sabe, é que o universo também anda ensaiando uma lição. E dessa vez… é ela quem pode aprender.