Três semanas se passaram desde Veneza. Três longas e silenciosas semanas.
O desaparecimento dele depois daquela noite me deixou confusa. Talvez fosse só curiosidade. Talvez fosse meu corpo tentando me avisar de algo que minha mente ainda se recusava a entender.
O som dos teclados ecoava pela sala de vidro e me deixava mais ansiosa. Quase todos já tinham ido embora, menos eu e Vanessa. Ela revisava um relatório como se fosse questão de vida ou morte, e eu… apenas fingia trabalhar, adiando encarar o que estava acontecendo comigo.
— Luna, você tá péssima. — A voz dela me fez levantar os olhos.
— É o ar-condicionado. Esse prédio parece projetado pra pinguins. — tentei brincar.
Ela não riu. Vanessa me olhou como quem já sabe a resposta antes de perguntar.
— Você não almoçou hoje. Ontem também não. No café, encostou na xícara e não bebeu. Desde que voltou da Itália, parece que tá escondendo alguma coisa. E não é só cansaço.
Suspirei, recostando na cadeira.
— É muita pressão, Van. O investimento, as reuniões… minha cabeça não para.
— Isso eu entendo. Mas não explica por que você tá suando frio aqui dentro e por que seu rosto muda quando eu falo de comida.
A náusea veio como um golpe. Apertei a boca com a mão e me levantei às pressas.
— Dá licença…
Corri para o banheiro e mal tive tempo de fechar a porta antes de me ajoelhar diante do vaso. O estômago se contraía sem piedade, cada espasmo me arrancando um gosto amargo e a sensação de que algo dentro de mim estava fora do lugar.
— Luna? — a voz de Vanessa soou próxima, preocupada. — Você tá assim há dias, né?
— Deve ter sido alguma coisa que eu comi… — murmurei, tentando controlar a respiração.
Ela se agachou ao meu lado e passou a mão nas minhas costas. Depois de alguns minutos, se afastou, cruzou os braços e me olhou como quem já sabia a verdade.
— Isso não é comida estragada. Tem nome, sobrenome… e pode até ter CPF, se você fizer o teste.
— Exagera não… — forcei um sorriso fraco. — Eu só devo estar cansada.
— Cansaço não faz o peito doer nem o humor virar uma montanha-russa. Faz o teste, Luna.
Fiquei em silêncio. Lavei o rosto, mas o espelho não mentiu: pele pálida, olheiras profundas, um cansaço que não era físico.
— Não tem como — murmurei, balançando a cabeça. — Foi só uma noite. Eu tomei cuidado… acho.
— Você acha? — ela arqueou uma sobrancelha.
— Eu estava bêbada, Van. Lembro só do cheiro dele… e de como me olhou.
— Você pelo menos sabe o nome dele?
Neguei. O rosto queimou.
Ela suspirou, mas o olhar foi firme.
— Faz o teste.
Saí sem responder, mas as palavras ficaram ecoando: faz o teste.
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No caminho de casa, entrei numa farmácia. Peguei dois testes. Não por dúvida do resultado, mas porque precisava ver duas confirmações antes de acreditar no que poderia estar acontecendo.Cheguei em casa e joguei as chaves no balcão. O pacote da farmácia parecia me encarar. Abri devagar, sentindo os dedos tremerem.
No banheiro, sentei, fiz e esperei. O coração batia tão alto que era como se preenchesse o silêncio.
Duas linhas. Claras. Vermelhas. Definitivas.
Meu estômago se fechou. Senti o ar pesar. Peguei o segundo teste. Fiz de novo. O resultado veio igual, implacável: duas linhas.
Eu sabia o que significava. E sabia que minha vida não seria mais a mesma.
Me sentei no chão frio, encostando a cabeça nos joelhos. As lágrimas vieram sem aviso. Não eram de desespero, nem de felicidade. Eram de quem entende, no fundo, que acabou de atravessar uma porta que não se pode fechar.
Fechei os olhos e a imagem dele veio inteira. O maxilar marcado. Os olhos escuros que pareciam ler minha alma. O peso do seu corpo sobre o meu. O calor, o cheiro, o gosto. Uma única noite que eu jamais esqueceria.
“Você não vai me perguntar meu nome?”
E agora, tudo o que eu queria era ter perguntado.
Eu não sabia seu nome. Não sabia de onde vinha. Não sabia se estava vivo. Mas sabia que ele fazia parte de mim agora. Para sempre.
Me levantei, lavei o rosto e encarei meu reflexo. Não era mais a mesma. Estava com medo, sim. Mas se já tinha enfrentado o mundo como mulher jovem e desacreditada, enfrentaria também como mãe — mesmo que sozinha, mesmo sem respostas.
Guardei os testes numa caixinha de joias vazia e escondi no fundo da gaveta. Como se esconder de mim mesma fosse possível.
Mas no fundo, eu sabia: não por muito tempo.