Após minha conversa com Isadora, algo dentro de mim mudou. Eu havia sido rejeitado mais uma vez. Minha própria irmã, aquela que poderia ser minha única ligação com o passado, me tratou como se eu fosse uma invenção, uma farsa. Mas, apesar de tudo, uma parte de mim não acreditava nas palavras dela. Algo dentro de mim me dizia que a verdade estava mais perto do que eu imaginava, e eu não podia parar agora. Não depois de tudo o que já tinha descoberto. Não depois de tudo o que ainda estava por vir.
Eu voltei ao asilo naquele dia, e Helena estava lá, como sempre, pronta para me apoiar. Ao me ver, ela não precisou perguntar. O olhar triste e cansado que eu tinha já dizia tudo. Eu sabia que o encontro com Isadora não havia dado certo, mas Helena não fez questão de pressionar. Ela apenas me envolveu em um abraço apertado, oferecendo o consolo silencioso que tanto precisava.
— Eu sabia que seria difícil, mas não podemos desistir. — Ela disse, com a voz suave, como se tentasse me acalmar com a simples certeza de que as respostas chegariam.
Eu me afastei um pouco, olhando para o vazio. Havia algo mais em todo esse enigma. Algo que eu ainda não conseguia entender. Por que Eduardo, meu pai, havia me deixado naquele orfanato? Por que nunca me procurou, se ele sabia da minha existência? Ele me amava? Ele se importava?
Eu voltei ao meu quarto no asilo, onde, ao abrir a gaveta, encontrei novamente os documentos que havia guardado com tanto cuidado. As fotos, os registros, o exame de DNA. Eles estavam ali, ao alcance das minhas mãos, prontos para provar o que eu já sabia, o que meu coração já sentia. Eu não estava mentindo. Eu não estava louco. Mas a cada dia, parecia que as peças do quebra-cabeça estavam ficando mais distantes.
Na manhã seguinte, fui até a biblioteca do asilo, procurando algo para desviar minha mente. Helena estava ocupada com as suas tarefas, e eu me senti um pouco solitário. Então, fui até uma prateleira empoeirada, onde encontrei livros antigos, alguns empoeirados, outros danificados pelo tempo. Meu olhar caiu sobre um livro de registros antigos do asilo, algo que eu nunca havia notado antes. Fui atraído por ele como uma mariposa pela luz, e, ao abrir a primeira página, encontrei algo que me fez parar.
Era uma anotação do diretor do orfanato, datada de muitos anos atrás. A escrita era ilegível, mas algumas palavras saltaram para mim: "Filho de Eduardo Camargo, mas a mãe não pôde ser localizada. O garoto foi deixado aqui como uma medida de segurança."
Meu coração disparou. Aquela frase, aquelas palavras, estavam gravadas em minha mente como uma sentença. O que significava "medida de segurança"? Por que minha mãe não havia sido localizada? O que havia acontecido com ela? Por que ela não havia me levado? E por que Eduardo permitiu que tudo isso acontecesse?
A cada pergunta, mais uma se formava em minha mente. Eu precisava de respostas. E essas respostas estavam além das palavras frias do papel. Eu tinha que descobrir mais. Eu precisava encontrar o elo que ligava tudo isso, e sabia que a chave estava nas mãos de quem me conhecia melhor: Clara.
Decidi que voltaria ao quarto dela. Não sabia se era uma boa ideia, mas meu instinto me dizia que algo em sua memória poderia me ajudar. Não seria fácil, mas eu estava disposto a enfrentar o que fosse necessário. O problema era que Clara estava sempre tão distante. Como conseguiria tocar na memória dela, no fundo do abismo onde ela se encontrava?
Na tarde seguinte, voltei ao asilo. O lugar parecia ainda mais sombrio, as sombras parecendo esconder segredos dos quais ninguém ousaria falar. Fui até o quarto de Clara, onde ela estava sentada à janela, olhando para fora. Seu rosto, cansado e envelhecido pela doença, parecia mais triste do que nunca. Quando entrei, ela não me viu imediatamente, mas assim que se virou para mim, seu olhar encontrou o meu com uma intensidade estranha.
— Você voltou. — Ela disse, com a voz baixa e fraca, como se estivesse falando para alguém de muito tempo atrás. E então, seus olhos brilharam com uma súbita clareza.
Eu me aproximei lentamente, meu coração batendo rápido.
— Mãe? — Perguntei, tentando entender o que estava acontecendo.
Clara estendeu a mão em minha direção, tremendo ligeiramente. Seus dedos gelados tocaram os meus, e foi como se uma faísca de reconhecimento passasse entre nós. Ela olhou para mim, mais uma vez, com os olhos cheios de algo que eu não podia identificar.
— Você... voltou para mim... — Ela sussurrou, com um sorriso fraco, mas verdadeiro.
Eu senti uma onda de emoção me invadir. Pela primeira vez, Clara parecia realmente ver-me. Mas o que ela estava tentando dizer? O que significava aquele sorriso? O que ela sabia que eu ainda não sabia? A verdade, sem dúvida, estava mais perto do que eu imaginava. Mas, antes que eu pudesse perguntar mais, a porta do quarto se abriu de repente, interrompendo nosso momento.
Era a enfermeira que cuidava de Clara. Ela olhou para nós com um olhar nervoso.
— Senhor, preciso pedir que se retire. Clara precisa descansar.
Fiquei ali, parado, tentando processar tudo o que havia acabado de acontecer. O que quer que Clara estivesse tentando me dizer, parecia que a verdade estava prestes a se revelar de maneira ainda mais perturbadora.
A enfermeira me puxou para fora do quarto, e eu, agora, com mais dúvidas do que antes, me vi na encruzilhada de algo maior. Algo estava se preparando para acontecer.
O que Clara sabia? O que ela estava tentando me contar? E como minha mãe, que parecia ter me reconhecido, se encaixava nessa história? O suspense se intensifica enquanto Gabriel está cada vez mais próximo da verdade. A próxima revelação está ao alcance das mãos.
O dia seguinte foi de silêncio. Um silêncio pesado que pairava no ar, como se o asilo, a cidade e o mundo inteiro estivessem aguardando algo. Após a estranha interação com Clara, eu não conseguia parar de pensar nas palavras dela. "Você... voltou para mim..." Havia algo profundamente familiar e ao mesmo tempo inquietante nessa frase. Clara não era apenas a mulher que cuidava de uma vida perdida; ela parecia carregar dentro de si uma chave para tudo o que eu precisava entender sobre mim, sobre minha história, sobre minha mãe e, especialmente, sobre meu pai, Eduardo Camargo. O amanhecer trouxe uma sensação de urgência, como se o tempo estivesse se comprimindo, apertando cada vez mais meu peito. Eu sabia que algo estava prestes a acontecer. Uma revelação, uma descoberta, uma virada de jogo. A pergunta que me martelava a mente era: por que Clara, que havia estado tão distante e distante de mim, parecia finalmente me reconhecer? No entanto, não tinha tempo para me perder em dúvidas. O ad
O relógio na parede do escritório de meu advogado parecia ecoar a cada segundo que passava. Eu estava sentado ali, com as mãos suando, sentindo que algo muito maior do que eu poderia imaginar estava prestes a ser revelado. A descoberta do exame de DNA e a confirmação de que Eduardo Camargo era meu pai haviam sido um choque. Mas a menção ao segredo no testamento, àquela cláusula que mencionava algo sobre meu nascimento, foi o que realmente me desestabilizou. Eu sabia que não podia esperar mais. A verdade que Eduardo havia escondido estava lá, em algum lugar, à espera de ser desenterrada. Mas onde eu procuraria? O que ele teria feito para garantir que ninguém descobrisse o que ele não queria que fosse revelado? O advogado me entregou uma nova pilha de documentos, mas eu estava tão absorvido em meus próprios pensamentos que não consegui me concentrar no que estava ali. Ele percebeu a distração e, sem dizer uma palavra, se levantou e se afastou. Eu estava sozinho novamente, mas não me s
A noite caiu rapidamente sobre a cidade, e as luzes fracas das ruas mal conseguiam iluminar a escuridão que agora parecia me cercar. O que Clara dissera reverberava em minha mente, mas eu não sabia como seguir em frente. A verdade estava, de algum modo, escondida em algo que eu não conseguia alcançar. O segredo de Eduardo ainda estava no ar, entre o que ela sabia e o que ela não podia me dizer. Eu me sentia como um caça às sombras, procurando algo que talvez nem existisse. Aquelas palavras de Clara – "A verdade está onde você nunca imaginou" – ficavam me assombrando, mas eu não sabia de onde começar. O que ela queria dizer? O que ela sabia que eu ainda não entendia? De volta ao meu apartamento, a sensação de impotência tomou conta de mim. Eu não tinha mais respostas, apenas perguntas. O que mais poderia acontecer? Eu precisava de mais pistas, algo mais tangível que me levasse a um caminho mais claro. O telefone tocou novamente, e o som cortante me fez saltar da cadeira. Era um núme
A tarde estava fria, e a casa do asilo, onde minha mãe Clara agora morava, parecia envolver-se em um silêncio que ecoava pelos corredores. Eu já me acostumara com essa paz, com o ritmo lento e constante que os idosos seguiam. Mas, naquele dia, algo estava diferente. Algo em mim sentia que aquela visita seria especial. Clara havia ficado mais calada nas últimas semanas, e suas memórias, antes fragmentadas, pareciam agora tão distantes quanto as montanhas que cobriam a cidade.Ela não me reconhecia de imediato, mas, quando me viu entrar, seus olhos brilharam por um breve momento. Uma fração de segundo que me fez acreditar que algo dentro dela ainda estava acordado, ainda estava esperando por uma resposta. Ela me olhou e, como sempre, disse algo que não fazia sentido: "Meu filho, venha aqui. Eu preciso te mostrar algo".Segui-a, embora eu soubesse que ela talvez nem se lembrasse do que estava prestes a revelar. Acompanha-la até o quarto sempre foi um ritual, um passeio silencioso onde as
A luz da manhã entrava pela janela do asilo como se dançasse lentamente no ar, tocando os lençóis brancos da cama de Clara. Ela dormia tranquila, o rosto suavizado pelo repouso, os cabelos grisalhos espalhados como seda sobre o travesseiro. Eu a observava em silêncio, sentado na poltrona ao lado, com uma caneca de chá ainda quente entre as mãos.Era difícil descrever o que eu sentia. Ela parecia tão frágil, tão distante do mundo real, e ao mesmo tempo era a única conexão verdadeira que eu tinha com o passado. O que me mantinha ali, visitando-a todos os dias, não era apenas a esperança de ouvi-la me chamar de "filho" — era algo mais profundo. Era o medo de que, se eu não estivesse ali, ninguém mais se lembraria de quem ela fora um dia.— Ela teve uma boa noite — disse Helena, aproximando-se suavemente, como sempre fazia, com aqu
Depois daquela manhã estranha e reveladora, não consegui pensar em mais nada. A frase da minha mãe ecoava repetidamente na minha cabeça como uma melodia incompleta: “Ele escondeu tudo… no baú azul… no fundo do armário… atrás das cortinas.” Foram palavras desconexas, soltas como peças de um quebra-cabeça antigo, mas eu sentia que, de algum jeito, faziam todo o sentido. Algo dentro de mim dizia que aquilo não era apenas delírio.Voltei ao orfanato naquela mesma tarde, inquieto, o coração acelerado como se uma resposta estivesse prestes a surgir das sombras do passado. Observei cada canto do prédio com outros olhos, buscando armários esquecidos, cortinas grossas, qualquer indício de algo que se encaixasse na descrição.Era estranho. Eu havia crescido ali. Conhecia cada rachadura nas paredes, cada azulejo solto do banheiro, cada de
Passei a noite inteira acordado. As cartas, a certidão, o baú… tudo estava agora guardado em uma caixa de sapato velha, escondida debaixo da minha cama. Cada vez que fechava os olhos, via o nome "Gabriel Antunes de Vasconcelos" brilhando diante de mim como uma marca em fogo.Aquela certidão mudava tudo. Mas, ao mesmo tempo, parecia abrir mais perguntas do que respostas. Por que um homem tão poderoso teria um filho escondido em um orfanato? Por que minha mãe jamais me contou? E o mais importante: ele sabe que eu existo?Na manhã seguinte, tentei agir normalmente. Fui ajudar na cozinha, arrumei os brinquedos do pátio, sentei com os pequenos para as atividades do dia. Mas estava distraído. Helena percebeu.— Vai acabar cortando o dedo se continuar olhando para o nada assim — ela disse com um sorriso leve, estendendo um pano de prato.Eu larguei a faca e limpei as mãos. Ela se sentou ao meu lado, sobre uma das mesas vazias da cozinha, como quem esperava por uma conversa.— Você está difer
Não consegui dormir naquela noite. A carta ficou sobre a minha mesa, como se me encarasse o tempo inteiro, sussurrando promessas e ameaças que ecoavam em meus pensamentos. Li e reli aquela única frase mais de vinte vezes, buscando algum detalhe, alguma pista. Nada. Nenhum remetente. Nenhum símbolo. Apenas palavras frias, diretas, cortantes como navalha: "PARE DE PROCURAR. ALGUMAS VERDADES DEVEM FICAR ENTERRADAS." O medo me rondava como um vulto. Pela primeira vez, percebi que talvez eu estivesse lidando com algo muito maior do que imaginava. Não era só um pai desaparecido. Era um segredo. Um silêncio imposto por alguém com poder suficiente para me ameaçar mesmo antes de saber que eu existia. Na manhã seguinte, tentei manter a rotina. Mas meus olhos estavam fundos, a mente distante. Helena percebeu logo de cara. — Você está pálido — disse, colocando a mão em minha testa. — Parece que viu um fantasma. — Talvez eu tenha visto — murmurei, tentando sorrir. Mostrei a carta. Ela leu em