O dia seguinte foi de silêncio. Um silêncio pesado que pairava no ar, como se o asilo, a cidade e o mundo inteiro estivessem aguardando algo. Após a estranha interação com Clara, eu não conseguia parar de pensar nas palavras dela. "Você... voltou para mim..." Havia algo profundamente familiar e ao mesmo tempo inquietante nessa frase. Clara não era apenas a mulher que cuidava de uma vida perdida; ela parecia carregar dentro de si uma chave para tudo o que eu precisava entender sobre mim, sobre minha história, sobre minha mãe e, especialmente, sobre meu pai, Eduardo Camargo.
O amanhecer trouxe uma sensação de urgência, como se o tempo estivesse se comprimindo, apertando cada vez mais meu peito. Eu sabia que algo estava prestes a acontecer. Uma revelação, uma descoberta, uma virada de jogo. A pergunta que me martelava a mente era: por que Clara, que havia estado tão distante e distante de mim, parecia finalmente me reconhecer?
No entanto, não tinha tempo para me perder em dúvidas. O advogado, ao qual havia confiado os registros e documentos, me chamou para uma reunião importante naquela manhã. Como sempre, a expectativa de algo relevante pairava sobre as palavras dele. Ele havia conseguido algum progresso? Havia encontrado alguma pista que nos levasse à verdade?
Cheguei ao escritório com o coração acelerado. Seu olhar era grave, e ao me ver entrar, ele se levantou da cadeira, fechando a porta atrás de mim. Algo me dizia que ele não queria ninguém ouvindo, e ao olhar para o rosto dele, percebi que não estava ali apenas para compartilhar boas notícias.
— Gabriel, temos algo importante para discutir. — Sua voz era baixa, como se temesse que alguém pudesse ouvir.
Sentei-me, com o estômago revirando de ansiedade. Ele puxou uma pasta de papéis e me entregou um documento.
— Esse é um exame de DNA que você fez quando criança. — Ele começou, sua voz mais firme agora. — E esse é o resultado do exame mais recente, comparando seu DNA com o de Eduardo Camargo.
Eu olhei para os papéis, o coração batendo cada vez mais rápido, e então ele me disse, com uma calma que não refletia o impacto das palavras:
— Você é, sem dúvida alguma, filho de Eduardo Camargo.
Aquelas palavras, que por tanto tempo foram uma esperança distante, agora estavam ali, jogadas na minha frente como uma verdade indiscutível. Eduardo Camargo era meu pai. Ele realmente existia, ele realmente me deixou, mas a pergunta ainda permanecia: por que ele não me procurou? Por que ele me deixou naquele orfanato? Por que ele nunca tentou me encontrar?
Antes que eu pudesse falar, o advogado continuou:
— Temos provas agora. A herança que você procura, os bens, as empresas... tudo o que ele deixou, tudo o que você tem direito, está registrado. Mas há mais.
Eu olhei para ele, os olhos fixos nas palavras, tentando processar a enormidade do que estava sendo revelado.
— O que mais? — Perguntei, a voz falhando um pouco.
Ele olhou para mim, hesitando por um momento antes de continuar.
— Existe uma cláusula em um dos testamentos que menciona um “segredo” relacionado ao seu nascimento. Algo que ele deixou guardado, algo que ninguém mais sabe, algo que ele não queria que fosse revelado enquanto ele estivesse vivo. Isso, Gabriel, pode mudar tudo.
Eu me recostei na cadeira, atônito. A revelação de que havia um segredo, algo que ele não queria que fosse descoberto, me deixou ainda mais intrigado. O que poderia ser tão importante? O que ele escondia? A verdade, eu sentia, estava ainda mais distante do que eu imaginava. Mas uma coisa era certa: eu estava mais perto de encontrá-la do que nunca.
A reunião foi rápida, mas intensa. Eu saí do escritório com mais perguntas do que respostas, e uma sensação crescente de que não poderia parar agora. O segredo que Eduardo deixara para trás era algo que eu precisava descobrir, e eu sabia que ele estava relacionado a Clara. Não podia ser coincidência. Havia algo nela, algo que eu ainda não entendia, que estava diretamente ligado a tudo o que eu estava buscando.
De volta ao asilo, a tarde parecia não terminar. As horas se arrastavam enquanto minha mente trabalhava, cada vez mais focada na figura de Clara. Eu precisava voltar lá, precisava ver se ela poderia me ajudar a entender o que estava acontecendo. O problema era que Clara não estava tão lúcida quanto da última vez que a vi. Seu olhar estava mais vazio, e a lembrança de nossa conversa parecia ter sido apagada por uma névoa invisível.
Entrei no quarto dela com um nó na garganta, sentindo o peso da decisão que tomara. Se ela tivesse alguma chave, alguma resposta, eu precisava que ela me ajudasse a encontrar. Clara olhou para mim, como sempre, com um sorriso fraco e perdido, mas algo em sua expressão me dizia que ela sabia mais do que estava mostrando.
— Mãe... — Eu disse suavemente, me aproximando dela. — Você se lembra de mim?
Ela olhou para mim, e por um momento, parecia que seus olhos brilharam com algo familiar. Ela estendeu a mão, mas dessa vez parecia hesitante, como se algo estivesse bloqueando sua memória. No entanto, antes que ela pudesse falar, ouvi um ruído vindo da porta. A enfermeira, novamente.
— Senhor, a senhora Clara precisa descansar. Por favor, deixe-a. — Ela disse, com uma firmeza que eu não podia ignorar.
Eu respirei fundo, sabendo que a chave para a resposta não estava ali, naquela hora. Clara estava me dizendo algo, mas o que ela sabia ainda estava escondido. E quanto mais eu tentava entender, mais o mistério se aprofundava.
Eu olhei para Clara uma última vez antes de sair, e no fundo de seu olhar, senti uma certeza. Eu estava chegando perto de algo, e o segredo que Eduardo Camargo havia deixado para trás estava prestes a ser revelado.
Mas a verdade que eu buscava, com tanto empenho, talvez fosse mais perigosa do que eu imaginava. Algo me dizia que essa descoberta poderia mudar tudo.
O que Clara sabia? O segredo que Eduardo deixou para trás, o que ele poderia esconder? A resposta estava mais próxima do que eu imaginava, mas também era mais arriscada. A cada passo, Gabriel se aproxima de uma verdade que pode alterar tudo.
O relógio na parede do escritório de meu advogado parecia ecoar a cada segundo que passava. Eu estava sentado ali, com as mãos suando, sentindo que algo muito maior do que eu poderia imaginar estava prestes a ser revelado. A descoberta do exame de DNA e a confirmação de que Eduardo Camargo era meu pai haviam sido um choque. Mas a menção ao segredo no testamento, àquela cláusula que mencionava algo sobre meu nascimento, foi o que realmente me desestabilizou. Eu sabia que não podia esperar mais. A verdade que Eduardo havia escondido estava lá, em algum lugar, à espera de ser desenterrada. Mas onde eu procuraria? O que ele teria feito para garantir que ninguém descobrisse o que ele não queria que fosse revelado? O advogado me entregou uma nova pilha de documentos, mas eu estava tão absorvido em meus próprios pensamentos que não consegui me concentrar no que estava ali. Ele percebeu a distração e, sem dizer uma palavra, se levantou e se afastou. Eu estava sozinho novamente, mas não me s
A noite caiu rapidamente sobre a cidade, e as luzes fracas das ruas mal conseguiam iluminar a escuridão que agora parecia me cercar. O que Clara dissera reverberava em minha mente, mas eu não sabia como seguir em frente. A verdade estava, de algum modo, escondida em algo que eu não conseguia alcançar. O segredo de Eduardo ainda estava no ar, entre o que ela sabia e o que ela não podia me dizer. Eu me sentia como um caça às sombras, procurando algo que talvez nem existisse. Aquelas palavras de Clara – "A verdade está onde você nunca imaginou" – ficavam me assombrando, mas eu não sabia de onde começar. O que ela queria dizer? O que ela sabia que eu ainda não entendia? De volta ao meu apartamento, a sensação de impotência tomou conta de mim. Eu não tinha mais respostas, apenas perguntas. O que mais poderia acontecer? Eu precisava de mais pistas, algo mais tangível que me levasse a um caminho mais claro. O telefone tocou novamente, e o som cortante me fez saltar da cadeira. Era um núme
A tarde estava fria, e a casa do asilo, onde minha mãe Clara agora morava, parecia envolver-se em um silêncio que ecoava pelos corredores. Eu já me acostumara com essa paz, com o ritmo lento e constante que os idosos seguiam. Mas, naquele dia, algo estava diferente. Algo em mim sentia que aquela visita seria especial. Clara havia ficado mais calada nas últimas semanas, e suas memórias, antes fragmentadas, pareciam agora tão distantes quanto as montanhas que cobriam a cidade.Ela não me reconhecia de imediato, mas, quando me viu entrar, seus olhos brilharam por um breve momento. Uma fração de segundo que me fez acreditar que algo dentro dela ainda estava acordado, ainda estava esperando por uma resposta. Ela me olhou e, como sempre, disse algo que não fazia sentido: "Meu filho, venha aqui. Eu preciso te mostrar algo".Segui-a, embora eu soubesse que ela talvez nem se lembrasse do que estava prestes a revelar. Acompanha-la até o quarto sempre foi um ritual, um passeio silencioso onde as
A luz da manhã entrava pela janela do asilo como se dançasse lentamente no ar, tocando os lençóis brancos da cama de Clara. Ela dormia tranquila, o rosto suavizado pelo repouso, os cabelos grisalhos espalhados como seda sobre o travesseiro. Eu a observava em silêncio, sentado na poltrona ao lado, com uma caneca de chá ainda quente entre as mãos.Era difícil descrever o que eu sentia. Ela parecia tão frágil, tão distante do mundo real, e ao mesmo tempo era a única conexão verdadeira que eu tinha com o passado. O que me mantinha ali, visitando-a todos os dias, não era apenas a esperança de ouvi-la me chamar de "filho" — era algo mais profundo. Era o medo de que, se eu não estivesse ali, ninguém mais se lembraria de quem ela fora um dia.— Ela teve uma boa noite — disse Helena, aproximando-se suavemente, como sempre fazia, com aqu
Depois daquela manhã estranha e reveladora, não consegui pensar em mais nada. A frase da minha mãe ecoava repetidamente na minha cabeça como uma melodia incompleta: “Ele escondeu tudo… no baú azul… no fundo do armário… atrás das cortinas.” Foram palavras desconexas, soltas como peças de um quebra-cabeça antigo, mas eu sentia que, de algum jeito, faziam todo o sentido. Algo dentro de mim dizia que aquilo não era apenas delírio.Voltei ao orfanato naquela mesma tarde, inquieto, o coração acelerado como se uma resposta estivesse prestes a surgir das sombras do passado. Observei cada canto do prédio com outros olhos, buscando armários esquecidos, cortinas grossas, qualquer indício de algo que se encaixasse na descrição.Era estranho. Eu havia crescido ali. Conhecia cada rachadura nas paredes, cada azulejo solto do banheiro, cada de
Passei a noite inteira acordado. As cartas, a certidão, o baú… tudo estava agora guardado em uma caixa de sapato velha, escondida debaixo da minha cama. Cada vez que fechava os olhos, via o nome "Gabriel Antunes de Vasconcelos" brilhando diante de mim como uma marca em fogo.Aquela certidão mudava tudo. Mas, ao mesmo tempo, parecia abrir mais perguntas do que respostas. Por que um homem tão poderoso teria um filho escondido em um orfanato? Por que minha mãe jamais me contou? E o mais importante: ele sabe que eu existo?Na manhã seguinte, tentei agir normalmente. Fui ajudar na cozinha, arrumei os brinquedos do pátio, sentei com os pequenos para as atividades do dia. Mas estava distraído. Helena percebeu.— Vai acabar cortando o dedo se continuar olhando para o nada assim — ela disse com um sorriso leve, estendendo um pano de prato.Eu larguei a faca e limpei as mãos. Ela se sentou ao meu lado, sobre uma das mesas vazias da cozinha, como quem esperava por uma conversa.— Você está difer
Não consegui dormir naquela noite. A carta ficou sobre a minha mesa, como se me encarasse o tempo inteiro, sussurrando promessas e ameaças que ecoavam em meus pensamentos. Li e reli aquela única frase mais de vinte vezes, buscando algum detalhe, alguma pista. Nada. Nenhum remetente. Nenhum símbolo. Apenas palavras frias, diretas, cortantes como navalha: "PARE DE PROCURAR. ALGUMAS VERDADES DEVEM FICAR ENTERRADAS." O medo me rondava como um vulto. Pela primeira vez, percebi que talvez eu estivesse lidando com algo muito maior do que imaginava. Não era só um pai desaparecido. Era um segredo. Um silêncio imposto por alguém com poder suficiente para me ameaçar mesmo antes de saber que eu existia. Na manhã seguinte, tentei manter a rotina. Mas meus olhos estavam fundos, a mente distante. Helena percebeu logo de cara. — Você está pálido — disse, colocando a mão em minha testa. — Parece que viu um fantasma. — Talvez eu tenha visto — murmurei, tentando sorrir. Mostrei a carta. Ela leu em
Por mais que eu tentasse seguir meu dia normalmente, o carro preto estacionado em frente ao orfanato permanecia fixo na minha mente como um alerta constante. Não era o tipo de veículo que se via por ali. Era elegante demais, escuro demais, silencioso demais. Parecia pertencer a outro mundo — um mundo que eu mal começava a compreender. — Está lá outra vez — murmurei, encostado na janela da sala de leitura, observando pela fresta da cortina. — Desde ontem à noite — respondeu Helena, cruzando os braços, também olhando de soslaio. — Alguém está nos vigiando, Arthur. Essa certeza crescia dentro de mim como uma semente de medo. Havia alguém que sabia o que eu procurava… e não gostava disso. Aquela carta não foi uma simples advertência. Era uma ameaça. E agora, esse carro... uma presença muda, constante, como um vigia das sombras. O mais difícil era tentar agir como se tudo estivesse bem. As crianças não podiam notar nada. Especialmente os pequenos, que se assustavam com facilidade. Por