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Capítulo 2 – A Sala dos Castigos

Os dias no orfanato seguiam um ritmo tão repetitivo que até o tique-taque do velho relógio de parede parecia zombar da minha existência. O sol nascia, a comida era servida com pontualidade monótona, e as atividades variavam entre tarefas domésticas e aulas improvisadas com livros doados por escolas que nem queriam mais saber deles. Tudo ali cheirava a desuso — como se cada canto carregasse o peso de memórias que ninguém queria manter vivas.

Eu dividia o dormitório com mais três garotos. Um deles, o Nando, era o mais velho entre nós e se autodenominava nosso "protetor". Na verdade, só queria se sentir importante. Quando não estava implicando com os menores, ficava horas olhando pela janela, como se procurasse alguma fuga que nunca vinha.

Certa manhã, acordei com um ruído abafado vindo do corredor. Espiei pela fresta da porta e vi a diretora arrastando pelos braços um dos garotos mais novos, o Raul. Seus olhos estavam cheios de medo e suas pernas, trêmulas. Ele havia molhado a cama outra vez. O destino dele era a temida Sala dos Castigos — um quartinho trancado no porão, úmido e escuro, que servia tanto como depósito quanto como ameaça constante.

Aquilo me revirava o estômago. Não era justo. Raul era apenas uma criança assustada, mas no orfanato não havia espaço para fraquezas. Quem chorava demais era ignorado. Quem perguntava demais era silenciado. E quem ousava sonhar... esse era apenas tolo.

Durante o almoço, sentei-me ao lado da cozinheira, Dona Cida. Ela era uma das poucas que tentava demonstrar carinho, mesmo que de forma discreta. Sempre me oferecia um pouco mais de arroz e feijão, às vezes escondia um doce no bolso do avental só para me ver sorrir. Perguntei sobre Raul, e ela apenas desviou o olhar.

“Você sabe como são as regras, meu filho”, sussurrou, como se tivesse medo até das próprias palavras. “Aqui dentro, a gente aprende a sobreviver... não a viver.”

À tarde, fui escalado para ajudar a limpar o refeitório. Enquanto lavava as mesas, observei as marcas riscadas nas madeiras — iniciais de nomes, datas, desenhos de corações partidos e frases de protesto em silêncio. Aquelas marcas eram tudo o que restava da passagem de dezenas de crianças que, como eu, foram esquecidas.

À noite, ao me deitar, meu pensamento voltou para Raul. Ele ainda não havia retornado. Fiquei olhando para o teto por horas, tentando afastar o medo de que ele talvez não voltasse mais. A chuva começou a cair forte, tamborilando nas telhas velhas como um aviso. No escuro, ouvi um soluço vindo do beliche de cima. Era Pedro, outro garoto do nosso quarto. Ele também estava assustado.

Levantei devagar, sentei em minha cama e olhei pela janela embaçada. As luzes do corredor principal estavam acesas, mas a sala dos castigos, lá no porão, permanecia mergulhada na escuridão. Foi nesse momento que decidi que não podia mais ficar só observando.

Naquela mesma noite, esperei todos dormirem, e saí do quarto em silêncio. As tábuas rangiam sob meus pés, o coração batia tão forte que pensei que poderia acordar a casa inteira. Caminhei pelos corredores até chegar à escada do porão. Cada degrau parecia mais fundo que o anterior, como se estivesse descendo não só fisicamente, mas emocionalmente para um lugar do qual talvez não conseguisse mais sair.

Quando cheguei à porta da Sala dos Castigos, coloquei a mão na maçaneta, mas hesitei. E se eu fosse pego? E se eu não conseguisse ajudá-lo? Respirei fundo, fechei os olhos por um instante, e decidi que não dava mais para ignorar.

Mas antes que eu pudesse girar a maçaneta… ouvi passos atrás de mim.

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