Inicio / Romance / O Herdeiro Esquecido / Capítulo 3 – O Menino do Banquinho Azul
Capítulo 3 – O Menino do Banquinho Azul

Eu tinha um lugar favorito no orfanato: um banquinho de madeira azul desbotado que ficava próximo à estufa abandonada no quintal dos fundos. Ninguém se importava com aquele canto isolado, talvez porque estivesse sempre úmido e com cheiro de terra. Mas era ali que eu sentia que podia respirar.

Sentava ali todas as tardes, depois das tarefas, observando o céu mudar de cor. Às vezes, inventava histórias na minha cabeça. Outras, ficava em silêncio, ouvindo o canto dos pássaros ou o barulho do vento entre as frestas da velha estufa. Era um refúgio só meu.

Certa vez, encontrei uma borboleta com as asas quebradas perto do banco. Cuidei dela por dias, tentando ajudá-la a voar novamente. Ela nunca voou, mas sempre voltava ao mesmo canto. Demos um nome a ela — eu e a borboleta: Esperança. Era bobo, talvez, mas naquele tempo, qualquer migalha de sentido era um alívio.

A rotina no orfanato seguia dura. Acordávamos cedo com o som do velho sino da cozinha. Café ralo, pão duro, correria para o banho, e as lições improvisadas com uma professora que vinha duas vezes por semana. Quando ela faltava, ficávamos entregues a nós mesmos, amontoados na sala de atividades, cada um tentando se distrair como podia.

As brigas eram frequentes. Um pedaço de pão a mais, um brinquedo velho encontrado na caçamba, ou até um travesseiro menos esburacado já virava motivo. Aprendi a me esquivar de confusão. Eu observava muito mais do que falava. Talvez fosse por isso que poucos se lembravam de mim, ou talvez fosse porque eu me tornava invisível por instinto.

Mas havia alguém que sempre me via.

Dona Dalva era a mais velha entre os cuidadores. Não tinha filhos e dizia que todos nós éramos seus meninos e meninas. Mas comigo era diferente. Ela sempre me oferecia um pouco mais de chá ou guardava um pedaço de bolo do café da tarde. Não dizia muito, mas uma vez me olhou nos olhos e falou: 

— Você não é daqui, meu filho. Seu destino é maior que essas paredes.

Guardei essa frase por anos.

Certa tarde, ouvi rumores entre as cuidadoras: "Aquela mulher voltou." Me escondi atrás da porta da lavanderia e escutei melhor. Diziam que uma senhora com olhar perdido, mas roupa fina, havia voltado mais uma vez para ver se me reconhecia. Diziam que ela vinha todos os anos, sempre no mesmo mês, e perguntava por mim. Mas que, ao me ver, nunca dizia nada, apenas chorava e ia embora.

Aquilo me deixou em choque. Por que ninguém nunca me contou?

Naquela noite, mal dormi. Pela primeira vez, senti raiva. Raiva por ter sido mantido no escuro, por não saber que havia alguém lá fora — talvez minha mãe — tentando me encontrar, mesmo que sem palavras. Quis confrontar Dona Dalva, mas me contive. Esperei. E esperei.

Até que ela voltou.

Era uma tarde cinzenta, de garoa fina, quando a vi pela primeira vez. Estava ao lado da diretora, perto do portão. Vestia um casaco longo, e seus olhos pareciam procurar algo com desespero contido. Senti um nó na garganta. Quis correr, me apresentar, gritar que era eu. Mas não me movi. Permaneci no meu banquinho azul, imóvel.

Ela me olhou por alguns segundos. Seus olhos marejaram, mas ela não disse nada. Apenas se virou, murmurou algo para a diretora e foi embora.

Eu não sabia seu nome, nem se realmente era ela. Mas algo dentro de mim gritou com força: ela era minha mãe.

Nos dias seguintes, não consegui mais ir até o banquinho. Doía demais. Em vez disso, passei a vagar pelos corredores, tentando encontrar pistas, tentando entender. Perguntei à Dona Dalva, que apenas desviou o olhar e disse: 

— Às vezes, a dor é tanta que a gente prefere o silêncio, menino.

Naquela noite, decidi que, quando saísse dali, encontraria respostas. E se ela fosse mesmo minha mãe, eu a faria lembrar.

O orfanato parecia um labirinto de segredos, e eu havia encontrado o primeiro deles. E como todo segredo, ele vinha acompanhado de perguntas que ainda estavam por vir...

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP