O salão estava mergulhado num luxo sombrio: cortinas de veludo vinho, candelabros pendendo como pecados dourados, e dezenas de rostos cobertos por máscaras de prata. Ninguém ali tinha nome. Apenas cifras. Apenas vontades sussurradas atrás de leques e olhares.
“Lote número 43”, anunciou a mulher de vestido escarlate no centro do palco. A voz dela ecoou como veneno refinado.
— Masculino. Trinta anos. Saudável. Treinado. Silencioso.Silencioso.
A palavra me fisgou como um anzol. Naquele mundo de ruídos falsos, alguém que sabia calar era uma joia rara. E ele estava ali. Nu da cintura para cima. Algemado. Mas em pé, como se fosse ele quem estivesse nos julgando.Seus cabelos estavam levemente desalinhados, como se não tivessem ousado tocá-lo demais. No braço esquerdo, uma cicatriz em forma de cruz mal feita. Ele parecia selvagem, mas com a elegância de quem já conheceu o luxo — e o perdeu.
— Dez mil iniciais! — gritou alguém ao fundo, voz abafada por uma máscara em forma de águia.
Eu ergui minha mão antes de perceber que o fiz.
Verena Skoll, sentada à minha esquerda, virou-se lentamente para mim. O sorriso dela era uma faca afiada envolta em perfume.
— Tem certeza, Isabella? Este aí... não foi feito para ser domado.Eu não respondi. Porque não era sobre domar. Era sobre possuir.
— Quinze mil. — Minha voz cortou o salão como uma taça quebrando no mármore.
Silêncio.
Alguns murmúrios. Um olhar de alerta de um homem do fundo. Mas ninguém cobriu minha oferta.
E então, o som final:
— Arrematado para a Srta. Morel.Ele me olhou pela primeira vez.
E naquele instante, eu soube:
Comprei mais do que um corpo. Comprei uma sentença. ---Horas depois – Mansão Morel
O carro blindado parou diante do portão principal. A noite parecia respirar mais lento em Valdora — como se a própria ilha soubesse guardar segredos.
As luzes acesas da mansão não aqueciam. Iluminavam, sim, mas com frieza. A propriedade era grande demais para uma só pessoa. Cheia demais de fantasmas que só eu via.
— Pode descer. — avisei sem olhar para trás.
Ele saiu do carro em silêncio, descalço, algemado. Seus olhos vagaram pelos jardins da propriedade, como se analisassem rotas de fuga.
Entrei primeiro. Deixei que ele me seguisse.
No salão principal, parei. O som dos nossos passos ecoava sobre o mármore como uma dança forçada.
— As algemas. Tire-as.
O guarda me olhou, hesitante.
— Srta. Morel...— Eu paguei. Ele me pertence.
As algemas caíram ao chão com um som seco. Elyan me encarou — não com medo, nem submissão.
Com algo pior: calma.— Você não vai perguntar por que eu estava lá? — ele disse, a voz rouca e firme como um trovão contido.
— Não. — respondi.
Caminhei até ele. — Você foi vendido. Isso basta.— Para você? — ele deu um passo à frente.
— Ou para sua solidão?Aquilo me feriu como uma navalha — e talvez ele soubesse.
Mas eu não cedi.— Aqui, você obedece. Fala quando eu mando. Dorme onde eu digo.
— E se eu não obedecer?— Então você descobrirá que o dinheiro pode comprar quase tudo.
Mas o castigo... esse é sempre gratuito.Ele sorriu. Um sorriso triste. Perigoso.
E me respondeu com um sussurro que não era ameaça, nem promessa. Era profecia:— Então, que comece o jogo.
---Naquela noite, não consegui dormir.
Deitada na cama de lençóis egípcios, olhei o teto como quem procura respostas. Ele estava em um dos quartos de hóspedes — o mais afastado, com portas duplas e câmeras desligadas. Por minha ordem.
Pela primeira vez em muito tempo, algo me inquietava.
Não o medo. Mas a sensação de que, talvez, eu não fosse a única jogadora no tabuleiro.E se eu tivesse trazido um rei para dentro do meu castelo, achando que era um peão?