8 — CIÚME INICIAL

Eu não tinha planejado falar com ninguém naquela tarde.

Depois do que aconteceu com o Noah — os empurrões, o silêncio forçado, a maneira como ele me olhava como se eu tivesse feito algo imperdoável — eu só queria manter distância. Respiração estável. Pensamentos no lugar. Coisas que eu normalmente tenho… e que desapareceram desde que o maldito entrou na minha vida.

Mas o campus estava cheio, quente, barulhento.

E aí apareceu Miguel. Alto, sorriso fácil, aquele tipo de cara que parece gostar de ouvir as próprias piadas. Nos conhecíamos da aula de Teoria Literária.

Eu estava parada perto da fonte, mexendo no celular só pra fingir ocupação, quando ele chegou.

— Ei, Éris, sumiu da aula hoje?

Sorri, meio automático.

— Precisei resolver umas coisas.

Ele se encostou no corrimão, perto demais.

— Você parece cansada.

“Se ele soubesse…” pensei.

Conversamos sobre nada — aula, clima, professores. Nada profundo, nada relevante. Ele estava animado demais, e eu… eu só queria clareza dentro da minha cabeça, que ultimamente parecia um quarto escuro cheio de móveis no caminho.

O problema é que Miguel era gentil.

E gentileza, naquele momento, era um alívio perigoso.

Até que senti aquilo.

Um arrepio.

Aquela tensão no ar, ruim, pesada.

Quando virei a cabeça, ele estava lá.

Noah.

Sozinho. Encostado na parede do prédio ao lado.

Braços cruzados.

Olhar fixo na gente.

Ou melhor… em mim.

E o mundo ficou mais silencioso, como se alguém tivesse abaixado o volume.

Eu nunca tinha visto alguém olhar daquele jeito. Não era raiva pura. Não era irritação normal.

Era… uma mistura estranha de fúria, ciúme e uma espécie de convocação muda, como se ele dissesse sem palavras:

“Chega perto. Agora.”

Miguel continuava falando, mas eu só via Noah.

A mandíbula travada.

Os dedos batendo no bíceps.

Os olhos escuros, perigosos, queimando.

E ele não desviava.

— …então se quiser, a gente pode estudar junto — Miguel disse, sorrindo.

Antes que eu pudesse responder, Noah se mexeu.

Aproximou-se devagar, como um predador que sabe que ninguém vai impedi-lo. E quando chegou perto, o ar ficou diferente.

Eu gelei.

Miguel percebeu, claro. E encarou Noah.

— Algum problema, cara?

Noah nem olhou pra ele.

Falou direto pra mim. Só pra mim.

— Preciso falar com você. Agora.

O comando na voz dele me irritou instantaneamente.

— Eu tô ocupada. — respondi, seca.

Ele riu — aquele riso curto, sem humor, que eu já tinha aprendido a odiar.

— Com ele?

Miguel franziu a testa.

— Qual o seu problema, mano?

Foi aí que Noah finalmente virou o rosto pra ele. Devagar. Como se estivesse segurando algo muito pior.

— Nenhum. — disse. — Desde que ele pare de falar com ela.

Eu pisquei.

Miguel ficou sem reação, e eu… eu quis esganar o Noah.

— Você enlouqueceu? — rebati. — Eu falo com quem eu quiser.

Ele deu um passo na minha direção.

Depois outro.

E outro.

Até que ficou tão perto que eu senti o cheiro dele — menta, chuva, e aquele aroma quente que parece fogo prestes a acender.

— Não com ele. — sussurrou.

Meus dedos tremeram.

Meu peito também.

E minha raiva ficou ainda maior por isso.

— Por quê? — perguntei, encarando ele de volta. — Quem você pensa que é?

O silêncio dele queimou mais que qualquer resposta.

Porque Noah não recuou.

Não piscou.

Não disfarçou a tensão nos músculos, a forma como os olhos desceram pros meus lábios sem ele perceber.

A gente estava perto demais.

Tão perto que Miguel ficou desconfortável.

— Ok, ok… vou nessa. — ele murmurou, se afastando. — Te vejo depois, Éris.

Noah nem se mexeu pra deixá-lo passar.

Só ficou parado, respirando fundo como se tivesse acabado de correr.

Quando finalmente ficamos sozinhos, eu explodi:

— O que foi isso?!

— Nada.

— “Nada”? Você praticamente expulsou o cara!

— Ele estava te olhando demais.

— E…?

— E eu não gostei.

Aquilo me atingiu como soco.

— Desde quando você se importa?

— Desde sempre. — ele disse. — Mas você não enxerga nada.

Meu corpo inteiro travou.

— Repete isso. — desafiei.

Ele deu mais um passo. E, meu Deus, ele estava tão perto que se eu respirasse mais fundo, meus lábios encostariam no queixo dele.

— Você. Não. Enxerga. Nada. — repetiu, devagar, cada palavra mais quente que a anterior. — Nada do que você provoca. Nada do que eu…

Ele se interrompeu.

Fechou os olhos por um segundo.

Parecia brigando consigo mesmo.

E abriu de novo, ainda mais intenso.

— Não quero ver você com ele.

Eu ri. Era o único jeito de não desabar.

— Você é doente? Acha que manda em mim?

— Não mando. — ele murmurou. — Mas quero.

A frase me cortou a respiração.

— Você… é ridículo.

— E você gosta. — ele rebateu.

Meu coração bateu tão forte que doeu.

Eu devia ter ido embora.

Virado as costas.

Mandado ele pra qualquer lugar longe de mim.

Mas eu fiquei.

Fiquei presa naquele olhar, naquela raiva quente que parecia envolver nós dois e apertar até faltar ar.

— Noah… — sussurrei, sem entender por que meu tom saiu tão baixo.

Ele inclinou o rosto, chegando perigosamente perto.

Quase tocando.

Quase…

— O que você tem com ele, Éris?

— Nada.

— Então por que isso Me incomoda tanto?

Ele encostou a testa na minha.

Toque breve.

Explosivo.

Meu corpo acendeu inteiro.

— Porque eu… — começou.

Mas então alguém passou correndo entre nós dois, rindo alto, e a bolha que nos prendia estourou.

Noah se afastou, respirando rápido.

Como se tivesse sido pegando fazendo algo proibido.

Eu também.

Ele passou a mão no cabelo, nervoso — eu nunca tinha visto ele assim.

— A gente não devia… — murmurou, quase pra si mesmo.

— Concordo. — falei, mesmo sem conseguir me mover.

Ele virou as costas com brutalidade, como se fugir fosse a única forma de não avançar de novo.

Mas antes de ir, olhou por cima do ombro:

— Se ele tocar em você… eu juro que não respondo por mim.

E desapareceu.

Fiquei ali parada, coração descontrolado, pernas fracas, pele quente.

Era raiva.

Era tensão.

Era ciúme.

Era desejo que eu me recusei a nomear.

E eu sabia — nós dois sabíamos — que aquilo tinha acabado de mudar tudo.

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