Mundo ficciónIniciar sesiónEu passei o dia inteiro fingindo que estava tudo normal.
Que eu não tinha quase dito sim quando Noah perguntou se podia encostar em mim. Que meu corpo não lembrava do calor dele, da respiração perto demais, da forma como ele me olhou depois… como se enxergasse algo que eu não sabia esconder.Ridículo. Tudo ridículo.
E pra piorar, minhas amigas tinham decidido que a nova diversão delas era me observar como se eu fosse protagonista de novela mexicana.
Val me cutucou umas vinte vezes só naquela manhã.
Bianca sussurrava “shippo” toda vez que Noah passava a menos de dez metros.
Lia só anotava mentalmente cada reação minha, como se estivesse montando um perfil psicológico.
Eu queria enfiar a cabeça num travesseiro e sumir.
Quando finalmente voltei pro meu apartamento no campus, joguei a mochila no chão sem nem acertar a mesa. O impacto ecoou pelo quarto silencioso. Dei um suspiro longo, pesado, quase frustrado. Não sabia direito com quê. Com ele. Comigo. Com tudo.
Eu precisava desligar a cabeça.
Mas a minha cabeça só sabia rodar em círculo.
E naquele círculo, tinha Noah.
E o jeito que ele disse “por que tá tremendo?”. E o jeito que meu corpo respondeu como se tivesse vida própria.— Idiota — murmurei pra mim mesma.
Caminhei até a cama, segurei o travesseiro e apertei contra o rosto por três segundos. Depois joguei longe.
Foi quando vi o diário em cima da mesa.
Fechado.
Silencioso. Quase chamando por mim.Eu não devia.
Eu sabia que não devia.Mas minhas mãos já estavam pegando o caderno antes mesmo de eu terminar de pensar.
Sentei no chão, encostada na cama, e abri na página onde tinha parado.
A caligrafia dele — ou dela, ou de quem quer que fosse — já era familiar.
Mas dessa vez… tinha algo diferente. Algo que pareceu vibrar pelas linhas.Comecei a ler.
E logo no segundo parágrafo, encontrei o trecho que mudou tudo.
“Eu às vezes penso em sumir… mas então lembro dos olhos dela.”
Senti o ar travar no pulmão.
Pisquei, confusa.
Li de novo.
Mais devagar.
“Eu às vezes penso em sumir…”
Quem escreve isso não está brincando.
Não é exagero adolescente. Não é frase dramaticazinha.É dor.
Dor real.
“…mas então lembro dos olhos dela.”
Arrepios subiram pelo meu braço.
A imagem surgiu na minha cabeça antes que eu pudesse impedir: alguém sentado sozinho, com dor demais pra falar, dependendo da lembrança de alguém para simplesmente continuar existindo.
E doeu em mim também, de um jeito que eu não estava preparada.
Continuei lendo.
O texto era íntimo demais.
Quase cru.“Ninguém percebe quando eu tô quebrado. Acho que é porque eu aprendi a fingir cedo demais. Mas quando ela olha pra mim… eu sinto como se alguém finalmente enxergasse as rachaduras.”
Meu estômago afundou.
Eu senti a respiração prender, como se cada frase fosse um soco.
Aquela não era uma pessoa aleatória.
Não era só um estudante distraído. Não era alguém desinteressante.Era alguém machucado.
Solitário. Alguém que precisava desesperadamente de um pouco de luz — mesmo que fosse a luz dos olhos de outra pessoa.E eu não sabia por que aquilo me afetava tanto.
Só sabia que afetava.Li mais.
“Eu não posso dizer nada pra ela. Se ela souber o que eu sinto, vai correr. Todo mundo corre. Mas às vezes, quando ela passa perto, eu fico pensando se ela percebe. Se ela sente.”
Fechei o diário um pouco mais forte do que pretendia.
Meu coração estava batendo rápido.
Rápido demais.A sensação que tomou conta de mim foi estranha.
Era como se eu tivesse invadido a alma de alguém sem pedir permissão.Mas ao mesmo tempo…
Parecia que aquela pessoa tinha deixado justamente pra isso.
Pra ser lida.
Pra ser vista. Pra ser encontrada.Eu encostei a cabeça na cama e fiquei olhando pro teto.
As palavras continuavam queimando no peito.
“Olhos dela.”
Não eram meus.
Eu sabia disso. Não fazia sentido ser.Mas alguma parte ridícula de mim… sentiu como se fosse.
E isso me deixou ainda mais confusa.
Peguei o diário de novo. Passei a mão sobre a capa. Era velho, usado, gasto. Como se tivesse sido folheado muitas vezes. Como se as páginas já carregassem peso demais.
— Quem é você? — sussurrei, mesmo sabendo que o caderno não ia responder.
Mas dentro de mim, algo respondeu.
Eu queria saber.
Queria muito.Por que alguém escreveria algo tão íntimo e deixaria cair?
Como alguém podia estar andando por aí com essa dor toda dentro do peito… sem ninguém notar?A campainha tocou.
Meu coração saltou.
Por um segundo idiota, pensei: é ele.
Mas não era, claro.
Era Bianca, mandando mensagem no grupo:
BIANCA: “noaaah tá com uma cara hj q meu deus ele vai morder alguém kkkkk”
VAL: “ele ficou te observando na biblioteca, Éris. Sem piscar.”
LIA: “parecia preocupado.”
Eu segurei o celular, sentindo uma onda estranha subir até o pescoço.
Eu não queria me importar.
Mas me importei.
Muito.
Joguei o telefone de lado e fechei o diário com cuidado, como se fosse frágil.
Depois me levantei, tomei banho rápido e tentei dormir.
Falhei miseravelmente.Quando o sol nasceu, parecia que eu tinha piscado por três minutos.
Me arrastei até o campus com uma ressaca emocional difícil de descrever.
E então aconteceu.
Eu virei o corredor perto da biblioteca…
…e Noah estava lá. Encostado na parede. Mexendo no celular sem realmente mexer. Com aquela postura de quem finge que não está esperando ninguém.Minha respiração travou por um segundo.
Ele levantou o olhar.
E quando nossos olhos se encontraram… …eu juro que por um milésimo de segundo, alguma coisa passou nele. Alguma coisa crua. Quase vulnerável.Mas sumiu rápido.
Muito rápido.Ele voltou a vestir a máscara irritante.
— Ah. — Ele disse, seco. — Finalmente resolveu aparecer.
Eu revirei os olhos, fingindo que meu coração não tinha acabado de dar três voltas olímpicas ao ver ele ali.
— Não estava te evitando — menti, claramente.
Ele levantou uma sobrancelha, debochado.
— Claro que não.
Passei por ele sem olhar pra trás.
Mas senti.
Senti o olhar dele queimando minhas costas.
Senti o clima pesado, tenso, o ar entre nós vibrando.E, pior:
Senti que ele sabia que alguma coisa em mim tinha mudado.
O diário.
Aquela frase. Os olhos dela.Eu queria fingir que aquilo não tinha me abalado.
Mas tinha.
E Noah…
Noah parecia notar sem nem tentar.Quando cheguei na sala, Val se virou pra mim com um sorriso malicioso.
— Você tá diferente — disse.
— Tô nada.
— Tá sim. — Bianca completou. — O que rolou?
Engoli em seco.
Eu não podia contar sobre o diário.
Eu não queria contar sobre Noah.
Eu não sabia contar sobre nada.
Então só respondi:
— Nada. Absolutamente nada.
Mas enquanto minhas amigas falavam sobre o trabalho da semana, meu olhar se desviou sozinho para a porta…
…no exato momento em que Noah entrou.
E por um segundo, juraria que nossos olhos se acharam como se fossem ímãs.
Ele desviou rápido.
Eu também.Mas tinha algo ali.
Algo crescendo.
Algo que nenhum dos dois queria admitir. Algo que o diário, sem querer, tinha acendido dentro de mim.E eu sabia, bem no fundo do peito:
Isso não ia acabar bem.
Mas eu não queria que acabasse.






