O telefone parecia uma extensão do braço de Pedro desde o momento em que seus pés cruzaram a porta da empresa. Ele se movia por seu escritório como um predador enjaulado, a voz firme e baixa, resolvendo problemas a milhares de quilômetros de distância. Assim que a ligação terminou, ele marchou até a mesa de sua secretária, a urgência estampada em cada linha de seu rosto.
— Vou precisar viajar com urgência para o país Z. Marque um voo para amanhã à tarde, ok? — Ok, senhor. — A resposta dela foi imediata, acostumada ao ritmo frenético dele. — É preciso que organize uma reunião de emergência com os engenheiros e arquitetos para daqui a uma hora. Todos. — Ok. Ele se virou sem mais uma palavra, voltando para a sua sala e mergulhando novamente em plantas e e-mails, um mundo onde ele tinha controle absoluto. Dez minutos depois, a secretária entrou silenciosamente, depositando uma xícara de café fumegante em sua mesa. — Presidente, todos foram avisados da reunião de emergência. — Ela fez uma pausa hesitante. — Exceto a sra. Campos. Não consegui falar com ela e ela também não está na empresa. Pedro levantou a cabeça abruptamente, a testa franzida em genuína surpresa. — O quê? Ela ainda não chegou? — Não, senhor... Ela informou que ficaria ausente hoje. A lembrança da conversa no carro, da menção à irmã dela, passou por sua mente como um flash, mas foi imediatamente descartada, soterrada pela prioridade do trabalho. — Ligue para ela novamente. — A ordem foi gélida, irrefutável. — E mande que venha imediatamente para a reunião. Sem atraso. A secretária sentiu um nó no estômago. Ela quis argumentar, lembrar que Isabella, mesmo sendo a esposa do presidente, havia solicitado formalmente aquela ausência com uma semana de antecedência, seguindo o protocolo como qualquer funcionário. Mas a expressão no rosto de Pedro era uma barreira intransponível. Relutante, ela saiu da sala e tentou a ligação mais uma vez, o profissionalismo lutando contra o bom senso. Quase desistindo, a chamada finalmente completou. — Oi. — A voz de Isabella do outro lado soava distante, abafada pelo ruído de fundo. — Bom dia, senhora. O presidente marcou uma reunião de emergência com os arquitetos e engenheiros que começa em menos de uma hora. Houve um silêncio. — Eu não estou na empresa hoje. — Eu sei, senhora, mas o presidente exige sua presença nessa reunião. Outra pausa, mais longa e pesada. — Hum... Entendi. — A senhora. virá? — Sim. — A resposta foi um suspiro resignado. — Vou sair daqui agora. — Obrigada. Do outro lado da linha, no saguão barulhento do aeroporto, Isabella encerrou a chamada com uma sensação de incredulidade. Explicou rapidamente a situação para Patrícia, a frustração evidente em seu rosto, e pediu que ela ficasse com Benjamin. Com um beijo apressado na testa do filho, ela saiu em disparada, o coração martelando contra as costelas. Era uma corrida perdida. O trânsito pulsava em um ritmo lento e irritante, e o trajeto que normalmente levaria quarenta e cinco minutos se esticou em uma tortura de para-choques e buzinas. Quando finalmente empurrou a porta de vidro da sala de reuniões, o silêncio caiu como uma bigorna. Vinte minutos de atraso. Todos os olhares se viraram para ela. Enquanto caminhava a passos rápidos para seu lugar, o rosto queimando de vergonha, ela murmurou: — Desculpa pelo atraso. — Está tudo bem, Isa, começamos há pouco tempo. — A voz gentil de Thiago, um dos engenheiros, foi um breve alívio. Mas o alívio foi estraçalhado pela voz de Pedro, que cortou o ar como uma lâmina. — Não está nada bem. — Ele disse, o olhar fixo nela, frio como aço. — Você deveria ser mais responsável. Não se atrase da próxima vez. Isabella apenas assentiu, uma única vez, sentindo o peso de todos os olhares sobre si. O clima na sala, que já era tenso, tornou mais pesado. O rosto de Thiago escureceu, a necessidade de humilhar um funcionário daquela forma, ainda mais sendo a própria esposa na frente de toda a equipe, pareceu-lhe cruel e desnecessária. Ele abriu a boca para dizer algo, mas a fechou, lembrando-se de que ali Pedro não era apenas o presidente, mas também o marido dela, e aquele era um campo minado no qual ele não ousaria pisar. A reunião prosseguiu, arrastada e pesada. Ao final, um suspiro coletivo de alívio percorreu a sala. Todos começaram a arrumar seus pertences, ansiosos para escapar daquela atmosfera sufocante, esperando que Pedro, como de costume, fosse o primeiro a sair. No entanto, ele não se levantou. Permaneceu sentado na cabeceira da mesa, o olhar ainda fixo em Isabella, e com uma voz calma que era mais ameaçadora que um grito, ele ordenou: — Todos podem sair. Preciso conversar com a Isabella. A sós. Assim que todos saíram e as portas da sala de reuniões se fecharam. Abafando o som dos passos apressados do lado de fora e deixando um silêncio denso e carregado para trás. Pedro permaneceu sentado, os dedos entrelaçados sobre a mesa, o olhar fixo em Isabella. Ele disse em tom sério: — Onde você estava? Por que se atrasou? — A voz dele era baixa, controlada, mas cada palavra era afiada como um caco de vidro. Sem esperar a resposta, continuou: — Sabe muito bem que odeio atrasos, e não quero que ninguém fale que estou te favorecendo no trabalho. A acusação, tão injusta, acendeu uma chama de indignação em Isabella. O cansaço e a humilhação do dia se transformaram em uma raiva fria. Ela ergueu o queixo, o olhar encontrando o dele sem vacilar. — Você nunca fez isso. Pelo contrário. — A voz dela, embora magoada, era firme. — Você sempre exigiu mais de mim do que de qualquer outro colaborador aqui dentro. Pedro ignorou totalmente o que ela disse e perguntou novamente: — Onde estava? — repetiu ele, a voz subindo um tom. Ele se levantou da cadeira, o movimento lento e deliberado. Contornou a longa mesa de mogno, seus passos ecoando no silêncio. Parou atrás dela e, com uma mão firme no encosto da cadeira, girou-a levemente, forçando-a a encará-lo de frente. Ele se inclinou, invadindo seu espaço pessoal.— Me responda logo. A proximidade dele era sufocante, mas Isabella não recuou. A adrenalina da injustiça a sustentava. — Eu estava no aeroporto! — ela cuspiu as palavras, a voz embargada pela frustração. — Fui buscar a minha irmã. A mesma que você disse que iria buscar comigo! A menção à irmã, ao compromisso esquecido, atingiu Pedro como um soco. A raiva em seu rosto se desfez, substituída por uma rara expressão de confusão, quase de culpa. A máscara de presidente implacável rachou, revelando o homem que havia falhado. — Sua irmã chegou hoje... — ele murmurou, a culpa finalmente o alcançando. — Isabella, eu... O que quer que ele fosse dizer — uma desculpa, um pedido de perdão — morreu antes de nascer. O toque estridente de seu celular cortou o ar, o identificador mostrando uma chamada internacional. Sem um pingo de hesitação, o instinto profissional assumiu o controle. Ele se afastou dela, virou-se e atendeu, a mente já mergulhada em outro fuso horário, outro problema, assumindo que, como sempre, Isabella entenderia. Para Isabella, aquele gesto foi a cena final de uma peça que ela já conhecia de cor. Um déjà-vu avassalador daquela mesma manhã, do carro, da indiferença. Ele a havia convocado, humilhado, confrontado e, no exato momento em que uma fagulha de humanidade apareceu, ele a descartou novamente por uma ligação. Ela não esperou para ver o fim. Não havia mais nada a ser dito. Em silêncio, levantou-se da cadeira. O som suave de seus saltos no chão foi o único barulho além da voz de Pedro ao telefone. Ela caminhou em direção à porta, sem olhar para trás uma única vez, e saiu da sala, deixando-o para trás com seu mundo de urgências. Seu caminho era um só: direto para o estacionamento, para longe dali.