Mundo ficciónIniciar sesiónO ronco do motor cortou o silêncio da estrada de terra. A poeira subiu atrás da viatura enquanto o sol morria atrás das colinas douradas de Riverwood.
Jackson estacionou diante da casa grande e desligou o carro. O casarão Grimwood, com suas janelas antigas e madeira marcada pelo tempo, parecia observá-lo de volta — imóvel, orgulhoso e cansado. Na varanda, o pai o esperava. Elijah Grimwood estava de pé, apoiado na bengala, o chapéu de palha sombreando o rosto firme e envelhecido. — Então o xerife voltou pra casa — disse ele, a voz seca como o pó da estrada. Ele saiu do carro e ajeitou o chapéu no banco do passageiro e foi em direção ao seu pai. Era um homem alto, de postura firme, ombros largos e pele bronzeada pelo sol do sul. O cabelo loiro-escuro caía levemente sobre a testa, e os olhos azuis refletiam o mesmo céu alaranjado que se apagava no horizonte. Havia algo de contido nele — a serenidade de quem carrega mais peso do que mostra. Jackson respirou fundo percebendo o tom do pai, fechou a porta da viatura e subiu os degraus da varanda. — Boa noite, pai. Estou atrasado? — Pro jantar, não. Pro resto da vida, já chega tarde há anos. – diz o pai de forma ríspida e cortante. _“Eu só queria ter um jantar normal”_ Jackson pensa enquanto encara o pai, os lábios uma linha fina de contenção. O tom bastou pra reacender o incômodo entre os dois. Jackson ajeitou o cinto e respondeu, o maxilar travado. — Ainda com esse assunto, pai? Já discutimos isso. Eu tô fazendo o que gosto, e o assunto está encerrado. O silêncio entre os dois se estendeu por longos segundos, interrompido apenas pelo som do vento passando pelas cercas. Elijah desviou o olhar primeiro, batendo a ponta da bengala no assoalho. — Vamos entrar — disse, seco. — Sua mãe preparou o jantar. Jackson suspirou e o acompanhou. O assoalho da varanda rangeu sob os passos dos dois, e a porta velha se abriu soltando um estalo. O cheiro de pão recém-assado e carne ao forno tomou o ar. A sala de jantar era ampla, iluminada pelo tom dourado da lareira. As cortinas claras balançavam com a brisa que vinha da janela aberta. A casa parecia viva, guardando dentro de si o peso de todos os anos e das memórias que insistiam em não partir. Eleanor Grimwood, a mãe, estava de pé junto à mesa. Os cabelos loiros começavam a ganhar fios prateados, e o avental florido trazia o cheiro de temperos e fumaça. Ela virou-se assim que os viu e sorriu — um sorriso doce, mas cansado, o tipo de sorriso que uma mãe usa pra esconder preocupação. — Finalmente em casa, meu filho. — A voz dela soou suave, acolhedora, diferente da rigidez do marido. Jackson tirou o chapéu e encostou-o na parede. — Boa noite, mãe. — Aproximou-se e beijou-lhe a testa. — Estava com saudade. Eleanor pousou a mão no rosto dele, os olhos marejando por um instante. — Você anda magro demais. Trabalhando demais. Jackson sorriu de leve. — E o senhor continua mandando demais — respondeu, lançando um olhar breve para o pai, que fingiu não ouvir. Elijah se sentou à cabeceira da mesa, o corpo ereto e o olhar distante. Eleanor acomodou-se ao lado oposto, e Jackson tomou o lugar à direita, o mesmo de quando era menino. A comida fumegava em travessas de porcelana. O cheiro era familiar — carne assada, pão quente e ervas frescas —, o tipo de jantar que um dia significou lar. Agora, só lembrança. Durante alguns minutos, ninguém falou. O único som era o dos talheres, o crepitar do fogo e o relógio antigo marcando o tempo na parede. Eleanor foi a primeira a tentar amenizar o clima. — E a cidade, filho? Como estão as coisas por lá? Jackson ergueu o olhar do prato. — Tranquilas, mãe. Uns bêbados, umas brigas de bar… nada demais. Elijah limpou a garganta, o som seco preenchendo o ar. — Nada demais — repetiu com sarcasmo. — Um xerife satisfeito com o nada. Que orgulho. Jackson pousou o garfo com calma, mas os dedos estavam tensos. — Prefere que eu volte pra cá e passe o resto da vida cuidando de vaca e plantação? — Prefiro que viva como um Grimwood. — Elijah cruzou os braços. — O nome dessa família valia alguma coisa antes de você trocar a terra pela lei dos outros. Eleanor lançou um olhar repreensivo ao marido. — Elijah, por favor… Mas ele continuou, sem alterar o tom. — Teu irmão morreu lutando por essa terra. E você? Vive servindo homens que nunca pisaram nela. Jackson respirou fundo, tentando manter a calma. — Eu sirvo às pessoas, pai. Protejo o que é certo. Elijah soltou um riso curto, amargo. — Certo. — Balançou a cabeça. — Certo é sustentar o chão onde você nasceu. Certo é não deixar o nome Grimwood virar piada. O silêncio voltou, pesado. Eleanor mexeu o guardanapo entre os dedos, os olhos marejados. Jackson olhou para o prato, mas o apetite havia desaparecido. — A fazenda está falida — disse Elijah, de repente. A frase caiu sobre a mesa como uma pedra no poço. Eleanor fechou os olhos, tensa. Jackson ergueu o olhar, surpreso. — O quê? — Fiz um acordo com o Barão William Blackwolf. Ele vai quitar nossas dívidas e salvar nossas terras. Jackson arqueou as sobrancelhas. — E o que o senhor deu em troca? Elijah o encarou, firme. — Dei você. Vai se casar com uma das filhas dele. O garfo escapou dos dedos de Jackson e bateu no prato, o som metálico ecoando. Ele se levantou devagar, a voz incrédula. — Eu já tenho compromisso, pai! Tenho minha noiva, Daiana! Não vou me casar com qualquer uma! Eleanor levou a mão à boca. Elijah continuou impassível. Jackson falou mais alto, o rosto vermelho: — Daiana é a mulher com que eu vou me casar! Jackson estava com Daiana a tanto tempo que não se lembrava mais quando começou , estudaram juntos desde a infância , ela foi sua primeira mulher , sua primeira e única namorada , porém a paixão da adolescência que ele sentia antes por ela não tinha mais, oque restou foi apenas a lealdade. As palavras saíam em disparo, cheias de dor e orgulho. Mas no fundo, ele sabia que o amor entre eles havia mudado. Ainda havia carinho, lealdade, respeito — mas não mais fogo. Mesmo assim, Jackson era um homem de palavra, fiel aos votos que fizera. Elijah recostou-se na cadeira, indiferente. — Esse relacionamento com essa garota que não vai pra frente nem pra trás não , e não vai salvar nossa família. — A voz dele era firme, cortante. — Você precisa nos ajudar. Só temos você agora. Jackson cerrou os punhos. — E se eu me recusar? — Então vai carregar o peso de deixar o nome Grimwood morrer. — Elijah bateu a bengala no chão. — Não faça com que a morte do seu irmão tenha sido em vão. O nome Joshua ecoou na sala como uma sentença. Jackson respirou fundo, o olhar nublado. — Joshua morreu por essa nação, pai. — A voz dele saiu baixa. — E você quer que eu morra por esta terra. O silêncio engoliu o resto. Eleanor chorava baixinho. Elijah apenas o encarava, inquebrável. Jackson se levantou, pegou uma garrafa de cerveja da mesa e saiu, batendo a porta. Jackson atravessou o alpendre e desceu os degraus da varanda sem olhar para trás. O ar noturno o atingiu como um soco frio. O vento vinha do norte, carregando o cheiro de chuva e terra molhada. O campo se estendia diante dele — uma imensidão dourada agora tingida pelo luar. Seguiu por entre as cercas, o som das botas afundando na poeira úmida. Conhecia aquele caminho de olhos fechados. Atrás do celeiro, sob a velha figueira, ficava o pequeno cemitério da família Grimwood — um retângulo cercado por pedras cobertas de musgo, onde o tempo parecia andar mais devagar. As folhas balançavam preguiçosas no alto, sussurrando segredos antigos. Ali, debaixo daquela árvore, o irmão dele dormia. Jackson parou diante da lápide simples de pedra clara. “Joshua Grimwood — Filho, irmão, herói.” Leu as palavras em silêncio, como quem repete uma oração antiga. Ajoelhou-se e apoiou uma das mãos sobre a pedra fria. Pegou a garrafa de cerveja que trouxera e abriu com um estalo seco. O som pareceu ecoar por toda a fazenda adormecida. Tomou um gole, longo, amargo, deixando o álcool queimar a garganta antes de falar. — Parece que eu vou ser o primeiro a se casar então, irmão… — murmurou, a voz rouca, com um sorriso triste. — Aposto que você estaria rindo disso, não é? Deu outro gole e olhou para o céu, onde a lua despontava entre as nuvens. O silêncio ao redor era pesado, só quebrado pelo farfalhar do trigo distante. — Sabe, às vezes eu ainda escuto você rindo no celeiro… — Ele passou a mão pelos cabelos loiros, cansado. — A mãe sempre diz que você era o orgulho da família. E eu… eu fui o que sobrou. Apoiou os cotovelos sobre os joelhos e abaixou a cabeça. — Sinto sua falta, irmão. — A voz saiu baixa, quase um sussurro. — Você morreu e me deixou aqui pra cuidar de tudo. O vento soprou, balançando as folhas da figueira, como se o morto o ouvisse. Por um instante, Jackson ficou imóvel, apenas escutando o som da natureza — o lamento distante de um grilo, o gemido da madeira do celeiro, o farfalhar do vento entre as espigas de trigo. Ele abriu outra cerveja, colocou-a encostada na base da lápide e passou a mão pela cruz de madeira, limpando o pó. — Isso é por você, Josh. — respirou fundo. — Por tudo o que sobrou da gente. Permaneceu ali por longos minutos, o rosto voltado para o chão. Quando finalmente se levantou, sentiu o peso do dever no corpo. A cada passo de volta, o som das folhas e da areia parecia mais lento, mais distante, como se a própria terra entendesse o que ele estava prestes a fazer. Ao chegar à varanda, viu as luzes acesas na sala. O fogo ainda ardia na lareira. Eleanor chorava baixinho, sentada à mesa, o olhar perdido no prato intocado. Elijah continuava na cabeceira, imóvel, com a bengala apoiada entre as pernas. Jackson parou por um instante, o coração acelerado, o gosto amargo da cerveja ainda na boca. Então respirou fundo e entrou. O barulho das botas sobre o chão de madeira ecoou pela casa, chamando a atenção dos pais. Ele se aproximou, o rosto firme, mas o olhar derrotado. — Tudo bem… — disse, com a voz rouca. — Farei isso então. Eleanor ergueu os olhos, incrédula. Uma lágrima desceu silenciosa por sua bochecha. Elijah não disse nada — apenas fechou os olhos e assentiu, como quem vence, mas perde ao mesmo tempo. O fogo estalou na lareira, cuspindo faíscas. O vento entrou pela janela aberta e fez a chama vacilar. Sob o mesmo céu, milhas adiante, o casarão dos Blackwolf repousava em silêncio — e o futuro começava a se mover.






