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3: Fernando Torrenegro

"Casei com ela para destruir seu pai, mas é ela quem está dilacerando o que restou da minha alma — e nem precisou me tocar para isso." — Fernando Torrenegro

🖤

O tempo passou rápido... muito mais rápido do que eu imaginava. O momento de cumprir o meu juramento estava próximo, em algumas horas conseguirei arrancar do meu peito toda dor que carrego durante longos vinte e sete anos. Quase três décadas aguardo esse momento de fazer o maldito Hernán Castilho pagar pelas suas atrocidades, e enfim, esse dia chegou.

Estou de pé próximo ao pequeno altar criado para toda essa encenação, usando um terno preto, como de costume, e louco para que toda essa história tenha um fim. De repente a porta principal é aberta, e Luna surge vestida de branco. Mas não era o branco dos contos de fadas, de pureza ou redenção. Era o branco do silêncio antes da explosão. Uma cor estéril, limpa demais, esperando ser manchada com tudo o que carrego: sangue, promessas falsas e intenções torpes.

Luna Castilho caminhava como se não tocasse o chão, guiada por uma mulher que não me interessa e cujo nome não me importa. Meus olhos — e mais do que os olhos, meu instinto — estavam cravados nela. No modo como se movia com a cabeça erguida e como cada passo era dado com uma firmeza que não pertencia a uma noiva cega sendo entregue ao seu carrasco.

Ela não se arrastava, não tremia, e muito menos era um cordeiro. Luna era uma lâmina afiada disfarçada de uma flor delicada.

O salão da casa de campo havia sido transformado num teatro para a imprensa decorada com flores claras, tapeçarias antigas e relíquias do velho mundo. Além de câmeras escondidas e sorrisos falsos. Políticos curiosos e jornalistas famintos aguardando a união simbólica entre os dois grandes nomes de Medellin: Castilho e Torrenegro.

Mas eu não via nada disso. Quando Luna surgiu diante dos meus olhos, eu só senti a explosão e a inquietação que ela causava em mim. Eu só sentia ela. Um calor sob a pele e um arrepio que se arrastava na espinha. Luna era silêncio. Mas não um silêncio submisso. Era o tipo de silêncio que grita.

Ela parou diante de mim e parecia enxergar a minha alma. Seu rosto estava voltado para frente, e era como se me encarasse. Mas os olhos… tão serenos. Tão vazios. Luna tem olhos de quem não teme o abismo, porque já aprendeu a habitá-lo.

E ali, bem ali, eu soube: essa mulher vai me destruir.

A cerimônia foi iniciada. O juiz civil falou frases curtas, burocráticas e cheias de palavras sem alma. Tudo como eu havia planejado. Minutos depois assinei o livro e Luna fez o mesmo. A mão dela era firme e determinada, como se estivesse assinando um tratado de guerra e não a sentença do seu destino.

— Pode beijar a noiva — disse o juiz.

Eu podia não fazê-lo. Podia manter a encenação até o fim, sem tocar em nada, mas eu a beijei. Porque era parte do jogo, todos estavam vendo e eu precisava provar a eles — e a mim — que estava no controle.

Segurei seu rosto com uma das mãos. A pele dela era quente, macia e viva demais. Isso não estava nos meus planos. Luna tinha uma beleza única, daquelas que não precisava fazer esforço para conquistar, era natural, simples e ao mesmo tempo fatal. 

Tentei não pensar, até porque se eu seguisse os meus instintos acabaria cometendo um erro, e erros para um homem como eu são inaceitáveis. Então mecanicamente inclinei-me e encostei meus lábios nos dela. O beijo foi rápido e frio. Mas não consegui ser indiferente como imaginava, quando toquei os lábios de Luna algo estalou dentro de mim. Como se o contato tivesse aberto uma rachadura no que eu pensava estar selado.

A boca dela tinha gosto de fúria contida. De uma mulher que sabia o que estava fazendo. E isso… me incomodou.

— Agora você é minha — sussurrei em seu ouvido.

Ela não se moveu, não tremeu e tão pouco hesitou.

Apenas respondeu:

— Desde quando fui algo que se possui?

Engoli seco.

Não porque a frase dela me feriu, mas porque me expôs. Ela viu através da máscara. Mesmo sem olhos.

Durante o brinde, os flashes das câmeras estouravam como tiros. Os sorrisos falsos me cercavam como hienas em volta de um cadáver. Eu fingia. Apertava mãos. Repetia palavras ocas. Cumpria o protocolo.

Mas tudo o que eu queria era o silêncio.

Queria tirá-la dali. Queria saber se o desafio era real… ou só um verniz bem polido.

Quando, finalmente, nos recolhemos, a noite já havia engolido tudo. Fechei a porta atrás de nós e ordenei que ninguém nos incomodasse. A sala reservada para a noite de núpcias era simples, bonita e teatral. Mas tudo me parecia pequeno demais com ela dentro.

Luna estava sentada à beira da cama. O vestido ainda estava impecável, o seu corpo estava firme, as suas mãos sobre o colo e o queixo erguido como se pudesse me ver.

E então, ela falou antes de mim:

— Você vai me despir como parte da punição ou da cerimônia?

Parei.

A pergunta cortou o ar. Não porque era ofensiva, mas porque era precisa. Como se ela soubesse exatamente o que estava fazendo: Me desafiando.

Cheguei mais perto. Mas não a toquei. Seu perfume de rosas invadiu a minha respiração, e me fez oscilar por alguns instantes.

Ela não era uma boneca nas mãos do lobo, e sim, uma bomba relógio. E eu já ouvia a contagem regressiva dentro dela.

— Não vou te tocar hoje — disse.

Minha voz saiu mais baixa e mais rouca do que imaginei. Talvez porque, no fundo, uma parte de mim não conseguisse cumprir o que prometi a mim mesmo.

— Ainda não.

Ela soltou um suspiro. Curto. Quase inaudível.

Seria um suspiro de alívio ou frustração? Naquele momento eu não consegui decifrar.

Ela apenas respondeu:

— Obrigada!

Obrigada!

Como se me concedesse algum mérito por não violar uma mulher que eu havia comprado como parte de uma guerra pessoal.

Eu virei as costas. O quarto parecia encolher. A presença dela enchia cada centímetro de ar. Eu me sentia sufocado, e algo dentro de mim gritava para que eu saísse imediatamente daquele cômodo, ou algo inesperado poderia acontecer.

Então sem pronunciar nenhuma palavra eu saí e encostei o meu corpo na parede do corredor.

Meu peito doía.

O coração batia como um tambor de guerra, mas não era raiva ou desejo, era uma confusão que me irritava profundamente. Porque eu não sou um homem que sente...  Sou um homem que manda, que toma e que destrói.

E ela… Ela estava desmontando tudo com meia dúzia de frases e um silêncio que me esmagava.

Fechei os olhos por alguns instantes e respirei fundo, mas o perfume dela ainda estava nas minhas narinas. E por algum motivo maldito, aquilo me acalmava e me provocava ao mesmo tempo.

Voltei ao quarto uma hora depois. Ela dormia. Ou fingia. Não falei nada. Não me aproximei. Fiquei parado ali, no escuro, observando o vulto dela sob os lençóis.

E pela primeira vez em muito tempo, eu me fiz uma pergunta que nunca imaginei: E se eu não conseguir destruí-la?

Porque Luna Castilho… Ela não é uma peça no meu jogo, e sim, o tabuleiro inteiro. E talvez, só talvez, ela seja a única capaz de me fazer perder.

Mas isso não importa. A guerra já começou.

Ela é minha esposa agora. Minha moeda e minha arma. E se eu tiver que me queimar para vencer, que seja. Porque no fim, só um de nós pode sair inteiro. E eu nunca fui metade de nada e tão pouco dominado por uma mulher.

Seguirei com meus planos e os meus objetivos serão alcançados custe o que custar.

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