Capítulo 8

POV: Lorenzo

Nova Iorque não é Roma. Não tem o cheiro da terra molhada depois da chuva, nem os sinos antigos das igrejas que ouvia quando criança.

Mas tem poder. E é disso que vivemos.

Depois do último jantar, minha vida virou uma espécie de novela familiar que minha mãe dirige pelo telefone. Beatrice Moretti, a única mulher que me faz abaixar a guarda — ainda que seja só por uns minutos.

Ela me manda mensagens quase todos os dias agora. “Quando vou conhecer a doutora Estela?” “Ela gosta de vinho tinto ou branco?” “Será que prefere flores ou livros?”

Eu rio. Ela é um doce de mulher. Forte, mas com aquele toque delicado que só as matriarcas italianas sabem dosar. Os cabelos grisalhos, sempre presos num coque elegante. O perfume floral leve. E aquele jeito gentil de falar, que engana qualquer um… menos quem conhece seu sangue.

Na nossa família, a máfia não é um jogo. Não é um clichê. É um legado.

O sangue dos Moretti corre em veias que construíram alianças, enterraram traidores e sustentaram o império com mãos firmes e olhos atentos. Família, para nós, é sagrada. E trair a família é pior do que trair a si mesmo.

Quem trai, morre.

E não é uma morte rápida.

Porque se você é capaz de enganar quem te deu a vida… você é um câncer. E câncer, a gente arranca pela raiz.

Foi por isso que nunca me casei. Nunca me permiti criar laços. Mulher, para um homem no meu lugar, é fraqueza. Distração. Risco.

Mas então ela apareceu.

Estela.

A doutora de olhos escuros que carrega o mundo sem reclamar. Que sangra em silêncio como os nossos, mas de um jeito mais limpo… mais puro.

Ela não sabe o que é viver cercada de morte calculada. Ela vê a morte por acidente, por falha, por destino.

Eu sou a morte por escolha.

E mesmo assim… eu a quero.

Quero tanto que dói.

O nonno sempre dizia que os homens Moretti têm uma obsessão que escolhe por eles. Não é o cérebro. Não é o coração. É um fogo. Uma marca.

E a minha tem nome.

Estela.

---

O carro preto parou em frente ao galpão reformado em Brooklyn. Disfarçado por fora, como sempre. Por dentro, o coração pulsante da máfia que comanda boa parte da costa leste.

Reunião com as principais famílias. Todos os rostos conhecidos. Todos os nomes que poderiam fazer Wall Street tremer se suas histórias viessem à tona.

Capos, tenentes, braços-direitos e sangue novo.

Entrei ao lado de Ricco, meu braço-direito desde os 17 anos. Fiel como um cão treinado. Mortal como uma víbora. Com ele, Matteo e papà já estavam à mesa. Francesca chegou pouco depois, ao lado do noivo arquiteto — aquele civil que jura que sabe onde está pisando.

Sentamos em uma mesa grande, redonda. Símbolo de igualdade entre as famílias. Mas sabemos que igualdade aqui é só aparência. Hierarquia se mede em silêncio, olhares e nos números que cada um controla.

Não demorou até começarem.

— Lorenzo, você é o mais velho — disse Don Salvatore, da família De Luca. — É hora de pensar em um herdeiro.

— O império não espera — continuou outro, mexendo no charuto com desdém. — Você conduz bem, sim. Mas até quando? Quer morrer sozinho e deixar um vácuo?

Sorri. Frio. Gelado como minha alma.

— Conduzi todos vocês por anos à estabilidade. Aos lucros. À paz entre as famílias. Não precisei de uma mulher para isso.

— Mas o sangue, Lorenzo… — insistiu Don Salvatore. — Herança se passa pelo sangue.

Inclinei o corpo levemente para frente, apoiando os cotovelos na mesa de madeira escura. Cada palavra minha saiu como uma lâmina embainhada: calma, mas com uma promessa de corte.

— O império Moretti não foi construído sobre camas. Foi construído sobre decisões. Sobre sacrifícios. Sobre sangue derramado com propósito. Vocês querem saber se sou apto? Olhem ao redor. Todos ainda respiram. Todos ainda ganham. E ninguém ousa tocar na minha família.

Um silêncio pesado caiu sobre a mesa. Alguns desviaram o olhar. Outros beberam em silêncio.

Ricco segurava o riso com esforço.

Mas dentro de mim… algo tremia.

Porque pela primeira vez, em anos, eu não tinha certeza absoluta do que dizia.

Eles estavam certos, de certa forma.

Eu estava à beira de algo que nunca quis.

Desejando algo que pode me enfraquecer.

Mas, por Deus… se amar Estela é fraqueza,

então que me quebrem por inteiro.

Depois da reunião — contratos selados, estratégias definidas, alianças reafirmadas com palavras que mais pareciam ameaças mascaradas — voltei pro meu apartamento.

Coração de Nova Iorque.

Cobertura no último andar.

Vista privilegiada de uma cidade que nunca dorme, e que eu domino sem que perceba.

Servi um copo de whisky. Sem gelo. Quente, como o sangue que corre nas veias dos que ousam me desafiar.

Caminhei até a sacada de vidro e encarei lá embaixo. As luzes, os carros, as pessoas correndo em suas pequenas existências medíocres.

Todos sob os meus pés.

E ainda assim… por um segundo, só um maldito segundo… desejei não estar sozinho.

Ou melhor: desejei ela.

Estela.

A doutora de olhos firmes e alma forte. A mulher que não me deve nada, mas que tomou tudo de mim.

Balanço a cabeça, bebo o whisky de uma vez. O gosto queima a garganta, mas não afasta o pensamento.

O que diabos está acontecendo comigo?

Preciso esfriar a cabeça.

Pego as chaves da moto, a jaqueta de couro, e saio.

O motor ronca como um animal faminto. A cidade vibra ao meu redor, mas minha mente é um campo de batalha silencioso.

Desde aquela noite…

Não toquei em mais ninguém.

Não consegui.

Nenhuma mulher teve cheiro, gosto, olhar ou coragem como ela.

Meu corpo parece ter esquecido como desejar outra.

Mas não posso permitir isso.

Não posso ser controlado.

Eu sou o rei do gelo.

E o rei não se ajoelha.

Cheguei no beco, entrada lateral de um galpão abandonado no Queens. Lugar antigo, familiar. A senha muda a cada semana, mas os rostos são sempre os mesmos.

Ricco já estava lá, encostado num Dodge preto fosco, cigarro entre os dedos e olhar desconfiado.

— Tava demorando — ele disse, sem tirar os olhos do movimento.

— Tava ocupado sendo pressionado por dinossauros que acham que um filho resolve tudo — retruquei.

Ele soltou uma risada seca.

Leonard apareceu logo depois. O organizador dos rachas. Um velho conhecido. Terno de linho, camisa aberta, cicatriz no maxilar esquerdo. Aperto de mão firme e cheiro de gasolina no ar.

— Vai correr ou só apostar, Moretti? — ele pergunta, com aquele sorriso que esconde mais segredos do que dentes.

— Só apostar. — Respondo, curto. — Coração tá mais pro risco do que pro volante hoje.

Ele ri, faz sinal para um dos assistentes. Apostei pesado. Um Camaro preto com motor envenenado. Meu tipo de veneno.

Enquanto os motores rugem, começo a olhar ao redor.

Mulheres de todas as formas, olhos famintos por adrenalina ou poder. Me reconhecem. Claro que sim. Não é difícil me ter. Basta um olhar, um gesto, um aceno.

Duas loiras se aproximam. Roupas coladas, vozes melosas.

— Você é Lorenzo, né? — uma delas sussurra no meu ouvido. — Dizem que você destrói mais do que impérios…

Elas se encostam em mim. Mãos deslizando pelo meu peito. Risos forçados. Perfume barato. Jogo de sempre.

Ricco me encara do outro lado da pista. Balança a cabeça. Eu sei o que ele está pensando.

"É assim que você tenta esquecê-la?"

Não me importo.

Ou tento não me importar.

A corrida começa. Os pneus queimam o asfalto, gritos explodem, os corpos vibram. Mas eu…

Eu estou em silêncio.

Porque, mesmo com as duas agarradas a mim…

É o rosto dela que vejo.

Os cabelos ruivos, o olhar firme.

A mulher que me encara como se pudesse me decifrar.

E isso me destrói.

Empurro as duas de leve, mas firme.

— Vão procurar outro fantasma pra brincar.

Me viro, dou três passos e Ricco já está ao meu lado.

— Não — digo antes que ele abra a boca. — Se você falar qualquer merda, eu juro que atiro na sua cabeça agora.

Ele ergue as mãos e cala a boca. Sábio como sempre.

Subo na moto. O ronco do motor é a única coisa que me responde.

E então, sem planejar, sem pensar…

Deixo o destino guiar.

Uma da manhã.

Diante de uma porta que conheço bem.

Prédio de tijolos avermelhados. Bairro calmo. Fachada comum.

Mas ali dentro… ali está o furacão que tem me consumido.

Toco a campainha.

Uma. Duas vezes.

O som do meu coração batendo é mais alto do que tudo.

Eu, Lorenzo Moretti, filho de Enzo, herdeiro do império, senhor do submundo…

Estou na porta dela.

Sem saber o que vou dizer.

Sem saber o que ela vai fazer.

Mas certo de uma coisa:

Ela precisa saber que, mesmo que o mundo desabe…

eu sou dela.

Quer ela queira, ou não.

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