Capítulo 4

A semana passou em um piscar de olhos. Cirurgias, relatórios, emergências, horas extras. Desde o supermercado, aquela sensação de estar sendo observada desapareceu. Aos poucos, convenci meu cérebro de que era apenas cansaço e paranoia. Nada além disso.

O Sr. L. — como passei a chamá-lo em minha mente — ainda habitava meu imaginário... mas com o passar dos dias, seus olhos deixaram de me assombrar, seus toques tornaram-se lembrança nebulosa, e seu nome? Um mistério enterrado entre plantões e responsabilidades.

Então, no sábado à tarde, uma notificação surgiu no meu celular.

Eduardo: “Ei, está livre amanhã? Que tal aquele café?”

Sorri. O jeito leve e gentil dele era uma brisa fresca no meio do caos. Talvez... talvez fosse hora de parar de esperar por um fantasma. Esquecer a noite insana e sem nome.

Eu: “Sim. Domingo está ótimo.”

Domingo. Nova Iorque fervia.

Calor de derreter concreto. Escolhi um vestido solto, bege claro, com alcinhas finas e tecido leve. Prendi meus cabelos avermelhados em um coque bagunçado, passei um rímel, um gloss cor de boca, calcei uma sandália nude e peguei a bolsa.

No caminho até a cafeteria, sentia-me leve, decidida a deixar o Sr. L para trás.

Eduardo me esperava já sentado, casual, gentil como sempre. A conversa fluiu fácil — relembramos nossas loucuras da residência, as noites viradas no hospital, a competição velada entre nós.

— Lembra da cirurgia que eu disse que seria impossível?

— Aquela do aneurisma?

— Essa mesma. Você terminou ela antes do meu plantão acabar, e ainda saiu sorrindo! — ele riu, os olhos vibrando com a lembrança.

Sorri de volta. A leveza daquele momento era real. Pela primeira vez, em dias, minha mente não estava... lá.

Até o sino da porta tocar.

O som suave ecoou como um trovão. Meus olhos levantaram quase por reflexo. E quando viram, congelaram.

Era ele.

Sr. L

O mundo pareceu parar por um segundo. A cafeteria, o sol, a mesa, Eduardo — tudo sumiu.

Ele estava ali. Mais bonito do que minha memória ousara lembrar. Camisa branca com os dois primeiros botões abertos, jeans escuro, barba impecável, e os cabelos longos presos para trás com um leve brilho de pomada. Casual. Másculo. Letal.

Seus olhos encontraram os meus.

E não desviaram.

Um arrepio percorreu minha espinha. Meu peito se contraiu. E, de repente, eu não conseguia respirar direito.

Como era possível alguém ainda ter esse efeito em mim?

Mas então, como um balde de água fria... ele olhou para Eduardo.

E sua expressão mudou.

********,

POV: Lorenzo

O relatório estava em minha mesa, junto de um café amargo e de uma impaciência que eu carregava há dias.

— Eles estão se movimentando. — Ricco jogou as pastas à sua frente, os olhos atentos. — E tem um detalhe que você vai gostar. Talvez tire essa carranca da sua cara.

Abri o documento com calma, mas meu coração acelerou no momento em que o nome Estela Montez apareceu em negrito.

— Família de origem simples. Mãe e irmã vivem na Carolina do Norte, tem medida protetiva contra o pai, o que talvez elas nao sabem porque tem anos que o pai as deixou é que agora ele é um dos capangas dos Vasconcellos. Histórias pesadas em casa, a mae sofreu muito, Estela teve que começar a trabalhar cedo, ganhou uma bolsa de estudo que conciliava faculdade e trabalho. Ela é uma fênix, chefe. Formada com honras, especialista em cirurgia, dedicada. Solteira.

"Solteira".

A palavra reverberou como mel em meus ouvidos. Um sorriso quase imperceptível surgiu em meus lábios. Aquela mulher... era um campo minado. Forte, intensa, doce e corajosa. E era MINHA — mesmo que ela ainda não soubesse disso.

— Você a encontrou naquele dia?

— Eu a vi de longe no mercado, com suas roupas casuais sem preocupação nenhuma.— respondeu Ricco com um meio sorriso. — Mas antes que eu tivesse chance de chegar perto, meu pai me ligou, e tive que voar pra Itália.

Lorenzo fechou os olhos por um segundo. Aquela semana longe dela foi insuportável. Pensou nela todos os dias. Nas curvas de seu corpo, no gosto da sua pele, nos gemidos abafados entre seus beijos. Estava obcecado.

Quando voltou a Nova Iorque, teve que marcar uma reunião com Henrico, o mais novo líder de uma família aliada.

-Vamos, temos um compromisso com o mais novo Líder da família Sanches, ainda não acredito que aquele moleque vai gerenciar os negócios- Lorenzo disse já bufando e saindo estressado.

O garoto era excêntrico, imprevisível, e insistiu em se encontrarem em... uma cafeteria.

“Um lugar para velhinhas e frapês de morango”, pensou Lorenzo ao entrar.

Mas então a viu.

Estela.

Na mesa. Vestido claro. Cabelos presos num rabo de cavalo despreocupado. Pele dourada ao sol. Os ombros à mostra. Lábios entreabertos.

E rindo. Rindo com outro homem.

A fúria foi instantânea, mas contida. Seu maxilar trincou, os punhos cerrados.

— O que foi? — Ricco perguntou atrás dele, seguindo seu olhar.

— Nada. — respondeu, sem desviar os olhos dela. — Mas parece que minha manhã ficou... interessante.

Lorenzo caminhou até o balcão, sem pressa. Pediu um café. Deu um gole sem tirar os olhos dela.

Ela o encarava. Como se estivesse vendo um fantasma.

Um fantasma que ela ainda desejava.

Ele sorriu de canto, perigosamente calmo. Sabia que aquela história ainda estava longe de acabar.

Henrico chegou com aquele ar despreocupado e um sorriso que irritava até os mais pacientes. Lorenzo o observou aproximar-se da mesa no canto reservado da cafeteria, onde Ricco já havia feito a varredura e posicionado discretamente um dos homens do lado de fora.

— Lorenzo! — disse Henrico, abrindo os braços como se fossemos velhos amigos. — Já ia achando que tinha virado um padre com esse terno no domingo.

Não respondi de imediato. Apenas o fitei com o meu olhar gélido que fazia até os mais audaciosos pensarem duas vezes antes de desafiar minha paciência.

— As regras são simples, Sanches — disse, assim que nos sentamos — Você quer continuar como aliado da minha família? Tudo bem. Mas seguirá as regras do território como qualquer outro. Sem exceções. Sem improvisos. Sem comédia.

Henrico apoiou o cotovelo na mesa e sorriu, aquele sorriso debochado e juvenil que me fazia querer quebrar uma garrafa na cabeça dele.

— Você precisa relaxar. Vai acabar tendo um ataque. A vida é curta demais pra tanta seriedade.

Me mantive impassível. Ricco, em pé logo atrás, cruzava os braços, vigilante como uma sombra.

Henrico fez algumas piadas sobre contrabando, sobre a burocracia da "velha guarda", eu já sentia o sangue pulsando forte, como deixaram esse palhaço gerenciar os negócios? nao tinha mais ninguem capacitado para reivindicar a gerencia da familia? Ate uma crianca seria melhor do que ele. Mas quando estava prestes a perder a paciência, Henrico mudou o tom.

— Brincadeiras à parte… eu sei que se mexer com você, eu sumo do mapa antes de conseguir dizer "mamma mia". Então tá bom, eu aceito suas condições. Vamos seguir como aliados.

E então finalmente relaxei os ombros. Firmamos o contrato com um aperto de mão formal e silencioso.

Mas... mesmo durante toda a conversa, ele sentia o olhar de Estela sobre ele. Como uma brisa quente, uma presença impossível de ignorar.

E aquele homem com ela… que diabos a fazia rir tanto?

Aquele palhaço.

A vontade de atravessar a cafeteria, puxá-la pela cintura e colar sua boca na dela era quase insuportável. Mostrar pra todos ali quem ela era. ou melhor a quem ela pertencia.

Mas não...

Não ainda.

Ele se levantou, apertou a mão de Henrico com firmeza e saiu sem olhar para trás — mesmo que seu peito estivesse em chamas.

**********

POV: Estela

Eu não conseguia parar de olhar para ele.

Sr. L.

Desde que ele entrou naquela cafeteria, minha pele queimava, meu estômago revirava, e todos os sons ao redor pareciam abafados. Ele estava ali. Mais lindo do que nunca. Intenso. Imponente. Com aquela aura que parecia dominar o ar.

Eduardo notou.

— Você conhece aquele cara?

— Não. Não é nada — menti, desviando o olhar e mexendo no café.

Ele aceitou a resposta sem questionar, voltando a conversar sobre as famílias, sua mãe, como a irmã dele queria ser veterinária. E eu tentava prestar atenção. Tentava, juro. Mas... minha mente voltava para o Sr. L a centímetros de mim.

Ele estava com outro homem. Um mais jovem, talvez vinte e poucos anos, com cara de quem aprontava. E ao lado deles, um segurança — ou talvez fosse o mesmo homem que o acompanhava naquela noite na balada, nao me lembro bem. Ele parecia alguém importante.

Voltei a olhar discretamente e… ele já me encarava.

Meus olhos prenderam-se nos dele por alguns segundos. Intensos. Escuros. Penetrantes.

E então ele se levantou.

Meu coração parou. Ele vinha em minha direção.

Endireitei as costas, disfarçando a ansiedade, o calor nas bochechas. Esperei… respiração presa.

Mas ele passou direto.

Saiu pela porta. Sem uma palavra. Sem um olhar.

Frustração.

Senti vontade de levantar e ir atrás dele, de gritar, de perguntar por que diabos ele mexia tanto comigo e me ignorava como se fosse apenas mais uma. Mas engoli tudo, como sempre fiz. Respirei fundo e forcei um sorriso.

O restante do café com Eduardo correu bem. Conversamos, rimos. Ele era gentil, tranquilo… seguro.

Mas não era ele.

Ao fim da tarde, ele me acompanhou até o prédio. A brisa quente da cidade acariciava meus braços. Eduardo parou na frente do portão, com aquele olhar sereno.

— Estela, eu adorei hoje. Sério. Espero que a gente repita.

— Também gostei. — respondi, sincera, mas sentindo um vazio estranho por dentro.

Ele sorriu e, delicadamente, depositou um beijo em minha bochecha, e saiu em direção a sua casa.

E então…

— Você sempre deixa qualquer um te beijar?

A voz firme, rouca, sensual... me fez congelar.

Virei em um sobressalto, o coração disparado. Sr. L estava ali, apoiado em uma das colunas do prédio, como se tivesse surgido das sombras. Os olhos semicerrados, o maxilar tenso.

Perigo puro.

— Sr. L…? — sussurrei, sem saber de onde ele tinha vindo. Meu corpo inteiro reagiu à sua presença, como se meu sangue reconhecesse o dele.

— Sr. L??— ele disse, a voz baixa, carregada de sarcasmo e posse.

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