— Você sempre deixa qualquer um te beijar? — a voz dele ainda ecoava no ar quente da calçada.
Virei de imediato, meu coração batendo como se quisesse escapar do peito. Ele estava encostado em uma coluna do prédio, de braços cruzados, o olhar fixo em mim como se enxergasse cada pedaço da minha alma. — Sr. L…? — sussurrei, sem saber de onde ele tinha vindo. Meu corpo inteiro reagiu à sua presença, como se meu sangue reconhecesse o dele. — Sr. L??— ele disse, a voz baixa, carregada de sarcasmo e posse. — Você tá me seguindo agora? — disparei, tentando esconder o quanto minha pele queimava só de vê-lo ali. — Responda minha pergunta primeiro. — A voz dele era um sussurro ameaçador, como veludo sobre uma lâmina. — E se eu deixar? — levantei o queixo, sentindo a raiva crescer junto com uma vontade absurda de puxá-lo pela camisa e jogá-lo contra a parede. Ele deu dois passos em minha direção. A aura ao redor dele parecia mais densa que o ar. Tensa. Magnética. — Aí eu vou ter que lembrar você do que é ser beijada de verdade. Minha respiração falhou por um segundo. Não podia demonstrar. — Você some, me deixa nua em um quarto de hotel sem nem uma mísera letra além de “L.” e agora aparece do nada achando que tem o direito de cobrar alguma coisa? — cuspi as palavras, cruzando os braços com força contra o peito, como se aquilo fosse me proteger dele. De mim. Ele arqueou uma sobrancelha. O olhar escureceu ainda mais. Perigo. Fome. Desejo. — Você queria mais do que uma letra? — Queria uma porra de um nome! Uma explicação! Saber se fui só uma diversão antes da sua próxima reunião com... sei lá quem você é! Ele se aproximou tanto que meu corpo encostou na parede ao lado do portão. Suas mãos apoiadas do meu lado, me prendendo sem tocar. Seus olhos nos meus. — Eu sou Lorenzo. Meu corpo reagiu como se o nome fosse uma ordem silenciosa. O som grave e lento do nome dele me arrepiou inteira. — Lorenzo o quê? — desafiei, mesmo sabendo que minha voz já começava a tremer. Ele sorriu de lado, aquele sorriso torto, perigoso. O tipo de sorriso que prometia tudo o que uma mulher como eu deveria evitar. — Lorenzo Moretti O nome caiu entre nós como uma bomba. Eu já tinha ouvido esse sobrenome. Era forte. Pesado. Ligado a coisas que não se comentavam em jantares de família ou em salas de hospital. — Moretti... — repeti, engolindo em seco. — Isso muda alguma coisa, Estela? — Ele dizia meu nome como se o provasse na boca, como se saboreasse cada letra. — Muda tudo. — sussurrei. — Porque agora eu sei que você não é só enigmático e sexy. Você é perigoso. Ele inclinou o rosto, os lábios a milímetros dos meus. — Então quer dizer que você me acha sexy? Minhas pernas ameaçaram ceder. Eu devia empurrá-lo, xingá-lo, correr. Mas tudo o que meu corpo queria era ele. De novo. Mais uma vez. — Você ainda não respondeu — continuei, mesmo com a voz fraca. — Como me encontrou? — Não foi difícil. Você não é exatamente discreta, Estela. — Você estava me vigiando? No supermercado? — meus olhos se arregalaram. Ele assentiu, calmo como se confessar aquilo fosse algo tão comum quanto dizer a previsão do tempo. — E se não fosse chamado de volta pra Itália, teria te puxado pelos cabelos naquela mesma noite. Minha pele pegou fogo. Cada célula do meu corpo gritava por ele, e ao mesmo tempo, cada alerta racional me dizia para sair dali. — Você não pode simplesmente aparecer quando quiser, Lorenzo. Eu tenho uma vida. Ele aproximou ainda mais, sua boca colando na minha orelha: — E agora você tem a minha atenção. Isso muda tudo. Fiquei sem ar. — Você não tem esse direito. — Tenho sim. Depois da maneira como você gritou meu nome naquela cama… eu tenho todos os direitos. — Eu nem sabia seu nome! — rebati, as bochechas em chamas, o corpo pulsando. — Agora sabe. E eu quero que continue gritando ele — rosnou, o olhar cravado em mim. — Mas da próxima vez… acordará comigo ainda na cama. Eu estava prestes a beijá-lo. Juro. A raiva e a tensão sexual se misturavam num coquetel tóxico e irresistível. Mas então ele se afastou, devagar, deixando o espaço entre nós como um campo minado. — Boa noite, Estela. — disse, como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de destruir minha paz. E virou as costas, sumindo na escuridão da rua. Filho da puta. Mas um filho da puta que eu ainda sentia nos meus lábios. E talvez... no meu coração. Assim que a porta do apartamento se fechou atrás de mim, minhas pernas cederam. Joguei a bolsa no chão e me apoiei na parede, o corpo ainda vibrando com o que havia acabado de acontecer. O maldito Sr. L — agora Lorenzo Moretti, como ele finalmente se apresentou — havia surgido das sombras como se pertencesse a elas. Intenso, perigoso, sexy até o inferno. Mas o que mais me enlouquecia era como ele me tirava do eixo. Abri o celular e disparei a mensagem: > Estela: Catarina, preciso de você. Vem aqui, por favor. Preciso falar. Urgente. Ela respondeu em segundos. > Catarina: Meu plantão termina em 1h. Levo vinho? > Estela: Leva. Ou tequila. Joguei o celular no sofá e fui direto para o chuveiro. A água quente caiu sobre meus ombros como se pudesse levar com ela o cheiro dele. A tensão. A presença. As palavras ditas com aquele maldito sotaque que fazia tudo parecer uma promessa indecente. Saí enrolada na toalha, prendi o cabelo num coque desleixado e vesti algo confortável. Em pouco tempo, Catarina entrou com uma sacola, a garrafa e seus olhos curiosos. — Ok, me conta agora ou eu vou explodir — ela disse, se jogando no sofá. Comecei a andar de um lado pro outro da sala. — Lembra do cara da balada? O do hotel? — O delicioso? Aham, tô ouvindo. — Ele apareceu. No café. Quando eu tava com o Eduardo. Os olhos dela se arregalaram. — O QUÊ? — Sim. Ele estava lá. Sério, Catarina. Ele é um mistério, mas… tem algo nele. Algo que me consome. E então... ele apareceu na porta do meu prédio. Do nada. — COMO ASSIM? Contei tudo. Desde o olhar na cafeteria, o jantar interrompido por sua presença, até o momento em que ele me confrontou na entrada do prédio, me desarmando com aquele olhar, sua presença… sua voz. E finalmente, o nome. — Lorenzo Moretti — eu disse baixo. Catarina congelou. — Espera... Moretti? Tipo... os Moretti da máfia? Assenti com a cabeça, sentando ao lado dela. — E agora eu não sei o que fazer. O que pensar. Eu deveria fugir. Mas não consigo tirar ele da cabeça. Catarina segurou minha mão. — Amiga, ouve aqui. Você é uma mulher inteligente, forte, e brilhante. Não importa quem ele seja, o que importa é como VOCÊ quer lidar com isso. Mas não deixe ninguém, nem mesmo o gostosão mafioso italiano, tirar você do centro da sua própria vida. Conversamos por horas. Entre risos nervosos, teorias e confissões, acabamos dormindo no sofá mesmo, uma jogada por cima da outra. Na manhã seguinte Acordei com o bipe do despertador e me levantei devagar para não acordar Catarina. Me olhei no espelho: olhos um pouco inchados, mas... havia determinação ali. Me arrumei, prendi os cabelos num rabo de cavalo, vesti a roupa do plantão e saí. Hoje, eu colocaria os pés no chão de novo. No hospital, tudo parecia em seu lugar habitual. Pelo menos até cruzar com Eduardo no corredor. — Estela! — ele sorriu, com aquele olhar gentil. — Sobre ontem… foi ótimo. Eu pensei em repetirmos, mas dessa vez num lugar mais... tranquilo? — Hmm... talvez. — Sorri, educada. Ele parecia um cara legal, de verdade. Mas não era ele. Segui para a reunião da equipe médica. Durante os relatórios, o celular vibrou no meu bolso. > Número Desconhecido: Está tendo uma manhã agitada? Arregalei os olhos. > Estela: Sua manhã deve estar bem chata, ou então só não consegue me tirar do seus pensamentos. > Número Desconhecido: Você é difícil de ignorar. Principalmente rindo para outro homem. > Estela: E você se acha no direito de controlar quem me faz rir agora? > Número Desconhecido: Só estou deixando claro que você ri diferente comigo. O calor subiu pelas minhas bochechas. Maldito. > Estela: Você é insuportável. > Lorenzo: E você é fogo Soltei o ar, como se uma corrente elétrica tivesse atravessado meu corpo inteiro. A reunião terminou, mas minhas mãos ainda tremiam. POV: Lorenzo De volta ao meu escritório, no centro de Nova Iorque, a cidade pulsava abaixo de mim. Meu império se mantinha de pé com ferro, lealdade... e sangue. Mas nenhuma negociação, nenhuma reunião com outras famílias me tirava o foco como Estela. O nome dela dançava em minha mente. Henrico havia seguido as regras, os acordos foram firmados, os negócios andavam. Mas ela... ela era o caos dentro da minha estrutura milimetricamente organizada. — Está obcecado — disse meu irmão mais novo, Matteo, se jogando na poltrona à frente da minha mesa. — Preocupado? — Não. Só... surpreso. O rei finalmente se apaixonou. — Eu não disse isso. — rosnei. Matteo riu alto. — Claro que não disse. Você sempre fala que mulheres são distrações, que não pode se amarrar. — E continuo pensando isso. — Mas você quer ela. Só pra você. Tá escrito na sua cara. — ele se levantou e estalou os dedos. — E antes que você negue, lembra do que o nonno dizia: “Os Moretti são possessivos. Quando um deles escolhe, é pra dominar. Pra proteger. Pra manter.” Fiquei em silêncio, encarando a cidade. Matteo virou-se para a porta, mas antes de sair, lançou: — Você tem 32 anos, Lorenzo. Tá ficando velho. Tá na hora de sentir alguma coisa. Dei um meio sorriso, mas dentro de mim, o nome dela já havia virado território. Estela era minha. Ela só não sabia disso ainda.