Narrado por Clara — Noite de sábado
As velas iluminavam o rosto dele de um jeito perigoso. Miguel parecia esculpido na penumbra maxilar firme, olhos fixos em mim como se eu fosse a única pessoa no mundo. E talvez eu fosse, pelo menos naquele instante.
Levei a taça de vinho à boca, mas nem senti o gosto. O que queimava não era o álcool, era a lembrança recente das palavras do pastor naquela tarde.
“Viva o hoje. O amanhã pertence a Deus.”
Fechei os olhos por um segundo. E se hoje fosse tudo o que eu tivesse? Se amanhã minha pele resolvesse se abrir em bolhas novamente, se a dor voltasse a me prender entre quatro paredes, me lembrando da sentença que os médicos já tinham escrito para mim?
Eu não queria pensar na doença. Nem no médico, nem nas restrições, nem no frio das gazes contra a minha pele. Não queria pensar no peso da palavra incurável.
E, por um breve instante, decidi que não iria.
Quando abri os olhos, Miguel ainda estava me olhando, firme, inabalável. Ali não ha