**NARRAÇAO DE MIGUEL**
Clara sumiu no saguão, e a porta de vidro se fechou atrás dela. Continuei sentado no carro, com o motor ainda ligado, as luzes do painel iluminando minhas mãos que tremiam levemente no volante. O beijo que trocamos pulsava em mim, como um crime que não tinha testemunhas, mas revelava provas abundantes.
Passei a mão pelo meu rosto, esfregando o queixo numa tentativa de dissipar a sensação pesada. Eu não deveria ter feito aquilo. Não era parte do plano que tinha em mente e não fazia nenhum sentido. Mas, apesar de tudo, não me arrependia.
Engatei a marcha e segui em direção à minha cobertura. A cidade pulsava de vida: o barulho das buzinas, os faróis dos carros cortando a escuridão e as vozes de pessoas bêbadas que se espalhavam pela calçada. Contudo, dentro do carro, havia um silêncio opressivo, apenas interrompido pelo ronco grave do motor.
Ao chegar à garagem, estacionei na vaga privativa e desliguei o carro. A escuridão me envolveu como um manto acolhedor.