Entrei no escritório de advocacia com os papéis do divórcio apertados na mão. Quatro anos. Quatro anos como Sophia Moretti, esposa de James Moretti, herdeiro da família mafiosa mais poderosa da cidade.
Naquele dia, tudo chegaria ao fim.
O advogado nem levantou a cabeça quando entrei.
— Gostaria de entrar com o pedido de divórcio. — Declarei, colocando os papéis sobre a mesa.
Ele finalmente olhou para mim — rabo de cavalo malfeito, jeans desbotados, mochila ainda pendurada em um ombro. Sua expressão ficou severa.
— Moça, divórcio não é algo que se peça por impulso.
Eu entendia por que ele não me levava a sério. Eu parecia uma universitária que tinha se perdido e entrado na sala errada, não alguém casada há quatro anos.
Mas eu estava preparada.
— Apenas carimbe os papéis. — Falei com calma. — Vou conseguir a assinatura do meu marido.
A mansão dos Moretti estava silenciosa demais quando voltei. Os seguranças no portão nem piscaram ao me ver passar, apenas mais uma presença invisível no mundo de James.
Fui direto para o escritório dele. A porta estava entreaberta, e ouvi risadas vindo de dentro.
Então senti o cheiro.
Trufas.
James sempre dizia que odiava cheiros fortes em casa. Nada de alho, nada de peixe, nada que permanecesse no ar. Mas agora, o ambiente estava impregnado com o aroma espesso e marcante das trufas brancas mais caras, o tipo que só se consegue se for a pessoa certa.
Empurrei a porta.
Lá estava ele. James Moretti, meu marido, sentado à escrivaninha, relaxado de um jeito que nunca o havia visto quando estava comigo. E ao lado dele estava Vicky Rossi, sua melhor amiga de infância, de volta à cidade naquele ano depois do divórcio.
Ela o alimentava com um pedaço de pão coberto de trufas, os dedos demorando um segundo a mais do que o necessário.
Então James me viu. O sorriso desapareceu.
— Sophia. — Disse ele, com a voz fria. — Não esperava que voltasse tão cedo.
Vicky se virou, os lábios vermelhos perfeitos se curvando num sorriso.
— Oh, Sophia! Estávamos só fazendo um lanche. Só tem o suficiente para dois, mas tenho certeza de que podemos...
— Estou bem. — Cortei, avançando.
Deslizei o documento pela superfície polida da escrivaninha de mogno, o farfalhar do papel soando alto demais no silêncio do escritório. James mal levantou os olhos do uísque, com o copo congelado a meio caminho dos lábios. Os olhos dele se estreitaram ligeiramente.
— O que é isso?
— A universidade precisa de um termo de responsabilidade assinado. — Respondi, folheando até a página da assinatura.
— Para o meu projeto de pesquisa. — Engoli em seco. — Já que você é a minha única família agora.
A verdade pairou pesada entre nós. Meus pais tinham partido há anos, mortos em um acidente de carro suspeito que me empurrou, pela primeira vez, para o mundo de James. Ele sabia melhor do que ninguém o quanto eu estava sozinha.
James franziu o cenho.
— Deixe eu ver isso...
Meu corpo inteiro se retesou, como cordas de piano esticadas ao máximo. Ele nunca pedia para ler nada. Normalmente, apenas assinava qualquer papel da universidade que eu colocasse à sua frente, sem sequer lançar um segundo olhar.
Por que hoje? Por que agora?
— Ah, James. — Riu Vicky, pousando a mão no braço dele. — Você leva tudo tão a sério! É só um formulário. Lembra quantos formulários tivemos que assinar para o baile beneficente no mês passado?
Como herdeira da Rossi Enterprises, uma das parceiras comerciais mais importantes da família Moretti, Vicky se movimentava com naturalidade no mundo de James desde que voltara à cidade. Agora, estavam sempre juntos nos bailes, nos leilões, e naquelas salas de pôquer esfumaçadas onde os negócios eram selados. Aonde quer que James fosse, Vicky parecia surgir ao seu lado, seus vestidos de grife combinando com os ternos impecáveis dele como se fossem feitos para estarem juntos.
Ele hesitou, mas acabou pegando a caneta-tinteiro e assinando com um gesto rápido e preciso, o mesmo que usava para sentenças de morte e contratos milionários.
Peguei os papéis de volta antes que ele pudesse notar o cabeçalho em letras garrafais na primeira página: “PETIDO DE DIVÓRCIO”.
Vicky sorriu de canto.
— Honestamente, James, você a trata mais como uma irmãzinha do que como esposa.
James não negou. Apenas levou o copo de uísque aos lábios.
Virei-me e saí antes que percebessem que minhas mãos tremiam.
A porta se fechou atrás de mim.
Eu estava livre.
Enquanto caminhava pelos corredores de mármore da mansão Moretti, mantive os papéis assinados apertados contra o peito. A tinta ainda estava fresca, mas o casamento tinha acabado muito antes daquele dia.
Lembrei de como James costumava ser diferente. O jeito como suas mãos quentes deslizavam pela minha coluna quando ele achava que eu dormia. A maneira possessiva com que me puxava para cantos escuros nas reuniões de família, sua boca ardente contra a minha.
Agora, mal me olhava.
Meus pais morreram quando eu tinha dezesseis anos. Don Moretti, o então chefe da família mafiosa Moretti, me acolheu como um favor ao meu pai — seu antigo motorista, que tinha levado um tiro para salvá-lo. Foi assim que acabei vivendo sob o mesmo teto que James Moretti.
James era tudo o que eu não deveria querer. Frio. Perigoso. Implacável. Aos vinte e cinco anos, já havia assumido metade dos negócios do pai. Os jornais o chamavam de “jovem empreendedor”. As ruas sabiam a verdade.
Mantive distância no começo. Tornei-me invisível.
Até aquela noite, há quatro anos, quando James voltou para casa coberto do sangue de outra pessoa.
Ele me encontrou na cozinha, cuidando de um corte de faca presente de um dos homens de seu pai, que achou que o caso de caridade do chefe seria uma presa fácil.
James não disse nada. Apenas tirou as ataduras das minhas mãos trêmulas e limpou o ferimento ele mesmo. Quando o polegar dele roçou minha coxa interna, eu deveria tê-lo afastado.
Em vez disso, puxei-o para mais perto.
Casamos três semanas depois. Um acordo comercial, foi como James chamou. Proteção para mim, legitimidade para ele. Eu quase acreditei até Vicky Rossi voltar para a cidade e, de repente, as reuniões noturnas dele dobrarem de número.
Vicky. A herdeira dos Rossi. O império de construção da família trabalhava em estreita parceria com os Moretti. Desde que voltou, após o divórcio... E agora que o marido francês dela havia pedido a separação, ela se tornara uma presença constante se infiltrando nas reuniões de James, nos carros dele, na vida dele.
O mês passado provou tudo.
Esperei seis horas no Dantes — o restaurante que James possuía por meio de uma empresa de fachada para o nosso jantar de aniversário. O braço direito dele, Michael, apareceu finalmente à meia-noite, com uma pulseira de diamantes e a desculpa de “problemas de negócios”.
Na manhã seguinte, vi as fotos na coluna de fofocas: James e Vicky na ópera, os dedos dela enfiados no bolso interno do smoking dele, o mesmo onde ele costumava guardar a arma.
Foi aí que comecei a planejar minha saída.
Os papéis do divórcio eram minha prova final. James os assinou sem ler distraído demais com Vicky, que o alimentava com olhares furtivos e beijos roubados.
Agora, parada no saguão dourado da mansão, deslizei o polegar pelo selo em relevo do cartório. Em um mês, aquele papel seria meu bilhete para a liberdade.
Sem mais gaiolas douradas. Sem mais fingimento.
James podia ficar com seu império. Sua violência. Sua Vicky.
Eu queria minha vida de volta.