Cap 7. A virgem

Subimos no palco, e de repente, as cortinas se abrem. A luz vem direto nos nossos rostos, como se quisesse nos cegar. Estamos eu e Sara, no centro das atenções, seminuas, vulneráveis, com a alma nua mais do que o corpo. O calor dos refletores b**e em nossa pele, mas o que realmente queima é a vergonha, o medo e a sensação de impotência.

Lá embaixo, os aplausos começam. Um mar de homens nos encara com olhos famintos. A maioria veste ternos bem alinhados, camisas caras, relógios de luxo que cintilam à luz. Eles nos aplaudem como se fôssemos artistas... ou melhor, mercadorias de alto valor em um leilão perverso.

Eu, como sempre, prestando atenção em tudo, mesmo quando preferia não ver nada... percebo que aqueles homens não se pareciam com os monstros que imaginei. Não todos, pelo menos. Tinham alguns velhos com cara de tarado, sim, mas a grande maioria parecia homens “comuns”, do tipo que você veria saindo de uma reunião importante ou jantando com a família num restaurante chique. Alguns tinham rostos bonitos, olhar contido, quase educado. Quase. Mas o desejo sujo estava ali, escondido atrás da cortina da aparência.

Viro de leve o rosto e dou de cara com os olhos da Sara. Ela já estava me encarando, e parecia tão apavorada quanto eu.

Sara: Vai dar certo... – diz num sussurro, como se esperasse uma resposta que pudesse salvá-la do abismo.

Guadalupe: Vai dar tudo certo. A gente vai conseguir passar por isso. Vamos fingir que não é tão horrível assim. – respondo, tentando manter a firmeza. Era isso ou me entregar ao desespero e acabar enlouquecendo.

Sara balança a cabeça num movimento quase imperceptível. Era o acordo silencioso entre nós duas: fingir. Sobreviver.

De repente, a voz da Carmen ecoa pelo microfone, cortando o silêncio constrangedor entre os homens.

Carmen: Boa noite, senhores!

Ela sobe ao palco com um sorriso largo no rosto, como se aquilo tudo fosse um espetáculo. Os homens murmuram entre si, e ela continua, com aquele tom teatral.

Carmen: Espero que estejam bem... mas se não estiverem... – ela faz uma pausa, sorrindo como quem está prestes a anunciar um prêmio – com certeza aqui irão ficar.

A plateia reage com risadas e mais aplausos. Eu me forço a manter a expressão neutra enquanto Carmen estende o braço, nos apontando como se fôssemos troféus.

Carmen: Por favor, aplausos para as nossas little angels!

As meninas começam a entrar uma a uma, descendo do palco e se espalhando pelo salão, fingindo animação. Circulam entre as mesas, com sorrisos plásticos, posturas elegantes e olhares treinados. Algumas são puxadas para o colo de homens sorridentes, outras caminham devagar ao redor das cadeiras, como se estivessem em uma passarela. Tudo encenação. Tudo mentira.

Eu sabia. Conhecia cada olhar delas, cada gesto que escondia o nojo, a dor, o medo. Mas também via que algumas estavam há tanto tempo aqui que já não fingiam... apenas sobreviviam.

Eram meninas lindas. Meninas como eu, como Sara. Como tantas outras que nunca deveriam ter estado ali.

Carmen: E hoje, como todos podem ver, temos novidades... – ela diz com empolgação. Nos aponta como quem apresenta joias raras – Duas estreantes. Percebi alguns olhares nelas... São lindas, não é mesmo?

Ela sorri para nós, mas eu encaro firme, sem baixar os olhos. Por um segundo, ela hesita e desvia o olhar. Eu percebi. Por trás da maquiagem e do salto alto, existe culpa. Ela sente. Talvez até queira ajudar. Mas não pode. Como nós, ela também é refém.

– Eu vou querer a morena iluminada! – grita um homem da plateia, com voz firme.

Meu coração dá um salto. Meus olhos vasculham a multidão até encontrá-lo: terno cinza, barba por fazer, cabelo um pouco desalinhado. Devia ter uns quarenta e poucos anos. Não era feio, mas também não tinha nada de especial. Era só mais um predador disfarçado de homem respeitável.

Ele estava falando da Sara.

Linda, colombiana, de cabelo castanho com mechas douradas, olhos verdes vibrantes e um sorriso que já foi o mais bonito que eu conheci. Agora... apagado. Ela me olha. E naquele olhar cabia uma pergunta desesperada: E agora? Mas eu não tinha resposta. Nada que eu dissesse poderia mudar o que estava prestes a acontecer.

Carmen: Eu sei que querem... – ela responde com um riso fingido – Mas essas meninas serão de quem oferecer o maior valor!

A raiva começa a subir no meu peito. Baixo a cabeça, tentando conter a revolta.

Carmen: Afinal, estão todos aqui por elas, não é mesmo?

Como assim eles já sabiam? Será que anunciaram a nossa chegada? Fizeram convite especial para esse "leilão de carne fresca"?

Carmen: E, como devem imaginar, a morena iluminada é bem mais cara...

Ela olha diretamente para o homem que gritou, depois volta o olhar para a plateia, animada.

Carmen: Senhores, vos apresento... Sara!

Mais aplausos. Eu queria vomitar. Carmen se vira sutilmente para Sara e murmura entre dentes para que ela sorria. E ela sorri. O sorriso mais falso que já vi desde que a conheço. Um sorriso vazio, de quem está se despedaçando por dentro.

Carmen: Sarinha, para os mais íntimos. Colombiana, vinte anos. E... – ela pausa, criando suspense – é a nossa virgem!

Os murmúrios aumentam. O clima muda. Os olhares se acendem como fósforos em gasolina. Alguns homens cochicham entre si, outros apenas nos observam com atenção redobrada. A tensão cresce.

Foi então que percebi um detalhe que arrepiou cada centímetro do meu corpo: todos os olhares estavam, pouco a pouco, se voltando para um único homem.

Ele estava na primeira fileira. Alto, postura firme, cercado por outros homens que mais pareciam seguranças. A presença dele era pesada. Um silêncio pairava ao redor, como se ninguém ousasse se aproximar demais.

Ele tinha olhos azuis frios, ombros largos, cabelo frisado e bem penteado para o lado. A pele clara contrastava com a escuridão da aura ao seu redor. Tudo nele gritava perigo.

Torci, com cada célula do meu corpo, para que ele não escolhesse a Sara. Nem a mim. Torci como quem reza num campo de guerra.

Carmen: A Sara valerá de dez mil para cima, senhores.

Mais murmúrios. Eu quase afundei no chão. Dez mil?! Meu Deus... quanto vale a dignidade de uma mulher?

Carmen: Eu sei, eu sei... isso não é absolutamente nada pra vocês, cavalheiros, não é mesmo? – ela diz brincando, como se falasse de uma aposta em cavalos.

Carmen: Então que vença o mais rico! O sortudo que terá a chance de levar a bela Sara para um de nossos quartos... e se tornar o primeiro homem a possuí-la.

Senti meu estômago virar. Olhei para a Sara. Ela estava suando. Tentava manter a compostura, mas eu via. Por trás da maquiagem e do batom claro, ela estava implodindo.

Estávamos as duas em cima daquele palco, vestidas apenas de sutiã e calcinha de renda. A dela era azul-bebê, como se quisessem reforçar a imagem de inocência, paz, pureza. Uma cor estrategicamente escolhida para seduzir aqueles monstros.

A minha era vermelha. Sexy. Vulgar. Eu era loira, e sabia muito bem os estereótipos que carregava: mulher fácil, burra, divertida, irresponsável. E, acima de tudo, disponível.

– Onze mil! – grita um homem ao fundo.

O silêncio é cortado. Os olhares se viram para ele. A tensão aumenta. O jogo está lançado.

Carmen: Ah, estão ansiosos, senhores? Pois então vamos! Que vença o mais generoso... ou o mais desesperado!

Ela termina com um tom triunfante. Eu, por outro lado, quase desabo. O tempo parecia congelado. E tudo que eu queria era desaparecer.

Mas eu estava ali. E era só o começo.

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