Subimos no palco, e de repente, as cortinas se abrem. A luz vem direto nos nossos rostos, como se quisesse nos cegar. Estamos eu e Sara, no centro das atenções, seminuas, vulneráveis, com a alma nua mais do que o corpo. O calor dos refletores b**e em nossa pele, mas o que realmente queima é a vergonha, o medo e a sensação de impotência.
Lá embaixo, os aplausos começam. Um mar de homens nos encara com olhos famintos. A maioria veste ternos bem alinhados, camisas caras, relógios de luxo que cintilam à luz. Eles nos aplaudem como se fôssemos artistas... ou melhor, mercadorias de alto valor em um leilão perverso.
Eu, como sempre, prestando atenção em tudo, mesmo quando preferia não ver nada... percebo que aqueles homens não se pareciam com os monstros que imaginei. Não todos, pelo menos. Tinham alguns velhos com cara de tarado, sim, mas a grande maioria parecia homens “comuns”, do tipo que você veria saindo de uma reunião importante ou jantando com a família num restaurante chique. Alguns tinham rostos bonitos, olhar contido, quase educado. Quase. Mas o desejo sujo estava ali, escondido atrás da cortina da aparência.
Viro de leve o rosto e dou de cara com os olhos da Sara. Ela já estava me encarando, e parecia tão apavorada quanto eu.
Sara: Vai dar certo... – diz num sussurro, como se esperasse uma resposta que pudesse salvá-la do abismo.
Guadalupe: Vai dar tudo certo. A gente vai conseguir passar por isso. Vamos fingir que não é tão horrível assim. – respondo, tentando manter a firmeza. Era isso ou me entregar ao desespero e acabar enlouquecendo.
Sara balança a cabeça num movimento quase imperceptível. Era o acordo silencioso entre nós duas: fingir. Sobreviver.
De repente, a voz da Carmen ecoa pelo microfone, cortando o silêncio constrangedor entre os homens.
Carmen: Boa noite, senhores!
Ela sobe ao palco com um sorriso largo no rosto, como se aquilo tudo fosse um espetáculo. Os homens murmuram entre si, e ela continua, com aquele tom teatral.
Carmen: Espero que estejam bem... mas se não estiverem... – ela faz uma pausa, sorrindo como quem está prestes a anunciar um prêmio – com certeza aqui irão ficar.
A plateia reage com risadas e mais aplausos. Eu me forço a manter a expressão neutra enquanto Carmen estende o braço, nos apontando como se fôssemos troféus.
Carmen: Por favor, aplausos para as nossas little angels!
As meninas começam a entrar uma a uma, descendo do palco e se espalhando pelo salão, fingindo animação. Circulam entre as mesas, com sorrisos plásticos, posturas elegantes e olhares treinados. Algumas são puxadas para o colo de homens sorridentes, outras caminham devagar ao redor das cadeiras, como se estivessem em uma passarela. Tudo encenação. Tudo mentira.
Eu sabia. Conhecia cada olhar delas, cada gesto que escondia o nojo, a dor, o medo. Mas também via que algumas estavam há tanto tempo aqui que já não fingiam... apenas sobreviviam.
Eram meninas lindas. Meninas como eu, como Sara. Como tantas outras que nunca deveriam ter estado ali.
Carmen: E hoje, como todos podem ver, temos novidades... – ela diz com empolgação. Nos aponta como quem apresenta joias raras – Duas estreantes. Percebi alguns olhares nelas... São lindas, não é mesmo?
Ela sorri para nós, mas eu encaro firme, sem baixar os olhos. Por um segundo, ela hesita e desvia o olhar. Eu percebi. Por trás da maquiagem e do salto alto, existe culpa. Ela sente. Talvez até queira ajudar. Mas não pode. Como nós, ela também é refém.
– Eu vou querer a morena iluminada! – grita um homem da plateia, com voz firme.
Meu coração dá um salto. Meus olhos vasculham a multidão até encontrá-lo: terno cinza, barba por fazer, cabelo um pouco desalinhado. Devia ter uns quarenta e poucos anos. Não era feio, mas também não tinha nada de especial. Era só mais um predador disfarçado de homem respeitável.
Ele estava falando da Sara.
Linda, colombiana, de cabelo castanho com mechas douradas, olhos verdes vibrantes e um sorriso que já foi o mais bonito que eu conheci. Agora... apagado. Ela me olha. E naquele olhar cabia uma pergunta desesperada: E agora? Mas eu não tinha resposta. Nada que eu dissesse poderia mudar o que estava prestes a acontecer.
Carmen: Eu sei que querem... – ela responde com um riso fingido – Mas essas meninas serão de quem oferecer o maior valor!
A raiva começa a subir no meu peito. Baixo a cabeça, tentando conter a revolta.
Carmen: Afinal, estão todos aqui por elas, não é mesmo?
Como assim eles já sabiam? Será que anunciaram a nossa chegada? Fizeram convite especial para esse "leilão de carne fresca"?
Carmen: E, como devem imaginar, a morena iluminada é bem mais cara...
Ela olha diretamente para o homem que gritou, depois volta o olhar para a plateia, animada.
Carmen: Senhores, vos apresento... Sara!
Mais aplausos. Eu queria vomitar. Carmen se vira sutilmente para Sara e murmura entre dentes para que ela sorria. E ela sorri. O sorriso mais falso que já vi desde que a conheço. Um sorriso vazio, de quem está se despedaçando por dentro.
Carmen: Sarinha, para os mais íntimos. Colombiana, vinte anos. E... – ela pausa, criando suspense – é a nossa virgem!
Os murmúrios aumentam. O clima muda. Os olhares se acendem como fósforos em gasolina. Alguns homens cochicham entre si, outros apenas nos observam com atenção redobrada. A tensão cresce.
Foi então que percebi um detalhe que arrepiou cada centímetro do meu corpo: todos os olhares estavam, pouco a pouco, se voltando para um único homem.
Ele estava na primeira fileira. Alto, postura firme, cercado por outros homens que mais pareciam seguranças. A presença dele era pesada. Um silêncio pairava ao redor, como se ninguém ousasse se aproximar demais.
Ele tinha olhos azuis frios, ombros largos, cabelo frisado e bem penteado para o lado. A pele clara contrastava com a escuridão da aura ao seu redor. Tudo nele gritava perigo.
Torci, com cada célula do meu corpo, para que ele não escolhesse a Sara. Nem a mim. Torci como quem reza num campo de guerra.
Carmen: A Sara valerá de dez mil para cima, senhores.
Mais murmúrios. Eu quase afundei no chão. Dez mil?! Meu Deus... quanto vale a dignidade de uma mulher?
Carmen: Eu sei, eu sei... isso não é absolutamente nada pra vocês, cavalheiros, não é mesmo? – ela diz brincando, como se falasse de uma aposta em cavalos.
Carmen: Então que vença o mais rico! O sortudo que terá a chance de levar a bela Sara para um de nossos quartos... e se tornar o primeiro homem a possuí-la.
Senti meu estômago virar. Olhei para a Sara. Ela estava suando. Tentava manter a compostura, mas eu via. Por trás da maquiagem e do batom claro, ela estava implodindo.
Estávamos as duas em cima daquele palco, vestidas apenas de sutiã e calcinha de renda. A dela era azul-bebê, como se quisessem reforçar a imagem de inocência, paz, pureza. Uma cor estrategicamente escolhida para seduzir aqueles monstros.
A minha era vermelha. Sexy. Vulgar. Eu era loira, e sabia muito bem os estereótipos que carregava: mulher fácil, burra, divertida, irresponsável. E, acima de tudo, disponível.
– Onze mil! – grita um homem ao fundo.
O silêncio é cortado. Os olhares se viram para ele. A tensão aumenta. O jogo está lançado.
Carmen: Ah, estão ansiosos, senhores? Pois então vamos! Que vença o mais generoso... ou o mais desesperado!
Ela termina com um tom triunfante. Eu, por outro lado, quase desabo. O tempo parecia congelado. E tudo que eu queria era desaparecer.
Mas eu estava ali. E era só o começo.
— Doze mil! — grita um homem encostado na parede, com um cigarro nos lábios e um olhar nojento enquanto seca Sara com os olhos como se ela fosse um pedaço de carne exposta. Aquilo me deu ânsia.Carmen: Doze mil para o senhor de terno vermelho! — Carmen anuncia no microfone, com a voz forçada de entusiasmo.O homem em questão — usando um terno berrante, de gosto duvidoso — sorri como um idiota, nervoso, esperando que ninguém supere seu lance.— Quinze mil! — ecoa uma nova voz, firme, vinda dos fundos do salão. O burburinho se espalha como fogo em palha seca. Todos olham para trás tentando descobrir quem teve coragem de subir tanto o valor.Foi aí que eu o vi. Ele não estava ali só. Era um jovem — ou quase — devia ter entre 25 e 27 anos, e a luz do ambiente o destacou quando ele virou levemente o rosto para observar quem havia dado o último lance. Naquele gesto, vi melhor o rosto dele. E, mesmo naquele cenário grotesco, não consegui evitar o pensamento: ele era bonito.Alto, provavelmen
Mesmo no turbilhão inicial de olhares masculinos que me sondavam, confesso que meu palpite primário recaiu sobre o rapaz de feições jovens, posicionado ao lado do homem na casa dos quarenta.Presumi, com uma ponta de apreensão, que ele seria o licitante a arrebatar Sara. Contudo, os segundos se arrastaram, e a certeza inicial se esvaiu como fumaça. Ele não moveu um músculo sequer para ofertar qualquer valor por ela, permanecendo impassível enquanto outros competiam.A dúvida então se instalou, sutil e persistente: seria ele, na verdade, um dos seguranças do homem mais velho? Um guarda cuja presença emanava um respeito tácito por parte do quarentão, a ponto deste último demonstrar uma clara intenção de agradá-lo? O gesto que se seguiu pareceu confirmar essa teoria, pegando o jovem de surpresa.Carmen, com sua voz melodiosa e calculada, direcionou o olhar para o rapaz, antes de pousá-lo novamente em Sara. Um esboço de sorriso, quase imperceptível, curvou seus lábios. Talvez ela se senti
Carmen soltou uma risada seca, carregada de escárnio. Carmen: Parece então que o senhor Miguel, na verdade, tinha outros planos além de cortejar a amiga de Sara, não é mesmo? – Sua voz insinuava uma piada cruel, um divertimento às custas da minha crescente agonia.– Onze mil! – Javier elevou a voz, gutural. Um calafrio percorreu minha espinha. Eu não podia acreditar que aquele verme ainda estivesse competindo. Em minha ingenuidade desesperada, imaginei que sua obsessão se limitasse a Sara. Mas, pelo visto, eu também havia entrado em seu radar repugnante.Outra voz surgiu na multidão, arrogante e possessiva. – Treze mil! Meu sangue gelou. Senti o chão sumir sob meus pés, a náusea subir à garganta. Aquele homem era ainda pior do que eu temia, um predador ávido por sua presa.Carmen, com um brilho sádico nos olhos, lançou a pergunta ao salão. Carmen: Alguém oferecerá quatorze mil e terá a chance de desfrutar de uma noite… prazerosa… com a senhorita Lupi? Um silêncio tens
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,
: Menina novaaa! — o cara grita uns quatro segundos depois de entrar, e logo após, os dois homens que me trouxeram para cá empurram outra garota para dentro.Ela se debatia e xingava sem parar, até que a jogam de qualquer jeito no chão. O impacto ecoa no ambiente tenso.Guadalupe: Que tipo de brincadeira é essa? — pergunto, a voz saindo rouca entre dentes. Uma onda de descrença me atinge. Eu me recuso a aceitar que fui de fato traficada.No meu bairro, histórias de meninas desaparecendo eram sussurros constantes, sombras nos nossos pensamentos. Mas a gente nunca imagina que a escuridão pode nos engolir. E, de verdade, cada fibra do meu ser se rebela contra a ideia de estar aqui.Um silêncio pesado se instala. As outras meninas trocam olhares rápidos entre mim e os homens, um medo silencioso estampado em seus rostos, como se soubessem o prenúncio de algo terrível. Os três homens nos encaram com uma frieza cortante, impassíveis. De repente, uma risada rouca e cruel ecoa entre eles, enqu
Fui vestida para o meu batismo na boate. Descobri que estou na Cidade do México e hoje serei exibida, junto com Sara, como as novatas da casa.Dizem que os homens apreciam a inocência. A ideia de que esses predadores de casas noturnas sabem do nosso sequestro, da nossa total falta de escolha, e mesmo assim não se importam, ferve meu sangue. São cúmplices dos traficantes, nos oprimem, nos violentam como se o nosso cativeiro sexual fosse uma trivialidade. É doentio, abjeto, e jamais me resignarei a isso. Não faz parte da minha essência aceitar a desgraça de cabeça baixa. Sou uma lutadora, e enfrentarei essa tormenta com unhas e dentes.Mesmo que a fuga pareça uma miragem arriscada, se o preço da liberdade for a morte, que seja! Morrerei lutando.Em breve, começarei a urdir planos para escapar e farei com que o império desses vermes, desses traficantes desprezíveis, desmorone o mais rápido possível.Sara: Foi ela! —Sara sussurra, enquanto nos vestimos no banheiro exíguo do quarto que nos
Os olhos de Carmen estavam marejados, a dor das palavras de Sara era palpável.Adina avançou, a fúria estampada no rosto. Adina: Escuta aqui, sua insignificante vadiazinha! – Sua voz era carregada de veneno, cada passo em direção a Sara era uma ameaça. Instintivamente, me coloquei entre elas. Adina parou bruscamente, e um silêncio tenso se instalou no ar. Nossos olhares se encontraram, o meu e o dela, faiscando uma hostilidade pronta para explodir. Adina: Sara... – Adina começou, os olhos fixos em mim por um instante, antes de se desviarem para a garota atrás de mim. – Você deveria lavar essa boca imunda antes de falar do que não sabe.Guadalupe: Do que ela não sabe? – a indignação colorindo minha voz. – Que vocês ajudam esses vermes nojentos, isso já ficou claro para todas nós. Chegamos ontem e já vimos como você nos entrega. Disse que a Sara era virgem e só piorou as coisas para ela. Poderíamos ter resolvido isso lá embaixo, ela poderia ter escolhido com quem perderia a virgindad
: repita!! — ele ordena, e só então percebo que realmente falei em voz alta.Merda, merda, merda!Os olhos de Sara se arregalam em pavor. Carmen e as outras meninas enrijecem, a tensão palpável no ar. A piranha da Adina mantém um meio sorriso perverso dançando no canto da boca. O rosto do homem permanece sério, mas seus olhos também carregam uma malícia fria, e um sorriso vil paira em seus lábios. — Repita, Little Angel — ele pede agora, a voz surpreendentemente tranquila, quase um sussurro aveludado.Mas que droga! Minha garganta se fechou, as palavras se recusavam a sair. O pânico me paralisava.Ele esboça um sorriso torto, um brilho lascivo em seus olhos, e então me lança um olhar sujo, mordiscando os lábios inferiores de forma provocadora.— Mais tarde, quando seu horário de trabalho terminar, quero que visite meus aposentos — ele declara, a voz firme e objetiva, como se não me desse sequer a opção de protestar. Em seguida, começa a caminhar em direção à porta, pronto para partir