capítulo 3

Leonardo

Dois dias. Era só o que tinha se passado desde a chegada dela.

Dois longos e malditos dias nos quais minha casa perdeu o silêncio absoluto que eu tanto prezava. Era como se o ar estivesse mais denso. As paredes mais vivas. E minha paciência… mais curta.

Isadora não fazia barulho. Não era desorganizada. Não era inconveniente.

O problema era outro.

Ela estava por toda parte.

Na sala, lendo. Na cozinha, mexendo no chá. No jardim, caminhando descalça. O som da sua risada contida ao telefone com alguma amiga me desconcertava. Mesmo sua presença em silêncio me afetava como nenhuma outra mulher jamais conseguiu.

Aquilo estava ficando perigoso. E eu odiava perder o controle.

Chamei-a para uma conversa no fim da tarde.

Ela apareceu na sala com um short de algodão e uma regata branca que deixava os ombros à mostra. Cabelos soltos, pés descalços.

— Chamou? — disse, casual, como se morássemos juntos há anos.

— Sente-se. Precisamos conversar.

Ela se acomodou no sofá, cruzando as pernas. O movimento natural e provocante me tirou o foco por um segundo. Pisquei, retomando a firmeza no tom.

— A partir de amanhã, você terá horários definidos. Café da manhã às oito. Almoço às uma. Jantar às oito. Não admito atrasos.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Como um colégio interno?

— Como uma casa com regras.

— Entendi. E se eu quiser comer fora do horário?

— Você me avisa. Não gosto de surpresas.

Ela apoiou o cotovelo no encosto do sofá e me olhou de forma intensa.

— O senhor sempre foi assim… rígido?

— Isso se chama disciplina. Me fez chegar onde estou.

— E também afastou todo mundo, imagino.

Me inclinei para frente, encarando-a.

— Está tentando me provocar?

— Só estou sendo honesta.

— Então seja honesta consigo mesma também, Isadora. Você está sob minha responsabilidade. E enquanto estiver aqui, vai seguir minhas regras.

Ela se calou por um momento, como se estivesse avaliando minha postura. Depois levantou, tranquila.

— Tudo bem. Eu vou tentar seguir.

— Não tente. Faça.

Ela parou à porta antes de sair da sala. Me olhou por cima do ombro, o rosto levemente desafiador.

— O senhor é sempre assim… ou está tentando se convencer de que ainda tem o controle?

E saiu.

Fiquei ali, sozinho. Com o gosto amargo da provocação ainda preso na boca.

Não era mais só o fato de ela estar ali.

Era como ela me enfrentava.

Era como me fazia desejar gritar… ou tocá-la.

E isso me deixava louco.

Na manhã seguinte, sentei à mesa às oito em ponto, como sempre. Talheres alinhados, guardanapo dobrado à esquerda, jornal ao lado. A governanta serviu o café, mas meu olhar ia direto para a escada.

8h02.

Nada.

8h07.

Nada ainda.

A irritação começou a me invadir como uma névoa. Cada segundo de atraso soava como uma afronta pessoal. Ela sabia das regras. Eu tinha sido claro.

8h15.

O som dos passos finalmente ecoou pelo corredor. Levantei os olhos. E então, perdi completamente o foco.

Ela descia as escadas lentamente, usando um vestido leve, de tecido fino, sem mangas. O cabelo ainda úmido denunciava um banho recente. Os pés descalços batiam no mármore com a mesma naturalidade de quem caminhava por sua própria casa.

— Bom dia — disse, sorrindo levemente.

— Está atrasada.

— Dez minutos — respondeu, puxando a cadeira sem pressa. — Pensei que não fosse um exército aqui.

— Horário é horário. Se eu fosse flexível com tudo, não teria construído nada na vida.

Ela passou manteiga no pão, com gestos calmos.

— Engraçado… meu pai dizia que o senhor era imbatível nos negócios. Mas nunca comentou que era tão obcecado por controle.

— Obsessão por ordem. E disciplina.

— E o que o senhor faz quando algo foge do seu controle?

— Eu corrijo.

Ela riu. Um riso curto, quase provocativo.

— E se não for corrigível?

— Eu elimino o problema.

A mesa ficou em silêncio por alguns segundos. Até que ela ergueu o olhar para mim.

— O senhor me vê como um problema, Leonardo?

A forma como ela pronunciou meu nome — sem formalidade, sem medo — fez meu sangue ferver. Havia algo naquela garota que me tirava do prumo. A falta de cerimônia. A ousadia. A calma dela diante do meu temperamento.

— Vejo você como uma responsabilidade.

Ela bebeu o suco devagar, em silêncio.

— Engraçado… às vezes eu sinto que o senhor me observa demais para ser só isso.

A frase ficou no ar como um veneno doce. Me levantei da mesa com um movimento rápido, contido.

— Tenho reuniões o dia inteiro. Espero que não atrase mais.

— Pode deixar. Vou tentar não provocar o seu pânico.

Subi irritado. Mas, no fundo, o que me irritava não era a provocação. Era o fato de que ela estava certa.

Eu a observava demais.

Pela noite, quando retornei da empresa, fui direto para meu escritório. Tranquei a porta. Precisava de distância. De foco.

Mas a mente continuava vagando.

Ela havia passado o dia na casa. Me mandaram fotos das câmeras de segurança. Isadora na biblioteca. No jardim. Na sala de música.

Dançando.

Sozinha.

Com fones no ouvido, rodopiando descalça. O vestido girando ao redor do corpo. Os cabelos soltos em volta do rosto. Uma imagem inocente… e devastadora.

Fechei o laptop com força. Me levantei. Andei de um lado ao outro, inquieto.

Aquela garota estava mexendo comigo.

E eu não podia permitir.

Mais tarde, encontrei-a na varanda, com uma taça de vinho nas mãos.

— Onde conseguiu isso? — perguntei, seco.

— A adega estava destrancada. E eu só peguei uma garrafa barata, não se preocupe.

— Não sou seu colega de quarto, Isadora. Estou aqui para impor limites.

— E está indo muito bem, não acha? — respondeu, olhando para a taça.

— Não gosto de ser desafiado.

— Eu não estou te desafiando, Leonardo. Eu só estou… existindo.

Ela se virou. Os olhos brilhavam sob a luz amarelada da varanda. O vento bagunçava seus cabelos. O vestido fino se moldava ao corpo com cada sopro do ar noturno. Era um retrato do caos: tão bela que doía, tão tranquila que enlouquecia.

— E o senhor… está resistindo?

Dei um passo em sua direção. Ela não recuou. O ar entre nós ficou carregado.

— Tome cuidado, Isadora. Muito cuidado.

— Por quê? Tem medo de mim?

— Tenho medo do que posso fazer com você… se continuar me provocando.

Ela mordeu o lábio inferior. Um gesto que fez meu controle vacilar.

— Talvez eu esteja mesmo querendo descobrir o seu limite, Leonardo.

Me aproximei mais. Estávamos a centímetros. Podia sentir o perfume da pele dela. Um cheiro doce, quase imperceptível, mas que grudava em mim como um vício.

Ela ergueu o rosto, desafiadora, ousada.

Mas eu recuei.

— Boa noite — sussurrei, antes de virar as costas e entrar.

Subi as escadas com passos rápidos, coração disparado, sangue em ebulição.

Naquela noite, dormi mal.

Sonhei com ela.

De novo.

E acordei no meio da madrugada com o lençol molhado de suor… e desejo.

A partir daquele dia, mudei as regras da casa. Mandei trancar a adega. Tirei os vinhos do alcance. Implementei nova rotina com a governanta. Pedi vigilância mais constante.

Era o que eu podia controlar.

Porque o resto… o resto estava fora do meu alcance.

Isadora não era só uma presença.

Ela era um furacão silencioso.

E eu… já estava no olho dele.

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