Leonardo
Dois dias. Era só o que tinha se passado desde a chegada dela. Dois longos e malditos dias nos quais minha casa perdeu o silêncio absoluto que eu tanto prezava. Era como se o ar estivesse mais denso. As paredes mais vivas. E minha paciência… mais curta. Isadora não fazia barulho. Não era desorganizada. Não era inconveniente. O problema era outro. Ela estava por toda parte. Na sala, lendo. Na cozinha, mexendo no chá. No jardim, caminhando descalça. O som da sua risada contida ao telefone com alguma amiga me desconcertava. Mesmo sua presença em silêncio me afetava como nenhuma outra mulher jamais conseguiu. Aquilo estava ficando perigoso. E eu odiava perder o controle. Chamei-a para uma conversa no fim da tarde. Ela apareceu na sala com um short de algodão e uma regata branca que deixava os ombros à mostra. Cabelos soltos, pés descalços. — Chamou? — disse, casual, como se morássemos juntos há anos. — Sente-se. Precisamos conversar. Ela se acomodou no sofá, cruzando as pernas. O movimento natural e provocante me tirou o foco por um segundo. Pisquei, retomando a firmeza no tom. — A partir de amanhã, você terá horários definidos. Café da manhã às oito. Almoço às uma. Jantar às oito. Não admito atrasos. Ela ergueu uma sobrancelha. — Como um colégio interno? — Como uma casa com regras. — Entendi. E se eu quiser comer fora do horário? — Você me avisa. Não gosto de surpresas. Ela apoiou o cotovelo no encosto do sofá e me olhou de forma intensa. — O senhor sempre foi assim… rígido? — Isso se chama disciplina. Me fez chegar onde estou. — E também afastou todo mundo, imagino. Me inclinei para frente, encarando-a. — Está tentando me provocar? — Só estou sendo honesta. — Então seja honesta consigo mesma também, Isadora. Você está sob minha responsabilidade. E enquanto estiver aqui, vai seguir minhas regras. Ela se calou por um momento, como se estivesse avaliando minha postura. Depois levantou, tranquila. — Tudo bem. Eu vou tentar seguir. — Não tente. Faça. Ela parou à porta antes de sair da sala. Me olhou por cima do ombro, o rosto levemente desafiador. — O senhor é sempre assim… ou está tentando se convencer de que ainda tem o controle? E saiu. Fiquei ali, sozinho. Com o gosto amargo da provocação ainda preso na boca. Não era mais só o fato de ela estar ali. Era como ela me enfrentava. Era como me fazia desejar gritar… ou tocá-la. E isso me deixava louco. Na manhã seguinte, sentei à mesa às oito em ponto, como sempre. Talheres alinhados, guardanapo dobrado à esquerda, jornal ao lado. A governanta serviu o café, mas meu olhar ia direto para a escada. 8h02. Nada. 8h07. Nada ainda. A irritação começou a me invadir como uma névoa. Cada segundo de atraso soava como uma afronta pessoal. Ela sabia das regras. Eu tinha sido claro. 8h15. O som dos passos finalmente ecoou pelo corredor. Levantei os olhos. E então, perdi completamente o foco. Ela descia as escadas lentamente, usando um vestido leve, de tecido fino, sem mangas. O cabelo ainda úmido denunciava um banho recente. Os pés descalços batiam no mármore com a mesma naturalidade de quem caminhava por sua própria casa. — Bom dia — disse, sorrindo levemente. — Está atrasada. — Dez minutos — respondeu, puxando a cadeira sem pressa. — Pensei que não fosse um exército aqui. — Horário é horário. Se eu fosse flexível com tudo, não teria construído nada na vida. Ela passou manteiga no pão, com gestos calmos. — Engraçado… meu pai dizia que o senhor era imbatível nos negócios. Mas nunca comentou que era tão obcecado por controle. — Obsessão por ordem. E disciplina. — E o que o senhor faz quando algo foge do seu controle? — Eu corrijo. Ela riu. Um riso curto, quase provocativo. — E se não for corrigível? — Eu elimino o problema. A mesa ficou em silêncio por alguns segundos. Até que ela ergueu o olhar para mim. — O senhor me vê como um problema, Leonardo? A forma como ela pronunciou meu nome — sem formalidade, sem medo — fez meu sangue ferver. Havia algo naquela garota que me tirava do prumo. A falta de cerimônia. A ousadia. A calma dela diante do meu temperamento. — Vejo você como uma responsabilidade. Ela bebeu o suco devagar, em silêncio. — Engraçado… às vezes eu sinto que o senhor me observa demais para ser só isso. A frase ficou no ar como um veneno doce. Me levantei da mesa com um movimento rápido, contido. — Tenho reuniões o dia inteiro. Espero que não atrase mais. — Pode deixar. Vou tentar não provocar o seu pânico. Subi irritado. Mas, no fundo, o que me irritava não era a provocação. Era o fato de que ela estava certa. Eu a observava demais. Pela noite, quando retornei da empresa, fui direto para meu escritório. Tranquei a porta. Precisava de distância. De foco. Mas a mente continuava vagando. Ela havia passado o dia na casa. Me mandaram fotos das câmeras de segurança. Isadora na biblioteca. No jardim. Na sala de música. Dançando. Sozinha. Com fones no ouvido, rodopiando descalça. O vestido girando ao redor do corpo. Os cabelos soltos em volta do rosto. Uma imagem inocente… e devastadora. Fechei o laptop com força. Me levantei. Andei de um lado ao outro, inquieto. Aquela garota estava mexendo comigo. E eu não podia permitir. Mais tarde, encontrei-a na varanda, com uma taça de vinho nas mãos. — Onde conseguiu isso? — perguntei, seco. — A adega estava destrancada. E eu só peguei uma garrafa barata, não se preocupe. — Não sou seu colega de quarto, Isadora. Estou aqui para impor limites. — E está indo muito bem, não acha? — respondeu, olhando para a taça. — Não gosto de ser desafiado. — Eu não estou te desafiando, Leonardo. Eu só estou… existindo. Ela se virou. Os olhos brilhavam sob a luz amarelada da varanda. O vento bagunçava seus cabelos. O vestido fino se moldava ao corpo com cada sopro do ar noturno. Era um retrato do caos: tão bela que doía, tão tranquila que enlouquecia. — E o senhor… está resistindo? Dei um passo em sua direção. Ela não recuou. O ar entre nós ficou carregado. — Tome cuidado, Isadora. Muito cuidado. — Por quê? Tem medo de mim? — Tenho medo do que posso fazer com você… se continuar me provocando. Ela mordeu o lábio inferior. Um gesto que fez meu controle vacilar. — Talvez eu esteja mesmo querendo descobrir o seu limite, Leonardo. Me aproximei mais. Estávamos a centímetros. Podia sentir o perfume da pele dela. Um cheiro doce, quase imperceptível, mas que grudava em mim como um vício. Ela ergueu o rosto, desafiadora, ousada. Mas eu recuei. — Boa noite — sussurrei, antes de virar as costas e entrar. Subi as escadas com passos rápidos, coração disparado, sangue em ebulição. Naquela noite, dormi mal. Sonhei com ela. De novo. E acordei no meio da madrugada com o lençol molhado de suor… e desejo. A partir daquele dia, mudei as regras da casa. Mandei trancar a adega. Tirei os vinhos do alcance. Implementei nova rotina com a governanta. Pedi vigilância mais constante. Era o que eu podia controlar. Porque o resto… o resto estava fora do meu alcance. Isadora não era só uma presença. Ela era um furacão silencioso. E eu… já estava no olho dele.