O tempo passou como uma névoa espessa e pesada. Os dias se arrastaram entre a faculdade, os compromissos e a rotina que, de alguma forma, me afastava de tudo o que eu queria evitar. Ou talvez, mais precisamente, de tudo o que eu queria entender. E Dante… ele não saía da minha cabeça.
Às vezes, parecia que ele me perseguia. Eu o via em todos os cantos, no modo como o vento fazia a capa do meu casaco se mover, no brilho metálico dos carros estacionados na rua, no toque sutil de alguém passando por mim, quase tocando. Ele me rondava, mas de uma forma silenciosa, quase imperceptível. E isso me deixou obcecada. Tentei seguir com minha vida. Dei a desculpa de estar ocupada para evitar sair e encontrar Léo, que, por mais simpático, não conseguia apagar a marca de Dante. Nem que eu tentasse — e tentei. Mas o universo parecia ter seus próprios planos. Foi numa terça-feira que, ao sair da faculdade, o vi novamente. No mesmo lugar, com a mesma postura. A presença dele era ainda mais imponente, mais intensa. Estava parado em frente ao café da esquina, com um telefone preso à orelha e uma expressão séria, tão distante das imagens que eu tinha do Dante na boate. Ele parecia… outra pessoa. Mas era impossível negar que a mesma força estava ali, implícita, como um magnetismo silencioso. Eu hesitei. Respirei fundo, fazendo o possível para ignorá-lo e seguir meu caminho. Mas quando passei por ele, senti o olhar dele me atravessar como um raio. — Helena — ele chamou, e foi como se o mundo parasse. Não virei imediatamente, mesmo que tudo dentro de mim quisesse fazer isso. Demorei, mas finalmente olhei para ele. O tom dele era suave, mas havia algo ali que me encheu de um arrepio. — Não tem jeito de escapar de mim, não é? — ele perguntou, com a mesma tranquilidade de sempre, como se fosse uma constatação, não uma pergunta. Eu tentei sorrir, mas foi mais uma careta disfarçada. — Eu já escapei o suficiente — respondi, tentando soar indiferente. Ele deu um passo na minha direção. Era sutil, mas eu sabia que ele estava se aproximando. Como sempre fazia. — Você pode tentar, mas o destino… — ele sorriu, como se estivesse se divertindo com a situação. — Ele tem o seu próprio plano para você. E eu sou parte desse plano. Eu me senti vulnerável por um momento. Como se ele soubesse exatamente o que estava acontecendo dentro de mim, como se tivesse lido minha alma. A tensão no ar era palpável. — Dante, eu não te devo nada — minha voz saiu mais firme do que eu pretendia, mas não podia mostrar que ele estava me afetando tanto. Ele não se afastou. Só me observou por um momento, estudando cada detalhe meu. E, de repente, tudo ficou mais próximo, mais… urgente. A química, a tensão, a sensação de que algo estava prestes a acontecer. — Você não me deve nada, Helena — ele disse. — Mas eu estou começando a achar que você precisa de algo que só eu posso te dar. Aquelas palavras ecoaram dentro de mim, como um desafio. Eu deveria resistir. A voz da razão me dizia para seguir em frente e nunca olhar para trás. Mas o desejo, o caos e a luxúria que ele despertava em mim me faziam questionar tudo. Eu tinha que sair dali. Não podia ceder. Mas, mesmo assim, quando comecei a dar os primeiros passos para me afastar, ele falou novamente. — Eu só não quero que você se arrependa, Helena. Do que pode ser… seu. Ele me disse essas palavras de um jeito tão simples, tão natural, que fiquei sem saber o que responder. A única coisa que senti foi uma onda de calor e, de repente, uma força invisível me puxando para ele. Como se eu estivesse sendo atraída por algo muito maior que eu mesma. E o pior… era que eu estava começando a querer isso. Começando a querer ele. Virei e o encarei mais uma vez, tentando manter a compostura. — Isso é mais uma ameaça, Dante? — perguntei, com um sorriso que tentava disfarçar o quanto eu estava internamente agitada. Ele se aproximou mais, o tom de voz baixo, quase sussurrando, mas com uma intensidade que me fez prender a respiração. — Não, Helena. Isso é um convite. E, com um último olhar carregado de promessas não ditas, ele se virou e foi embora, deixando-me ali, com o coração acelerado e a mente girando em espiral. Eu sabia que ele voltaria. Sabia que isso ainda não tinha terminado. E, contra toda a minha vontade, sabia que, no fundo, eu não queria que acabasse.Não consegui ficar parada depois daquilo.As palavras dele ficaram martelando na minha cabeça o resto do dia. “Isso é um convite.” E por mais que eu tentasse fingir que não, que era só charme, só provocação, alguma coisa dentro de mim já tinha decidido.Antes que o sol terminasse de se pôr, eu estava em frente à boate Verona de novo.Dessa vez, sem maquiagem borrada, sem o vestido colado. Eu estava sóbria — e talvez pela primeira vez, indo até Dante por vontade própria. Não era o uísque falando. Era eu.A fila na porta era longa, como sempre. Mas bastou o segurança me ver para que ele tirasse a corrente e deixasse que eu passasse. Senti os olhares, os cochichos. E ignorei todos.Lá dentro, a Verona parecia ainda mais surreal do que da primeira vez. Luzes vermelhas e douradas desenhavam o ambiente como se fosse um teatro do pecado. Móveis caros, gente bonita demais, champanhe borbulhando em taças de cristal e cigarros finos dançando entre dedos pintados de vermelho sangue.Léo me viu p
A mão dele ainda tocava meu rosto quando eu cedi.Talvez tenha sido o cheiro — couro, fumo e um perfume amadeirado que parecia pecado engarrafado. Talvez o jeito como ele me olhava, como se já tivesse me despido só com os olhos. Ou talvez… talvez eu só estivesse cansada de fingir que não queria.Ele não pediu permissão. Dante não era do tipo que pedia.Me puxou pela cintura, colando nossos corpos, e me beijou como se o mundo estivesse acabando. Um beijo urgente, quente, profundo. Mãos grandes segurando meu quadril, me guiando pelo corredor como se eu já fosse dele.Passamos por uma porta discreta, protegida por um segurança que apenas assentiu com a cabeça. Entramos em um corredor de madeira escura, silencioso, até uma porta dupla. Dante abriu, me empurrando gentilmente para dentro.A sala era puro poder.Móveis de couro escuro, uma estante de bebidas importadas, paredes em tons quentes. Mas o que me tirou o fôlego foi a enorme parede de vidro que dava direto para a pista de dança da
Acordei com o sol batendo no rosto e a mente em torvelinho.Ainda estava no quarto dele, na boate Verona. Enrolada nos lençóis de linho macio, com o cheiro dele impregnado em mim. No corpo. No travesseiro. No fundo da minha garganta.Dante não estava ali.Levantei, vesti minha roupa da noite anterior e caminhei devagar até a porta. Precisava sair antes que a loucura me engolisse por completo.Mas o destino, mais uma vez, tinha outros planos.No corredor, passei por uma porta entreaberta e, por curiosidade — ou burrice —, olhei pra dentro.E o que vi ali mudou tudo.Era uma sala pequena. Discreta. Um escritório secundário, talvez. Mas o que me arrepiou foi o conteúdo da mesa: pastas pretas, fotos impressas, documentos com carimbos oficiais, anotações em códigos e… meu nome.Meu nome.Tremendo, me aproximei. A pasta estava aberta. No canto superior, lia-se claramente: Helena Damasceno – Observação e Perfil.Minha garganta secou.Ali dentro, havia registros meus da faculdade, fotos minha
Cheguei em casa com o mundo girando.Minhas mãos ainda tremiam depois da conversa com minha mãe. Cada palavra dela parecia uma faca — e o nome “Bellini” ainda ecoava nos meus ouvidos como um presságio.Dante Bellini.O homem que me fez gozar contra uma parede de vidro. Que me olhava como se eu fosse a única verdade dele. Que sussurrava meu nome como se pertencesse a ele.E também o homem que, de alguma forma, estava ligado à queda do meu pai.Joguei a bolsa no sofá e fui direto para o banheiro. A água quente bateu nas minhas costas como um tapa, mas nada lavava aquela sensação de estar sendo engolida viva por um segredo maior do que eu.“Você se envolveu com a porra de um mafioso, Helena.”Saí do banho, enrolei a toalha no corpo e fui até o quarto. A escuridão me acolheu — até ser rasgada por um som que me fez parar.Uma batida na porta.Coração disparado, me aproximei da entrada devagar, pés descalços no chão gelado. Olhei pelo olho mágico.Dante.Meu corpo inteiro reagiu, mesmo cont
POV: DanteO cheiro dela ainda estava nas minhas mãos.Helena era fogo e faca. E eu, um homem que sabia brincar com a morte, mas nunca soube lidar com amor. Muito menos com a ideia de perder alguém que sequer tive por completo.Desci até a garagem do prédio dela e entrei no carro. O motorista já me esperava, com o semblante tenso.— Seu tio quer vê-lo. Agora.Fechei os olhos por um segundo. Isso não era bom.A mansão dos Bellini ficava afastada da cidade, cercada por muros altos, câmeras e segredos enterrados. Entrei no salão principal com o coração acelerado, como se minha alma soubesse que alguma coisa estava prestes a ruir.Meu tio, Salvatore Bellini, estava sentado na poltrona de couro como um rei decadente — charuto aceso, terno alinhado, olhos duros.— A gente fez um trato, Dante. Você cuida dos negócios, mas mantém o coração fora disso.— Eu sei o que tô fazendo.— Sabe? Porque parece que tá comendo uma garota que deveria ser apenas mais um nome no meio da multidão. Mas não é,
Ele sumiu.Do nada, como se tivesse evaporado da minha vida. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Nem um olhar disfarçado. Dante simplesmente… desapareceu.Nos primeiros dias, achei que era orgulho. Nos outros, comecei a duvidar do que tínhamos vivido. Será que foi tudo coisa da minha cabeça? Só mais um jogo dele?Tentei não pensar, me joguei nos estudos, nos compromissos. Mas era impossível. Ele estava em cada música, em cada esquina, em cada gole de vinho que eu tentava usar pra enganar o vazio.E, como se o universo quisesse me castigar de vez, minha mãe apareceu na minha porta numa tarde qualquer, com um sorriso de falsa serenidade e uma proposta absurda.— Arthur sente sua falta, querida. Vocês poderiam jantar. Nada demais. Só conversar, matar a saudade…Quase ri.— Arthur? Depois de tudo?— Ele errou, mas é um bom partido. Conhecido da família, advogado de carreira promissora. Muito melhor do que…— Do que quem, mãe?Ela hesitou. Mas eu percebi. Ela sabia. Ou desconfiava.— Você n
Léo me viu antes que eu o chamasse. Estava encostado no balcão, como sempre, com aquele jeito relaxado que escondia mais do que mostrava.— Helena? — perguntou, surpreso, ao me ver. — Tá tudo bem?— Eu preciso falar com o Dante.Ele franziu a testa.— Ele não tá vindo aqui ultimamente.— Você sabe onde ele tá?— A gente não tem andado muito próximo.— Por favor, Léo — minha voz saiu falha, carregada de desespero contido. — É importante.Ele me olhou como se finalmente percebesse a urgência nos meus olhos. O rosto dele mudou. Ficou mais sério. Mais atento.— Você tá bem?— Não — sussurrei. — E eu não posso lidar com isso sozinha.Léo respirou fundo. Tirou o celular do bolso. Olhou pra tela. Depois pra mim.— Entra comigo. Vamos conversar em um lugar mais calmo.E foi naquele momento que eu soube: se Dante não viesse até mim, eu iria até o fim do mundo atrás dele.Porque agora… não era mais só sobre nós dois.Era sobre uma vida crescendo dentro de mim.O camarim da boate era pequeno, ab
Nos dias seguintes, Léo cumpriu sua promessa. Me levava ao médico, me ligava toda noite, me trazia comida mesmo quando eu dizia que não precisava. Era cuidadoso. Presente. Quase perfeito demais.E talvez fosse isso que começou a me incomodar.Algo no olhar dele, nos silêncios longos, nas respostas medidas… era como se ele estivesse sempre a um passo de dizer algo importante — e decidisse, no último instante, engolir a verdade.Eu não era estúpida.Tinha convivido a vida inteira com a manipulação da minha mãe. Sabia reconhecer quando alguém me dava carinho demais, na hora exata, como se tentasse anestesiar minhas perguntas.E eu tinha muitas.Por que Dante tinha sumido tão de repente? Por que não respondia? Por que o Léo sabia tanto sobre o que “ele deveria estar fazendo”, mas nunca dizia onde ele estava? Ou com quem?Na terceira noite em que dormi na casa do Léo — por insistência dele, porque segundo ele “era mais seguro” —, comecei a vasculhar em silêncio. Nada invasivo. Ainda. Apena