Acordei com a cabeça latejando e um gosto amargo na boca. Não sei se era o uísque ou o arrependimento. Talvez os dois.
O quarto do hotel era pequeno, mal iluminado e com cheiro de cigarro impregnado nas cortinas. Uma versão decadente da liberdade que eu tanto buscava. Me espreguicei na cama e tentei não pensar em Dante. Mas era inútil. A memória dele estava impressa em mim como uma tatuagem invisível — o olhar selvagem, a presença imponente, o jeito como parecia me despir com os olhos sem precisar tocar. Aquele homem não era só atraente. Ele era… hipnótico. Tentei lembrar dos detalhes. O terno escuro, perfeitamente alinhado ao corpo forte. A maneira como os outros na boate pareciam abrir caminho para ele. Ninguém se aproximava demais. Ninguém ousava questionar. E quando Léo murmurou o nome Dante com aquele respeito quase temeroso, algo em mim se acendeu. Quem diabos era ele? Me obriguei a sair da cama e encarar o dia. Uma garrafinha de água, duas aspirinas e um café preto depois, segui para a faculdade como quem caminha para o abate. Maquiagem borrada, olhos inchados e um humor de mil demônios me acompanhavam. As aulas passaram como um borrão. Tudo parecia distante, como se meu corpo estivesse presente, mas minha mente ainda dançasse sob as luzes vermelhas da Verona. Eu devia estar focada nas provas, nas leituras, na minha vida que estava desmoronando. Mas Dante… ele invadia meus pensamentos com a força de um vendaval. Tentei me convencer de que aquilo era só um delírio. Um momento de fraqueza. Só que nada nele parecia comum. Desde o modo como ele falava até a forma como os seguranças se moviam quando ele passava. Como se ele fosse mais que um cliente. Como se fosse o dono do lugar — ou pior, o tipo de homem que manda em quem é dono. Máfia. Essa palavra me atravessou como um sussurro. Ridículo, eu pensei. Mas ao mesmo tempo… fazia sentido. No fim da tarde, peguei o metrô e fui para casa com os fones nos ouvidos, tentando me isolar do mundo. Mas assim que saí da estação, dei de cara com ele. Encostado num carro preto reluzente, vestido com outro terno impecável, os braços cruzados e um cigarro aceso entre os dedos. Meus passos hesitaram. Meu coração também. — Tá me seguindo agora? — perguntei, tentando soar sarcástica, mas minha voz falhou um pouco. — Tava só passando. Ou talvez o destino me mandou — ele disse, sem tirar os olhos de mim. A voz rouca, baixa, cheia de promessas que eu fingia não entender. Ele jogou o cigarro no chão, apagou com o sapato italiano e começou a caminhar ao meu lado como se aquele fosse o lugar dele — perto de mim. — Por que você fugiu ontem? — ele perguntou, como quem pede uma explicação lógica para o inexplicável. — Fugir? Eu fui embora. Você assusta, Dante. — E você excita — ele rebateu com aquele meio sorriso que era um convite ao pecado. — Tem ideia do que aquele vestido fez comigo? Eu travei. O pior é que eu tinha. Meu corpo inteiro sentiu o impacto daquele olhar dele. — Eu não sou uma das suas fãs de terno. E não quero encrenca. Ele parou de andar. Me puxou levemente pelo braço, sem força, mas com firmeza. Um gesto que fez meu coração bater mais rápido. — Talvez você seja a minha encrenca preferida. As palavras dele me atingiram com mais força do que deveriam. Eu deveria rir, debochar, virar as costas. Mas tudo em mim queria saber mais. Saber de onde ele vinha. Por que usava terno em uma boate onde todos vestiam couro e correntes. Por que os olhos dele carregavam sombras. Ele me encarou por um segundo que pareceu uma eternidade. Como se visse além do que eu deixava mostrar. E isso me deu medo. — Você não me conhece, Dante — eu disse, tentando soar firme. — Ainda não. Mas vou. E então ele entrou no carro. O motor rugiu, e ele partiu como se tivesse acabado de marcar território. Fiquei parada ali, com o coração batendo no ritmo da máquina e a mente fervendo. Quem era aquele homem? E por que diabos eu queria tanto descobrir?O tempo passou como uma névoa espessa e pesada. Os dias se arrastaram entre a faculdade, os compromissos e a rotina que, de alguma forma, me afastava de tudo o que eu queria evitar. Ou talvez, mais precisamente, de tudo o que eu queria entender. E Dante… ele não saía da minha cabeça.Às vezes, parecia que ele me perseguia. Eu o via em todos os cantos, no modo como o vento fazia a capa do meu casaco se mover, no brilho metálico dos carros estacionados na rua, no toque sutil de alguém passando por mim, quase tocando. Ele me rondava, mas de uma forma silenciosa, quase imperceptível. E isso me deixou obcecada.Tentei seguir com minha vida. Dei a desculpa de estar ocupada para evitar sair e encontrar Léo, que, por mais simpático, não conseguia apagar a marca de Dante. Nem que eu tentasse — e tentei.Mas o universo parecia ter seus próprios planos.Foi numa terça-feira que, ao sair da faculdade, o vi novamente. No mesmo lugar, com a mesma postura. A presença dele era ainda mais imponente, m
Não consegui ficar parada depois daquilo.As palavras dele ficaram martelando na minha cabeça o resto do dia. “Isso é um convite.” E por mais que eu tentasse fingir que não, que era só charme, só provocação, alguma coisa dentro de mim já tinha decidido.Antes que o sol terminasse de se pôr, eu estava em frente à boate Verona de novo.Dessa vez, sem maquiagem borrada, sem o vestido colado. Eu estava sóbria — e talvez pela primeira vez, indo até Dante por vontade própria. Não era o uísque falando. Era eu.A fila na porta era longa, como sempre. Mas bastou o segurança me ver para que ele tirasse a corrente e deixasse que eu passasse. Senti os olhares, os cochichos. E ignorei todos.Lá dentro, a Verona parecia ainda mais surreal do que da primeira vez. Luzes vermelhas e douradas desenhavam o ambiente como se fosse um teatro do pecado. Móveis caros, gente bonita demais, champanhe borbulhando em taças de cristal e cigarros finos dançando entre dedos pintados de vermelho sangue.Léo me viu p
A mão dele ainda tocava meu rosto quando eu cedi.Talvez tenha sido o cheiro — couro, fumo e um perfume amadeirado que parecia pecado engarrafado. Talvez o jeito como ele me olhava, como se já tivesse me despido só com os olhos. Ou talvez… talvez eu só estivesse cansada de fingir que não queria.Ele não pediu permissão. Dante não era do tipo que pedia.Me puxou pela cintura, colando nossos corpos, e me beijou como se o mundo estivesse acabando. Um beijo urgente, quente, profundo. Mãos grandes segurando meu quadril, me guiando pelo corredor como se eu já fosse dele.Passamos por uma porta discreta, protegida por um segurança que apenas assentiu com a cabeça. Entramos em um corredor de madeira escura, silencioso, até uma porta dupla. Dante abriu, me empurrando gentilmente para dentro.A sala era puro poder.Móveis de couro escuro, uma estante de bebidas importadas, paredes em tons quentes. Mas o que me tirou o fôlego foi a enorme parede de vidro que dava direto para a pista de dança da
Acordei com o sol batendo no rosto e a mente em torvelinho.Ainda estava no quarto dele, na boate Verona. Enrolada nos lençóis de linho macio, com o cheiro dele impregnado em mim. No corpo. No travesseiro. No fundo da minha garganta.Dante não estava ali.Levantei, vesti minha roupa da noite anterior e caminhei devagar até a porta. Precisava sair antes que a loucura me engolisse por completo.Mas o destino, mais uma vez, tinha outros planos.No corredor, passei por uma porta entreaberta e, por curiosidade — ou burrice —, olhei pra dentro.E o que vi ali mudou tudo.Era uma sala pequena. Discreta. Um escritório secundário, talvez. Mas o que me arrepiou foi o conteúdo da mesa: pastas pretas, fotos impressas, documentos com carimbos oficiais, anotações em códigos e… meu nome.Meu nome.Tremendo, me aproximei. A pasta estava aberta. No canto superior, lia-se claramente: Helena Damasceno – Observação e Perfil.Minha garganta secou.Ali dentro, havia registros meus da faculdade, fotos minha
Cheguei em casa com o mundo girando.Minhas mãos ainda tremiam depois da conversa com minha mãe. Cada palavra dela parecia uma faca — e o nome “Bellini” ainda ecoava nos meus ouvidos como um presságio.Dante Bellini.O homem que me fez gozar contra uma parede de vidro. Que me olhava como se eu fosse a única verdade dele. Que sussurrava meu nome como se pertencesse a ele.E também o homem que, de alguma forma, estava ligado à queda do meu pai.Joguei a bolsa no sofá e fui direto para o banheiro. A água quente bateu nas minhas costas como um tapa, mas nada lavava aquela sensação de estar sendo engolida viva por um segredo maior do que eu.“Você se envolveu com a porra de um mafioso, Helena.”Saí do banho, enrolei a toalha no corpo e fui até o quarto. A escuridão me acolheu — até ser rasgada por um som que me fez parar.Uma batida na porta.Coração disparado, me aproximei da entrada devagar, pés descalços no chão gelado. Olhei pelo olho mágico.Dante.Meu corpo inteiro reagiu, mesmo cont
POV: DanteO cheiro dela ainda estava nas minhas mãos.Helena era fogo e faca. E eu, um homem que sabia brincar com a morte, mas nunca soube lidar com amor. Muito menos com a ideia de perder alguém que sequer tive por completo.Desci até a garagem do prédio dela e entrei no carro. O motorista já me esperava, com o semblante tenso.— Seu tio quer vê-lo. Agora.Fechei os olhos por um segundo. Isso não era bom.A mansão dos Bellini ficava afastada da cidade, cercada por muros altos, câmeras e segredos enterrados. Entrei no salão principal com o coração acelerado, como se minha alma soubesse que alguma coisa estava prestes a ruir.Meu tio, Salvatore Bellini, estava sentado na poltrona de couro como um rei decadente — charuto aceso, terno alinhado, olhos duros.— A gente fez um trato, Dante. Você cuida dos negócios, mas mantém o coração fora disso.— Eu sei o que tô fazendo.— Sabe? Porque parece que tá comendo uma garota que deveria ser apenas mais um nome no meio da multidão. Mas não é,
Ele sumiu.Do nada, como se tivesse evaporado da minha vida. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Nem um olhar disfarçado. Dante simplesmente… desapareceu.Nos primeiros dias, achei que era orgulho. Nos outros, comecei a duvidar do que tínhamos vivido. Será que foi tudo coisa da minha cabeça? Só mais um jogo dele?Tentei não pensar, me joguei nos estudos, nos compromissos. Mas era impossível. Ele estava em cada música, em cada esquina, em cada gole de vinho que eu tentava usar pra enganar o vazio.E, como se o universo quisesse me castigar de vez, minha mãe apareceu na minha porta numa tarde qualquer, com um sorriso de falsa serenidade e uma proposta absurda.— Arthur sente sua falta, querida. Vocês poderiam jantar. Nada demais. Só conversar, matar a saudade…Quase ri.— Arthur? Depois de tudo?— Ele errou, mas é um bom partido. Conhecido da família, advogado de carreira promissora. Muito melhor do que…— Do que quem, mãe?Ela hesitou. Mas eu percebi. Ela sabia. Ou desconfiava.— Você n
Léo me viu antes que eu o chamasse. Estava encostado no balcão, como sempre, com aquele jeito relaxado que escondia mais do que mostrava.— Helena? — perguntou, surpreso, ao me ver. — Tá tudo bem?— Eu preciso falar com o Dante.Ele franziu a testa.— Ele não tá vindo aqui ultimamente.— Você sabe onde ele tá?— A gente não tem andado muito próximo.— Por favor, Léo — minha voz saiu falha, carregada de desespero contido. — É importante.Ele me olhou como se finalmente percebesse a urgência nos meus olhos. O rosto dele mudou. Ficou mais sério. Mais atento.— Você tá bem?— Não — sussurrei. — E eu não posso lidar com isso sozinha.Léo respirou fundo. Tirou o celular do bolso. Olhou pra tela. Depois pra mim.— Entra comigo. Vamos conversar em um lugar mais calmo.E foi naquele momento que eu soube: se Dante não viesse até mim, eu iria até o fim do mundo atrás dele.Porque agora… não era mais só sobre nós dois.Era sobre uma vida crescendo dentro de mim.O camarim da boate era pequeno, ab