Pov Dante:
Entrei no Café Lótus de forma improvável as 10:30 da manhã. Não costumo frequentar lugares assim sem agenda definida, mas Sarah insistiu. Sarah Ortega, irmã de Alessandro, minha prima. Para todos, ela utiliza o nome Ortega. Nunca Bellucci. ela Preferiu o sobrenome do marido, por estratégia e orgulho. Uma mulher elegante, precisa, atenta às brechas que outros não enxergam. Estava inquieta quando me chamou para resolver pendências do Instituto, e alinhar contratos . Aceitei. afinal Sarah raramente sugere sem intenção. O Lótus tinha cheiro de canela e café fresco, mesas de madeira polida, estantes de livros que tentavam parecer acolhimento, mas que para mim eram apenas cenário. Elegante, admito. Eu Falava em italiano com dois investidores ao telefone. Meu tom era baixo, firme, cada palavra no ritmo exato. Não se negocia com hesitação. Foi então que a vi. Uma menina mulher. Talvez nem vinte anos. Cabelos negros longos, amarados em um rabo de cavalo até a cintura. Carregava uma bandeja como se fosse pesada demais. Calça social preta, simples nehuma marca de luxo, justa nos tornozelos; blusa branca larga demais, aparentava dois números acima, como se tivesse sido emprestada por alguma funcionaria mais velha, ela possuia Olheiras profundas que marcavam a pele clara. O corpo parecia leve demais como se tivesse 10kg a menos do habitual. Mas não foram as feições que me prenderam. Foram os olhos de um tom Azul-acinzentado. Que transmitiam uma tristeza profunda de quem observa o mundo com medo de existir. Meu olhar ficou preso um segundo a mais do que deveria. Ela desviou os olhos depressa, como se tivesse sido pega em falta. Como se pedisse desculpas por respirar. Intrigante. _ falei comigo mesmo. Voltei à ligação. Finalizei a negociação com os investidores, mas metade da minha atenção ficou naquela figura franzina que se movia pelo salão com passos contidos. Uma presença que parecia menor do que realmente era. Sarah chegou pontual, perfume discreto, vestido de alfaiataria que moldava o corpo com precisão. Cumprimentamo-nos em italiano. Ela se acomodou, observando por trás dos óculos finos. — Non è un caso che tu abbia scelto questo posto? — perguntei, arqueando a sobrancelha. Não é por acaso que você escolheu este lugar? Ela sorriu de lado. — É discreto. E tem boas referências. Além disso… — Sarah deixou a frase suspensa e lançou um olhar rápido para a garçonete. — A garota daqui me atende sempre bem. Segui o olhar dela. A menina alinhava pratos no balcão. Quase deixou um cair. Uma mulher que diria parecer a proprietária a observava em silêncio, preocupada. — Ésomente esse o motivo ? — perguntei, ainda em italiano. — Ela é o Diferencial da cafeteria, atende com um carinho e eficiencia oque é dificil hoje em dia. — Sarah apoiou o queixo na mão. Não falamos mais sobre isso. Voltamos a Falar sobre relatórios do Instituto Bellucci, sobre parcerias para ampliar leitos de UTI neonatal, sobre políticos corruptos tentando atravancar nosso projeto. Assenti, anotei mentalmente os pontos. Mas, no canto da visão, a menina continuava se movendo. Discreta. Sempre com aquela aura de quem não sabe se deve se encolher ou explodir. Quando trouxe meu expresso, sua voz saiu baixa, quase trêmula: — Aqui está. Colocou a xícara diante de mim como se fosse ritual. Depois anotou o pedido de Sarah e trouxe minutos depois. Observei-a mais de perto. O fio de cabelo caído sobre a face. A pele clara demais. A juventude que parecia ao mesmo tempo frágil e teimosa. Ela aparentava ser jovem, mas os ombros eram cansados. Nossos olhares se cruzaram. e Segundos. Bastaram para perceber: aqueles olhos queimavam, mesmo tentando se esconder. Ela virou depressa, corando. Eu ergui a sobrancelha, curioso. — Vede? — murmurou Sarah, discreta. Você viu? Não fiquei ali por muito tempo. A Torre Arcturus me esperava, com relatórios e prazos que não perdoam. À noite, já no escritório, revisei números. Tudo sob controle. tudo com total perfeição, naõ aceito menos que isso de quem trabalha pra mim.Mas, em meio às planilhas, uma distração improvável: a lembrança de uma blusa larga demais. De olhos que não sabiam se pertenciam ao mundo ou não me fizeram pegar uma copo de whisky Macallan de 72 anos, o liquido desceu queimando a minha garganta. Não me permito distrações. Não costumo olhar duas vezes. Mas, por algum motivo, olhei. Na terça-feira seguinte, me peguei voltando ao café. Pedi um Expresso , sem açúcar. O mesmo. e paraser sincero não faço a menor ideia do motivo que fui lá. Na quinta, viajei à Itália para algumas reuniões de negócios, expansão da Belluci e claro para visitar meus pais, mamãe infataria se soube-se que fui lá e não passei nehum dia com ela. Quando regressei, soube que haveria uma seleção para novas estagiárias no Instituto Bellucci. Não costumo me envolver nesse nível o RH cuida de tudo, os diretores avaliam. Mas um nome na lista de inscritos chamou minha atenção. Cecília Clara Duarte. Não sei por quê. Talvez os olhos. Talvez o modo como segurava uma bandeja pesada demais. Talvez a fragilidade que escondia algo ainda não revelado. Mas, quando vi aquele nome, decidi: eu mesmo a entrevistaria. Como eu sabia o nome dela? Bem. Eu pesquisei. Quando alguém me chama a atenção , eu descubro quem é. Sempre. É assim que mantenho o controle, é assim que sobrevivi. O currículo estava diante de mim. Cecília Clara Duarte. Li duas vezes. Três. E a verdade era simples: não havia nada ali que justificasse a presença dela em um processo do Instituto. Não era um currículo que passaria da triagem do RH. Dezenove anos. Sem grandes feitos. Sem grandes cursos. Experiência? Atendimento ao cliente em um café . E, mesmo assim… Mesmo assim, pedi ao RH que a chamasse para a entrevista. E eu, pessoalmente, a entrevistaria. Não era lógico. Não era racional. Mas eu não ignoro instintos. Não me envolvo com mulheres. Não mais. Diferente de Alessandro, meu primo e amigo, mulherengo assumido, eu aprendi cedo de mais que distrações custam caro. Depois de Dalia, então… não. O assunto não existia para mim. Mulher não estava nos meus planos, nem em meus cálculos. O que faço, construo sozinho. O que conquistei, ninguém tira. O nome Bellucci carrega poder porque eu o reconstruí com sangue, disciplina . E, ainda assim, a imagem daquela garota de olhos acinzentados atravessava minhas barreiras como lâmina invisível. Minha casa é um reflexo do que sou. A mansão fica no alto da Baía Serena, atrás de portões de ferro forjado que se abrem apenas pelo reconhecimento biométrico. Fachada em linhas retas, vidros amplos refletindo o mar e a luz da cidade. Tudo discreto, mas imponente. Por dentro, tons neutros. Mármore no hall de entrada. Escadas largas. Silêncio absoluto, quebrado apenas pelo som do mar ao longe. Meu quarto é um templo de ordem. Cama king size centralizada, lençóis de algodão egípcio 1000 fios em branco e cinza. As almofadas estão sempre no mesmo ângulo. O closet, organizado por cores e estações, sem uma peça fora do lugar. No criado-mudo, apenas um relógio e um livro de capa preta sobre finanças. Tons neutros: cinza, preto, branco. Nada de excessos. É aqui que descanso, quando descanso. É aqui que observo a cidade pelas janelas de vidro do piso ao teto. Veridiana inteira parece se curvar lá de baixo. Os arranha-céus, as luzes do porto, as sombras do Centro Velho. Tudo sob minha visão. Tudo sob meu controle. Tudo… menos a lembrança dos olhos dela. Olhos azul-acinzentados, que não pediam nada, mas imploravam por algo que nem sabiam nomear. E, contra todo o meu método, decidi: eu os veria de novo. Na sala de entrevistas do Instituto Bellucci. O sonho era vívido, quase real. Senti o calor daquele corpo esguio sob o meu, a pele fina e macia que parecia feita para ser descoberta, ser tocada. Meus dedos se enredaram nos cabelos longos, puxando-os levemente, no compasso da respiração ofegante que escapava em gemidos suaves. Ela se arqueava em meus braços como se pertencesse a mim, como se todo o desejo que nos unia fosse inevitável. O perfume doce, misturado ao arrepio que percorreu sua pele quando toquei sua vulva, acendeu em mim uma fome antiga, primitiva. O tempo parecia suspenso apenas o som dos nossos corpos, o ritmo entre força e entrega, preenchia o espaço entre nos. E, naquele instante, não havia nada além dela. acordei suado, eu tive a porra de um sonho erotico com uma garçonete.