José Carlos (Zeca)Nunca pensei que fosse chegar nesse ponto. Quando aceitei aquele dinheiro sujo, achei que era apenas mais um serviço como tantos outros. Cortar os freios, ele disse. Rápido, silencioso. Pareceria um acidente. E por uma quantia absurda como aquela, eu não pensei duas vezes.Mas agora, andando apressado pelo saguão do aeroporto, com o suor escorrendo pela minha nuca, tudo parecia diferente. Cada olhar atravessado, cada passo apressado atrás de mim, me fazia sentir como um animal prestes a ser capturado.Eu sabia que tinham descoberto. Ou estavam perto. A notícia sobre o carro do tal Alexandre não ter sido fatal me destruiu. O motorista sobreviveu. E se ele falasse? E se ele lembrasse de algo? E se ligassem os pontos?Tentei apagar os rastros. Queimei os recibos, deletei mensagens, joguei o celular fora. Mas a polícia é esperta, ainda mais quando o sujeito é rico e influente como aquele homem. E agora, eu era a presa.Tudo começou quando eu entrei em um cyber café na z
José Carlos (Zeca)A sala de interrogatório era fria, sem janelas, com uma luz branca que doía nos olhos. Estava algemado a uma cadeira de metal, e dois policiais estavam de pé à minha frente. Um deles, o delegado, tinha os braços cruzados e me olhava como se já soubesse tudo que precisava saber. O outro, mais jovem, apenas observava.— Muito bem, José Carlos. Ou prefere que a gente te chame de Zeca? — o delegado perguntou, sentando na cadeira de frente para mim.Eu não respondi. Apenas encarei a mesa, tentando não mostrar o medo que já consumia cada parte do meu corpo.— Você sabe por que está aqui, né? Tentativa de homicídio. O carro de Alexandre Costa. Freios cortados. Quase matou o motorista. Mas você sabe disso.— Eu não sei do que tão falando, não. — murmurei, mantendo a voz firme, apesar da garganta seca.O delegado soltou uma risada seca e bateu uma pasta sobre a mesa. Abriu e puxou várias folhas. Fotos. Câmeras da oficina. Meu rosto. Meus movimentos. A prova do que eu tinha f
Inspetor RodrigoHá casos que, desde o início, a gente sente que têm mais por trás. O acidente com o carro de Alexandre Costa não era um acidente comum, e o que começou como uma simples investigação de falha mecânica se tornou uma tentativa de homicídio meticulosamente planejada. E agora, era pessoal.Depois de interrogar o mecânico José Carlos — conhecido como Zeca — e ver que ele estava tentando segurar a bronca sozinho, decidi fazer o que sei fazer melhor: ir até a rua da oficina e procurar por olhos que não piscam — as câmeras.Cheguei na rua em que a oficina estava instalada no final da manhã. O sol batia forte no asfalto, e a rua estava relativamente tranquila. Caminhei devagar, observando a fachada dos comércios ao redor. Padaria, papelaria, uma farmácia… e ali, logo em frente à oficina, um mercadinho de bairro com uma câmera bem posicionada.Entrei.— Bom dia. Sou o inspetor Rodrigo. Estou investigando um caso de tentativa de homicídio. O senhor teria como me ajudar com as fil
AugustoUma semana. Foi o tempo que levei para ver meu império desmoronar. Uma semana desde que o plano falhou, desde que Alexandre não morreu como deveria. Desde que aquele maldito mecânico foi preso. E agora, eu sentia o cerco se fechando.Nos primeiros dias, tentei manter a rotina. Fingia que nada estava acontecendo. Fui para a empresa, almocei com Luiza, fingi sorrisos, fiz telefonemas. Mas por dentro, cada segundo era uma tortura. Porque eu sabia. Sabia que era uma questão de tempo.Eles estavam investigando. Eu percebi. Um dos seguranças da empresa comentou que policiais têm aparecido com mais frequência, perguntando sobre Alexandre, sobre a família, sobre a estrutura interna da Costa. O nome do Lucas foi puxado. O do Júlio também. E com isso, a ligação começou a ser desenhada.Foi quando percebi que o fim estava perto. Zeca deve ter aberto a boca. Maldito.Na manhã do oitavo dia, eu ainda estava na cama, Luiza dormia ao meu lado quando ouvi a campainha tocar. O som foi seco, in
LuizaO grito saiu da minha garganta como um rugido. A sala estava em silêncio até o momento em que o vaso que estava sobre a mesa voou contra a parede e se espatifou. Eu não conseguia controlar a raiva, o ódio fervendo no meu peito. Cada passo meu pela sala era um ataque contra os móveis. Joguei livros no chão, empurrei a cadeira, que bateu contra a estante. O som de vidro quebrando foi música para minha fúria.— Incompetente! — gritei. — Ele foi incompetente! Eu só queria que ele matasse o meu irmão! Era simples, rápido, sem rastros! Mas não... aquele idiota deixou provas, deixou rastro por onde passou. E agora... agora ele tá preso. PRESO!Meus olhos ardiam. Peguei a garrafa de vinho que estava em cima do aparador e arremessei contra a parede. Os cacos se espalharam pelo chão.— E a desgraçada da Lara continua viva... o Alexandre também... e eu aqui! Tendo que limpar a bagunça que aquele inútil fez.Sentei no sofá, com os ombros tremendo de raiva. Cruzei os braços, fechei os olhos
AugustoA delegacia cheirava a mofo e tensão acumulada. As paredes manchadas, o som distante de outros detentos sendo conduzidos pelos corredores, e o tilintar das algemas que pesavam nos meus pulsos criavam uma atmosfera que faria qualquer um perder o equilíbrio. Mas eu não era qualquer um. Mesmo algemado, mesmo com o suor escorrendo pelas costas sob a camisa cara, eu mantinha a postura de quem sabia exatamente o que estava fazendo. Ou pelo menos fingia que sabia.Fui conduzido até uma sala pequena e abafada. Um ventilador de teto girava lento, empurrando o ar quente de um lado para o outro. Me fizeram sentar numa cadeira de ferro, algemado à mesa. O delegado Rodrigo me observava com olhos de quem já tinha decidido o meu destino. Ao lado dele, dois investigadores, com pranchetas em mãos e olhares famintos por uma confissão.Meu advogado, o doutor Mauro, entrou logo em seguida. Ajeitou o terno e se sentou ao meu lado. Trocamos um olhar breve. Ele sabia que a situação era grave, mas ai
LaraA notícia da prisão de Augusto chegou como um trovão no meio de uma tarde abafada. Eu estava sentada na varanda com uma xícara de chá morno entre as mãos, tentando controlar os batimentos acelerados do meu coração, quando Alexandre entrou apressado com o celular ainda na mão e o olhar fixo em mim.— Eles prenderam o Augusto. Agora é oficial. Prisão preventiva decretada. Tentativa de homicídio. — Ele parecia calmo, mas eu o conhecia o suficiente para saber que aquela tranquilidade era a camada superficial. Por dentro, ele estava em ebulição.Coloquei a xícara sobre a mesinha de ferro ao meu lado e levei a mão à minha barriga, como se o toque pudesse proteger o que eu carregava dentro de mim daquele mundo de ameaças e incertezas. O gesto, ultimamente, vinha de forma automática. Sempre que o medo surgia, eu buscava o calor que vinha da nova vida crescendo ali.— Eu sabia... — murmurei, tentando engolir o gosto amargo da confirmação. — Eu sabia que ele estava por trás disso. E a Luiz
AlexandreEra fim de tarde quando ouvi a campainha tocar. Estávamos em casa, e Lara havia acabado de deitar um pouco. Ela andava mais cansada nesses últimos dias, o que era esperado pela gravidez. Levantei do sofá, com o coração já adivinhando quem estava do outro lado da porta. Quando abri, vi meus pais: Alfredo e Beatriz.Ambos estavam com semblantes pesados, cansados, e até abatidos. Meu pai, sempre tão firme, estava com as rugas mais profundas, e minha mãe... ela parecia ter chorado no caminho. Deixei-os entrar imediatamente.— Entrem, por favor. A Lara está descansando.Nos sentamos na sala. O silêncio entre nós durou alguns segundos, aquele tipo de silêncio que carrega o peso do que ainda vai ser dito. Beatriz foi a primeira a falar, com a voz embargada:— Filho... você acha mesmo que o Augusto fez isso com você?Eu respirei fundo. Era uma pergunta que eu sabia que viria. E, sinceramente, não era fácil responder, não por dúvidas, mas por tristeza. Porque a verdade é dolorosa qua