Maria encontrou refúgio onde sempre encontrava: no silêncio da Galeria Maliki. O espaço, financiado por sua família há gerações, era um santuário de arte e história, e o único lugar em Komodo onde ela se sentia inteiramente ela mesma. O cheiro de óleo sobre tela e madeira antiga era o seu verdadeiro perfume de casa.
Ela parou diante de uma pintura da era vitoriana. Uma mulher de vestido escuro olhava de seu retrato com uma expressão indecifrável, os lábios quase formando um sorriso, mas os olhos cheios de uma melancolia profunda. Presa em uma moldura dourada para sempre. Maria sentiu uma afinidade imediata com ela.
"Conversando com os fantasmas de novo, amiga?"
A voz de Lúcia, sua melhor amiga desde a infância, a tirou de seu devaneio. Lúcia era o oposto de Maria: seu cabelo era um corte curto e moderno, suas roupas eram vibrantes e ela carregava uma energia que parecia imune à melancolia crônica de Komodo.
"Este fantasma, em particular, me entende", respondeu Maria, com um sorriso fraco.
"O encontro. Foi tão ruim assim?", Lúcia perguntou, parando ao seu lado. Ela não precisava de detalhes; conhecia a história toda, cada capítulo doloroso.
"Foi uma negociação. Fria, eficiente e humilhante. Ele deixou claro que aquilo é apenas o cumprimento de um contrato." Maria suspirou, finalmente deixando a fachada de força vacilar. "O pior, Lu, é que eu vi nos olhos dele. O ódio ainda está lá, tão vivo quanto há dez anos."
"Não é ódio, Maria. É veneno. Helena o envenenou, e ele nunca procurou o antídoto", disse Lúcia, sua voz firme. "O que eu não entendo é por que você está permitindo isso. A herdeira dos Maliki não é uma donzela indefesa. Você poderia lutar contra esse acordo."
Maria se virou, encarando a amiga. "Lutar contra meu pai? Contra o conselho? Seria uma guerra que destruiria nossa família por dentro. Às vezes, o sacrifício é a única jogada estratégica possível. É meu dever."
"Dever ou uma desculpa?", Lúcia pressionou gentilmente. "Uma parte de você não espera que, ao ficar perto dele, ele finalmente veja a verdade? Que o Calleb que você amou ainda está lá, em algum lugar?"
A pergunta atingiu Maria como um soco. Antes que pudesse responder, seu celular vibrou dentro da bolsa. Uma mensagem de um número desconhecido.
Prezada Sra. Maliki,
Confirmamos sua presença, junto ao Sr. Calleb, no Gala Beneficente do Instituto Komodo no próximo sábado, às 20h. Este será vosso segundo encontro oficial. Traje a rigor.
Atenciosamente, Assessoria da Família Alcântara.
Era impessoal, corporativo. Outra cláusula do contrato. Outro ato da peça. Maria sentiu o sangue gelar. Um evento público. Dezenas de fotógrafos, toda a alta sociedade de Komodo observando cada gesto, cada sorriso forçado.
Ela mostrou o celular para Lúcia, cujo rosto se transformou em uma máscara de indignação. "Eles vão te exibir como um troféu?"
Maria guardou o celular, a coluna ereta, uma nova determinação endurecendo seu olhar. A mulher na pintura parecia observá-la com cumplicidade. Ela não podia lutar contra o casamento, não agora. Mas ela não seria uma vítima passiva em sua própria tragédia.
"Sim", respondeu Maria, a voz baixa e cortante. "Eles vão. Então, é melhor eu estar impecável." Ela se virou para Lúcia, um brilho perigoso nos olhos. "Se é um espetáculo que eles querem, Lúcia, eu lhes darei uma performance inesquecível.