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Capítulo 6 – A Substituição

A semana começou com um peso estranho no ar. Helena percebeu logo ao chegar: a postura do chefe estava diferente, quase calculada, como se carregasse uma decisão já tomada. No fundo, ela já pressentia que algo não estava bem desde a última conversa.

Na reunião de equipe, o Sr. Artur pigarreou antes de falar.

— Temos muito trabalho pela frente e as metas precisam ser cumpridas sem margem para erros. Pensando nisso, decidi que vamos ajustar a distribuição de funções.

Helena cruzou os dedos em silêncio, tentando não se inquietar.

— Adriano — continuou Artur —, você terá o apoio da Lígia daqui em diante. Acredito que sua experiência técnica vai agregar bastante neste momento do projeto. Helena, você ficará responsável por outras demandas do setor, igualmente importantes.

As palavras foram ditas de maneira neutra, mas caíram sobre ela como um soco. O coração disparou, e Helena se esforçou para manter o rosto sereno. Sabia que todos na sala a observavam.

Lígia, elegante como sempre, com seu cabelo perfeitamente alinhado e um perfume marcante que preenchia o ambiente, sorriu ao receber a incumbência.

— Claro, Sr. Artur. Farei o meu melhor.

Helena forçou um aceno de cabeça, como se estivesse de acordo, mas por dentro sentiu-se descartada. Não era apenas a questão profissional: era a proximidade com Adriano que estava sendo arrancada dela, de forma cirúrgica.

Quando a reunião terminou, Adriano se aproximou rapidamente.

— Isso não faz sentido. — disse baixo, quase num sussurro. — Você domina esses processos melhor do que qualquer um.

Helena deu de ombros, tentando evitar que sua voz saísse embargada.

— Ordens do chefe. O que eu posso fazer?

Adriano parecia indignado, mas contido. Sabia que um enfrentamento direto poderia piorar a situação para ambos.

— Não é justo. — insistiu. — Eu vou conversar com ele.

— Não. — Helena o interrompeu, firme. — Não faça isso. Vai parecer que eu dependo de você.

Ele hesitou, mas o olhar dele dizia tudo: não aceitava aquela mudança, ainda que fosse obrigado a engolir.

--

Os dias seguintes foram uma tortura silenciosa. Helena se via mergulhada em tarefas burocráticas, relatórios frios e reuniões menores, sem brilho. Enquanto isso, Adriano passava horas ao lado de Lígia, discutindo estratégias, analisando dados, rindo de comentários ocasionais.

De sua mesa, Helena observava sem querer — ou querendo demais. O jeito como Lígia se inclinava levemente para perto dele, a forma como tocava a tela do notebook ao explicar algo, até a autoconfiança com que expunha suas ideias.

Cada detalhe parecia uma ameaça.

No fundo, ela sabia que Lígia era competente. Ambiciosa, articulada, acostumada a buscar visibilidade. Exatamente o tipo de pessoa que Artur valorizava.

Helena, ao contrário, sentia-se cada vez mais invisível.

Na terceira noite daquela semana, ao colocar o filho para dormir, seu coração apertou. O pequeno pediu para que ela ficasse mais alguns minutos ao lado, e Helena o observou respirar tranquilamente, sentindo-se dividida entre a ternura e a dor. “Será que é isso que vou ser para sempre?”, pensou. “A mulher esquecida, a profissional deslocada, a esposa de um casamento morto?”

Mas, inevitavelmente, a imagem de Adriano surgia. E junto dela, uma chama incômoda: o ciúme.

---

Na sexta-feira, ao fim do expediente, Adriano apareceu de surpresa ao lado de sua mesa.

— Posso falar com você um instante?

Helena assentiu, e os dois foram até uma sala vazia.

— Não estou gostando disso. — Adriano começou, nervoso. — Sei que o Artur acha que precisa da Lígia, mas… a verdade é que ninguém trabalha comigo como você.

Helena desviou os olhos, tentando disfarçar o impacto daquelas palavras.

— Você está indo bem com ela. Eu vejo.

— Não é a mesma coisa. — A voz dele saiu firme, quase carregada de emoção. — Com você, existe sintonia. Eu penso e você já entendeu. Eu começo uma frase e você completa.

Helena mordeu o lábio inferior, lutando contra a onda de sentimentos que ameaçava transbordar.

— Talvez seja exatamente por isso que ele nos separou.

Adriano ficou em silêncio por um momento, encarando-a. Seus olhos claros tinham um brilho que a deixava exposta demais.

— Helena, você sente isso também, não sente?

Ela fechou os olhos, respirando fundo. O espaço parecia pequeno demais para conter tudo o que se passava entre eles.

— Eu não deveria. — murmurou, finalmente. — Mas sinto.

A confissão pairou no ar como uma faísca prestes a incendiar tudo.

Antes que pudesse continuar, alguém bateu à porta: era Lígia, com seu sorriso educado.

— Desculpem, não sabia que estavam ocupados. Adriano, temos que finalizar os relatórios ainda hoje.

Ele piscou para Helena discretamente, como se pedisse desculpas, e saiu.

Helena ficou sozinha na sala, o coração disparado, a sensação de vazio tomando conta.

Naquela noite, em casa, Helena se sentou diante do notebook. Abriu um documento em branco e começou a escrever, sem intenção de enviar, apenas para desabafar.

“Hoje percebi que posso ser substituída a qualquer momento. No trabalho, em casa, na vida. Mas, ao mesmo tempo, percebi que há alguém que me enxerga, que sente minha ausência. Adriano é isso: o olhar que me devolve ao mundo. Só não sei por quanto tempo esse olhar vai resistir.”

Fechou o computador antes que as lágrimas caíssem sobre o teclado.

Na cama, ao lado do marido indiferente, imaginou Adriano voltando para casa depois de mais um dia com Lígia. E, contra sua vontade, uma pergunta dolorosa surgiu: será que Lígia também enxergava nele o que ela via?

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