Maicon Jhequison, vulgo MJ…
Destruído… miseravelmente fraco. O corpo tremia como se estivesse à beira de um colapso, mas a raiva… ah, a raiva me mantinha de pé. O buraco onde eu estava enfiado era um inferno fétido, cheiro de esgoto, metal enferrujado e sangue velho grudado nas paredes. Eu odiava cada centímetro daquele lugar. Mas o que realmente me deixava puto não era o fedor, e sim a maldita tontura que me fazia ver tudo girar, me sentindo como um covarde à beira do desmaio. Eu só conseguia pensar no Jabá. Quando eu devolvesse a visita, ele ia implorar para morrer. Ia sentir dor, muita dor. Dor suficiente para nunca mais ousar pronunciar meu nome. E, se alguém pensava que eu era fraco, que meu morro estava à venda, ia aprender do pior jeito que MJ não cai fácil. Puxei a mala de cima do armário. As armas lá dentro eram pesadas demais para o meu corpo ardendo em febre, e o impacto no chão ecoou como um trovão. Foi o suficiente para o Zé aparecer, atravessando o biombo feito urubu atrás de carniça, fingindo ser o “pai” preocupado. — Porra, Maicon! Se tu insistir nessa merda, o Quenedi vai ficar puto… e o pior, puto comigo — falou, apontando pra si como se fosse o centro do universo. — Teu irmão falou que não era pra deixar você sair. — JQ, assim como você, não manda em porra nenhuma aqui… muito menos em mim — cuspi, com a voz rouca. — Você foi costurado por uma açougueira, caralho! Olha pra você… febre, dor… vai acabar indo pro saco! Para de ser teimoso! Virei o rosto e o ignorei. Acoplei o kit rajada na 380, sentindo o peso familiar da peça na minha mão. Aquilo me dava mais firmeza do que qualquer palavra. — Filho… — ele disse, calmo demais. Aquilo me irritava profundamente. — Vou ter que avisar o seu mano. — Abre a boca e eu te apago, Zé. Foda-se a promessa que fiz pra minha mãe. Te deixo tão furado que nem vão conseguir abrir teu caixão. Ele engoliu seco, o medo estampado na cara. Saiu do caminho. Eu caminhei pelo corredor fedido, cada passo fazendo a ferida no meu abdômen pulsar e minha visão borrar. O sangue já começava a esquentar minha bermuda. Subi as escadas metálicas, empurrei o alçapão com a cabeça e me arrastei pra fora, sentindo o ar abafado da mata me encher os pulmões. À direita, camuflada por galhos, estava a moto. Arranquei a vegetação de cima dela, subi e parti. O motor rugia, mas cada solavanco da rua fazia minha barriga latejar como se fosse explodir. O cafofo da favela surgiu diante de mim. Um ninho de putaria, droga e ego inflado. Subi os degraus tortos, sentindo as pernas falharem. O proibidão batia tão alto que parecia querer rachar meu crânio. Entrei. Nenhum vigia na porta. Erro fatal. Fui direto pro quarto… e o que vi fez meu sangue ferver. Bochecha Rosa, aquele lixo humano, estava pelado, socando a Victória como se ela fosse um objeto, enquanto os outros a prendiam e empurravam um doce na boca dela. A loiruda lutava, tentava cuspir, os cabelos bagunçados caindo sobre o rosto molhado de lágrimas. — Soltem ela! — minha voz mal saía, e o som ensurdecedor engolia minhas palavras. — Parem com essa porra! Nada. Cães no cio. A música abafava os gritos dela. Meu corpo vacilava, mas minha mão encontrou o peso da arma. A visão se estreitava, mas eu sabia exatamente onde mirar. Firmei a 380. E então, sem dó… larguei o aço. O primeiro tiro estourou o saco do Bochecha Ross. Ele caiu urrando como um porco sendo degolado. O segundo, o terceiro, o quarto… o quarto foi na cabeça de um dos que segurava a Victória, a parede atrás dele recebeu um jato quente de sangue e pedaços de miolo. Outro levou no peito, voando pra trás, derrubando a mesa. O cheiro de pólvora tomou o ar. O som da música se misturou aos gritos. Victória tropeçou pra trás, ofegante, se apoiando na parede. Enfiou o dedo na garganta, forçando o vômito, cuspindo tudo o que podia da droga que fora forçada a tomar. Atirei na caixa de som. O silêncio que veio depois parecia gritar mais alto que o funk. Me deixei escorregar até o chão. O mundo começava a sumir. A voz dela… suave, mas trêmula, chegou até mim como um fio de luz: — Maicon… fica comigo… eu vou cuidar de você. A mão dela pressionava minha ferida com força, enquanto a outra tocava meu rosto. O calor dela afastava o frio que me tomava. — Você salvou minha vida… eu vou salvar a sua também. Só fica acordado… por favor. O toque dela era um paradoxo, delicado, mas firme. Eu encarei aqueles olhos claros, tentando entender se era real ou um delírio. Passei o polegar pelos lábios dela, ainda com gosto de sangue e vômito… e então tudo ficou preto.