Mundo ficciónIniciar sesiónP.O.V André
Eu nunca fui de me perder em festas. Sempre gostei de observar de longe, um copo de whisky na mão, a música preenchendo o ambiente enquanto eu analisava as pessoas como se fossem personagens de uma peça. A maioria seguia um roteiro previsível: risadas altas, corpos embriagados, olhares que buscavam validação. Mas naquela noite, algo quebrou a rotina. Ela. Não sabia o nome ainda, mas a vi assim que entrou, com aquele vestido que parecia feito para provocar meus instintos mais primitivos. Não era apenas beleza, havia muitas mulheres bonitas ali. Era a energia dela. Uma mistura de inocência com algo latente, como se estivesse descobrindo o próprio poder e ainda assim não soubesse a força que tinha sobre os outros. Fingi indiferença no início, mas quando nossos olhares se cruzaram, senti o impacto direto, físico. O mundo ao redor pareceu se dissolver, e tudo o que restava era aquela garota me desafiando sem sequer perceber. Conversei com algumas pessoas, mantive as aparências, mas a cada vez que a via dançar, rir ou simplesmente passar perto de mim, meu autocontrole diminuía. Eu sabia que se não tomasse uma atitude, iria embora me arrependendo amargamente. E quando finalmente a puxei para perto, o toque da pele dela contra a minha foi como eletricidade. O beijo… Deus, aquele beijo. Não era de alguém que apenas queria se divertir, era de alguém que estava pronta para incendiar qualquer homem que ousasse chegar perto. Eu não costumo me envolver. Gosto do controle, da racionalidade. Mas naquela noite, ela me arrancou de qualquer lógica. E no quarto, entre gemidos abafados e respirações entrecortadas, percebi que não seria apenas mais uma. Havia uma conexão brutal, inexplicável, quase perigosa. Tive certeza de uma coisa quando ela adormeceu exausta em meus braços: eu não esqueceria aquela garota. Nunca. Acordei antes dela. Gosto do silêncio da manhã, da sensação de ter o controle das primeiras horas do dia. Mas quando abri os olhos e a vi ainda adormecida, os cabelos espalhados no travesseiro, os lábios entreabertos, percebi que não havia nada em meu controle. Meu corpo reagiu de imediato, lembrando cada detalhe da noite. O calor da pele dela, os gemidos abafados contra meu pescoço, a maneira como se entregou sem reservas. Uma mistura de pureza e ousadia que raramente encontro em mulheres da minha idade. Passei os olhos pelo quarto, tentando me convencer de que havia sido só mais uma noite. Que eu poderia levantar, tomar um banho frio, preparar meu café e seguir a vida como sempre fiz. Mas a realidade era outra: aquela garota tinha entrado na minha mente como uma tatuagem em brasa, impossível de apagar. Levantei devagar, evitando acordá-la. Havia uma parte de mim que queria deixar um bilhete, escrever meu número, oferecer um reencontro. Mas a parte racional, a que sempre me protegeu de encrencas, me lembrava que envolvimento emocional é fraqueza. Então fui até o banheiro, vesti a camisa, peguei minhas chaves e saí, mas ao chegar no quarto a vi sentada na beira da cama, abotoando as sandálias. Perguntei onde poderia deixa-la, ela pediu que a deixasse no centro, claro que ela não queria que eu soubesse seu endereço, justo ela que não queria que dissesse nossos nomes. Após a nossa despedida dolorosa, mesmo sem expressar em palavras, havia a dor da saudade daquilo que não pode ser vivido, eu queria mais, ela também, mas respeitei nosso acordo, seria apenas uma noite, sem nomes, sem pressão, sem sentimentos. Então após ela descer do carro, parti dali, sem olhar para trás. Ou, pelo menos, tentando. A cada passo no corredor do prédio, a imagem dela se reconstituía na minha mente. O sorriso entre um beijo e outro. O olhar inocente que, ao mesmo tempo, me desafiava a dominá-la ainda mais. Eu já sabia: aquilo não ia passar. Pensei que seria simples. Uma noite. Um corpo que eu nunca esqueceria, mas que ficaria preso ao passado. Eu me enganei. Porque mesmo no café da manhã, no trânsito até a universidade, na reunião antes de me apresentar como o novo professor dali, em cada maldito intervalo daquela manhã, a lembrança dela voltava como uma obsessão. A garota sem nome... Aquela garota me perseguia sem esforço algum. Entrei na sala com a pasta de anotações em mãos, já preparado para a costumeira mistura de expectativa e desinteresse que sempre encontrava em turmas novas. Alguns alunos ajeitavam cadernos, outros digitavam no celular sem o menor pudor. O burburinho era normal… até que um detalhe me atingiu de forma brutal. No meio das carteiras, a poucos metros de mim, vi algo que me roubou o ar: um cabelo negro, longo, brilhante, solto sobre os ombros, mas inconfundível. Meu corpo reagiu antes mesmo que minha mente pudesse raciocinar. Um choque atravessou meu peito. “Não pode ser…” pensei, tentando desviar os olhos, convencido de que estava sendo paranoico. Desde que a deixei no centro da cidade, eu via aquela mulher em todo lugar, nas esquinas movimentadas, até nas alunas distraídas na entrada do campus. Era como se minha memória tivesse me condenado a viver perseguido pelo fantasma dela. Mas então ela levantou a cabeça. E tudo dentro de mim congelou. Os olhos… os mesmos olhos que haviam me atravessado naquela noite, que ainda me faziam perder o sono. Era ela. A minha pequena. Senti o coração bater mais rápido, pesado, como se tivesse esquecido como controlar a própria respiração. Aquele rosto que eu lembrava em detalhes, a pele quente, o sorriso tímido e malicioso, o jeito como me desafiava sem dizer palavra nenhuma, agora estava ali, diante de mim, sentado em uma das carteiras de aluna. Por alguns segundos, o resto da sala desapareceu. Não havia mais trinta alunos diante de mim. Havia apenas ela. Respirei fundo, endireitei os ombros e forcei minha voz a sair firme: - Bom dia. Sou André Monteiro, serei o professor de Anatomia funcional de vocês este semestre. Continuei falando, me apresentando, mas por dentro, lutava contra a realidade cruel que se impunha: a mulher que havia incendiado minha noite agora estava sentada como minha aluna. Totalmente proibida. Peguei a lista de frequência para ganhar tempo. Precisava de algo que me ancorasse, que me devolvesse o controle. Comecei a chamar os nomes, um a um, forçando-me a encarar cada rosto, queria ali descobrir como ela se chamava, queria ouvir sa voz novamente. Até que a espera terminou. — Camila… — minha voz falhou quase imperceptivelmente ao pronunciar seu nome. Ela levantou a mão devagar. E quando nossos olhos se cruzaram, senti tudo outra vez: o calor, o desejo, a lembrança dela em meus braços. Só que agora, com uma nova camada, a certeza do impossível, seu nome era doce em meus lábios, queria poder falar entre nosso prazer como na noite passada, “Camila.” gravei o nome em minha mente como se fosse um segredo perigoso. Porque era exatamente isso que se tornara: um perigo. Continuei a chamada tentando manter a compostura, mas dentro de mim havia um campo de batalha. O professor sabia o que precisava fazer: distância, limites, neutralidade. Mas o homem… o homem só conseguia pensar em como o destino havia sido cruel e, ao mesmo tempo, generoso demais. A aula terminou em meio a anotações apressadas e conversas paralelas. Os alunos foram saindo em grupos, arrastando mochilas e risadas para fora da sala. Eu permaneci imóvel por alguns instantes, fingindo revisar os papéis sobre a mesa até que o último deles desaparecesse. Até que ela desaparecesse. Quando a porta se fechou atrás do último aluno, finalmente respirei fundo, como quem havia estado submerso por tempo demais. Deixei o corpo cair contra a cadeira do professor e fechei os olhos. A sala estava em silêncio absoluto, mas por dentro eu era puro ruído. Minha mão tremeu levemente ao abrir a caderneta de chamada. Eu sabia exatamente o que estava procurando. Percorri a lista com o dedo até que ele parou, quase sozinho, sobre aquele nome. Camila. Sussurrei em voz baixa, testando como soava saindo da minha boca sem a formalidade da chamada. - Camila… Passei a ponta do dedo sobre as letras, como se pudesse tocá-la através do papel. Um arrepio me percorreu a espinha. Era insano. Em poucas horas, minha vida havia virado um labirinto sem saída. A mulher que tinha me feito perder o controle, que eu havia provado, beijado, possuído… agora era minha aluna. Intocável. Abri os olhos e encarei o vazio da sala. O cheiro de café e perfume barato ainda pairava no ar, mas tudo que eu sentia era o fantasma dela. Seu cabelo solto naquela noite, seu corpo arqueando contra o meu, sua boca quente sussurrando coisas que até agora me faziam estremecer. Mordi o lábio inferior, frustrado. Parte de mim queria levantar, correr atrás dela, ignorar todas as consequências. Mas a outra parte, a que ainda me lembrava que eu era professor, que tinha uma carreira e uma reputação a zelar, sabia que estava diante de um abismo. Não era somente minha carreira em jogo, mas a reputação de uma aluna, e não era qualquer aluna, era ela... A moça que atravessou barreiras sem nem fazer esforço algum. Fechei a caderneta lentamente, como quem guarda um segredo perigoso. Mas antes de fechar de vez, deixei escapar mais uma vez, num sussurro quase desesperado: — Camila… O nome ficou ecoando na minha mente como uma maldição doce, impossível de ignorar. Eu já sabia: o semestre havia apenas começado, e eu estava perdido.






