Enquanto Malú fazia uma prece mental para que seu transporte chegasse, não notou que de longe estava sendo observada. Há três quarteirões havia um carro estacionado, e um fotógrafo tirava fotos suas naturalmente enquanto Nícolas estacionava ao seu lado e começava um diálogo sem ao menos sair do carro.
— Oi, gatinha, entre, vou te levar. Malú bufou, aquela era a segunda vez naquela semana em que Nícolas lhe abordava. Há um ano, haviam terminado o namoro, quando o irmão de Nícolas, Sandro, saiu da cadeia e o recrutou para assumirem juntos os negócios da família, o comando do morro. Aquilo foi demais para ela, não estava disposta a continuar um relacionamento com um traficante. Em algum momento, ela acreditou que Nícolas fosse ser diferente de seu irmão, e quando ele escolheu o outro lado, ela decidiu colocar um fim, no entanto, era visível que ainda não tinha se conformado com o término. Malú percebeu que havia mais dois carros seguindo Nícolas, como uma espécie de segurança. Ela fitou os carros e olhou para ele na janela. — Agora, você tem seguranças? Nícolas olhou pelo retrovisor, confirmando as palavras dela. — Preciso me cuidar. — Eu fico imaginando que tipo de merda você se meteu para chegar a esse ponto. — Nada que eu não esteja acostumado a lidar. Agora entre, que vou te deixar em casa. O tom em sua voz era o mesmo arrogante de sempre, outro motivo por que Malú tinha decidido terminar tudo. As coisas entre eles estavam chegando a um nível extremo, possessivo e controlador. E antes que ficasse ainda mais difícil, ela conseguiu pôr um fim. No início, ele não aceitou muito bem. Entretanto, para a sorte de Malú, Sandro não apoiava seu relacionamento, então fez o possível para que Nícolas não a perturbasse, até agora. — Obrigada, mas eu vou esperar o ônibus, ou peço um Uber. Ele sorriu de canto de forma sarcástica e apoiou o braço do lado de fora. — Gatinha, você precisa se informar melhor, nada sobe no morro hoje — Aquilo saiu em tom arrogante, era nítido que Nícolas estava envaidecido pelo poder. Então, ela entendeu o motivo de a cidade estar tão quieta, certamente havia algum toque de recolher no morro. Malú conferiu rapidamente a tela de seu celular, fazia horas que não abria o W******p ao menos para conferir uma mensagem, bufou ao ver a enorme quantidade de mensagens não lidas. Mesmo assim, ela insistiu: — Muito obrigada mais uma vez, mas prefiro ir a pé — respondeu, se esquivando para seguir para casa. Sem ao menos olhar para trás, Malú começou a caminhar. Então ouviu a porta do carro se abrir e, alguns segundos após, uma mão forte segurar seu antebraço com força. — Entra logo na porra do carro, Maria Lúcia! Seu coração gelou, não podia negar que se sentia intimidada com a forma bruta com que ele a segurou. Uma lembrança veio à sua mente. Pouco antes de terminarem, Nícolas teve uma crise de ciúmes ao saber que ela iria trabalhar com Ramon. Insistia que seu professor e amigo, agora chefe, tinha segundas intenções. Na verdade, Nícolas usou termos nada civilizados e, após agredir Ramon, que apenas tinha lhe oferecido uma carona, a levou à força, bem assim como agora, apertando seu braço. — Me solta! Porém, ele a ignorou. Nícolas lhe colocou dentro do carro, no banco do passageiro, fechou a porta, deu a volta e sentou-se no banco do motorista. Malú ainda respirava rápido, indignada, mas, temerosa, se calou. — Bem que você poderia facilitar as coisas — bufou e ligou o carro, saindo. Malú ainda observou os dois veículos atrás, aquela situação a deixou mais tensa. — Diz logo o que você quer, Nícolas. Ainda atento à direção, ele respondeu: — É apenas uma carona. Malú revirou os olhos, incrédula. Como um silêncio se instaurou, Nícolas ficou incomodado e continuou: — Malú, eu sinto sua falta, gatinha. Olha, estou indo embora para a Europa... quero que você venha comigo. Ele disse, tocando sua coxa nua sob a barra do vestido. Malú o interrompeu e se moveu a fim de que a mão dele saísse de seu corpo. — Pare, Nícolas! — Poxa, o que tínhamos era tão bom, eu sinto saudades... Naquele momento, começaram a adentrar a comunidade e Malú notou que a comunidade estava deserta, bares e comércios fechados, sem pessoas ou trânsito de veículos na rua. Sabia que algo estava errado. — Não existe e nem vai existir mais nada entre nós, eu já lhe disse mil vezes, Nícolas. E por favor, pare de me perseguir, pare de dizer por aí que ainda somos namorados. Eu não pretendo ir embora para nenhum outro lugar... — Mas que merda, Malú! Por que você precisa ser tão teimosa? Então, felizmente, chegaram à porta de sua casa. Malú ficou mais agitada, pois sabia que seu pai não ficaria em nada satisfeito por ver Nícolas por ali mais uma vez. Então, se apressou: — Muito obrigada pela carona, mas por favor. Me deixa em paz... e faça uma boa viagem! Ela falou, saindo rápido do carro. Ao lado de fora, Nícolas se apressou, deu a volta e lhe segurou mais uma vez pelo antebraço. — Você sabe que, se eu quiser que você vá comigo, tenho meios para isso, não é? Naquele instante, temeu suas ameaças, sabia que ele era obsessivo, o suficiente para levá-la à força. Era notório o quanto Nicolas estava insatisfeito pela recusa. Malú notou a luz de sua varanda acender e ficou ainda mais nervosa. A imagem de Gil, seu pai, surgiu na varanda, ele arrastava sua cadeira de rodas até a entrada da rampa e carregava uma arma em seu colo. — Solta minha filha, seu maldito! — gritou Gil, segurando a arma. Nícolas ficou parado, ainda contendo a jovem sem se intimidar. Rapidamente, seus seguranças se colocaram a postos para sua defesa, completamente armados em direção a Gil. Malú ficou apavorada, temia que fizessem mal ao seu pai. — Não, pai! Por favor... — as palavras saíram em tom de desespero. Seu pai estava em desvantagem, não apenas por ser cadeirante, mas porque os homens de Nícolas estavam em maior quantidade e não tinham piedade. — Senhor Gil, sempre valente... — Nícolas falou entre um sorriso maldoso. — É por este motivo que está preso nesta cadeira. Outro filme passou pela mente de Malú, Há quase vinte anos, seu pai sofreu um ataque na loja de materiais de construção da sua família. Logo quando o morro foi tomado pela facção do tio de Nícolas naquela época, Gil foi atingido por um tiro na coluna que o havia deixado paraplégico. Ela era apenas uma garotinha de cinco anos, mas assistiu tudo, uma cena difícil de esquecer. — Eu não tenho medo nem de você e muito menos de sua família de merda, seu pirralho do carvalho! — Gil continuou sem temer. Já Malú estava em estado de pânico. — Por favor, Nícolas, deixe meu pai. Eu imploro... — Eu não estou fazendo nada contra seu pai, apenas me defendendo. A jovem chorou com mais força. — Me diz o que você deseja para nos deixar em paz — Malú perguntou. Gil não concordou com as palavras da filha e permaneceu irredutível com sua arma apontada para Nícolas. — Não negocie com esse bandido, Maria Lúcia. — Viu, seu pai tem um comportamento muito agressivo. Mas sou um homem pacífico e estou disposto a negociar. Então, um dos homens de Nícolas, mais bem treinado, partiu para cima de Gil a fim de desarmá-lo, porém Gil o atacou e começaram uma luta corporal. Malú ficou em desespero, temendo que o machucassem. Mesmo limitado, seu pai não cedeu, e de repente o som de um tiro deparou no ar. Aqueles foram os segundos mais angustiantes que Malú viveu, nem quando sua mãe foi embora a fez sentir tamanha angústia, afinal ela mal se lembrava. Como em câmera lenta, ela viu seu pai desfalecer, cair para o lado e a cadeira para o outro, ainda com suas rodas em movimento girando. Uma grande quantidade de sangue tocou o chão imediatamente. Naquele instante, ouviram o som de muitas sirenes e até um helicóptero. Nícolas sabia do que se tratava, Sandro havia sequestrado o governador Giovani Cassanni, ambos tinham negócios e haviam se desentendido. Por isso, Nícolas precisava sair dali o mais rápido possível. — Mas que merda! — Nícolas gritou. Então, ele conteve Malú com os braços, envolvendo-a para que não se aproximasse do pai. A jovem estava entre lágrimas e gritos estéricos, ainda se debatia em seus braços quando ele a forçou a entrar no carro. Seus homens também se colocaram a postos e rapidamente saíram dali. Bem ali, do outro lado da rua, a um quarteirão, o mesmo carro que estava fotografando Malú na porta do restaurante, estava próximo dali, porém agora estava visível que o homem que a fotografara não estava sozinho. De repente, o vidro escuro da parte de trás se abriu lentamente e a imagem de Dante sentado confortavelmente surgiu. Ele estava com a mesma expressão de seriedade que sempre o acompanhava. Seu informante havia descoberto que aquela era a namorada de Nícolas, um dos chefes do morro, do qual seu tio financiava alguns negócios, por isso tinha ido ao restaurante para conhecê-la. Como os malditos tinham sequestrado seu tio, ele precisava ter uma moeda de troca. Seu plano principal era levar a moça, no entanto, Nícolas a acompanhou até sua casa, e agora seus capangas acabavam de atirar em um homem que aparentemente se tratava do pai da jovem. Dante levou a mão tranquilamente ao bolso e pegou o seu telefone. Sem tirar os olhos do que acontecia ao lado de fora, discou no celular. — Podem invadir o morro — ordenou. E imediatamente os sons de muitos carros policiais e até um helicóptero surgiram ecoando entre as ruas desertas. No mesmo instante, viram Nícolas e seus homens fugirem, levando a jovem à força consigo. Dante tentou entender o que estava acontecendo, e por qual motivo haviam atirado no homem, e por que a namorada teria sido levada daquela forma. — E agora, chefe? — Pedro, seu motorista, funcionário fiel, perguntou enquanto guardava a câmera no banco de trás que registrara tudo. — Chame uma ambulância para socorrer o homem. Pedro ficou surpreso com o pedido do chefe, entretanto, de forma alguma, argumentou.