As portas da igreja se abriram como se o próprio inferno tivesse escancarado sua entrada.
E lá estava ele.Alto. Imóvel. Esculpido em mármore negro e pecado.
Dante Morelli.
O homem que matou meu irmão.
O homem com quem eu estava prestes a me casar.
Segurei o buquê com tanta força que meus dedos formigaram. Cada passo em direção à ele era um tapa em tudo o que eu acreditava. Um golpe na memória de Luca.
Mas não havia saída. Não quando meu pai preferiu a paz entre famílias à justiça por sangue.
Caminhei até o altar sob os olhares de duas famílias que se odiavam, disfarçando suas armas sob ternos bem cortados. Ali não havia amor. Só estratégia.
E no centro disso tudo, Dante — o Don dos Morelli — me encarava com um olhar tão frio quanto as pedras da Catedral de Palermo.
Quando cheguei à sua frente, ele não estendeu a mão.
Apenas ergueu o queixo, como quem avalia uma mercadoria.
E eu? Sorri. Doce como veneno.
— Achei que o carrasco vestiria preto — murmurei entre os dentes.
— E eu achei que a noiva viria de luto — ele respondeu, sem tirar os olhos dos meus.
A cerimônia foi rápida. Fria.
Promessas vazias ditas entre dentes. Uma aliança deslizada sem emoção.
Quando o padre disse “pode beijar a noiva”, Dante se inclinou.
Meu corpo enrijeceu.
— Não ouse — sibilei.
Ele parou a centímetros dos meus lábios.
— Não se preocupe. Esse beijo não é seu.
Ele virou o rosto e depositou um beijo no canto da minha boca. Um gesto simbólico. Frio. E cruel.
A guerra silenciosa havia começado.
A mansão Morelli era um túmulo de luxo.
Do lado de fora, câmeras escondidas e homens armados.
Do lado de dentro, silêncio. Mármore. E a sensação de que qualquer palavra errada poderia ser sua última.
— Seu quarto é no final do corredor. À direita. — A voz dele soou baixa, sem emoção, enquanto tirava o relógio e largava sobre a mesa de cristal.
— Separados? Que cavalheiro — comentei, girando o anel no dedo.
Dante me encarou.
— O casamento é real no papel. Só.
— Então posso receber visitas? — sorri, cínica.
Ele caminhou até mim, devagar. Cada passo era uma ameaça muda.
Quando parou a poucos centímetros, o ar pareceu rarefeito.
— A última pessoa que tentou me provocar está enterrada sob o vinhedo de Roma — disse, a voz baixa como uma sentença.
Não desviei o olhar.
Ele queria medo. Eu oferecia desprezo.
— Ótimo. Espero que o vinho de vocês seja adubado com arrependimentos.
Ele soltou um leve sorriso. O primeiro da noite. Mas não havia humor nele.
— Boa noite, esposa.
E desapareceu corredor adentro.
As primeiras noites foram marcadas por silêncio e passos distantes.
Eu o via apenas nas reuniões da família, quando seu olhar era letal e sua voz, lei.
Dante Morelli era uma sombra com terno caro.
Mas às vezes — quando achava que ninguém via — eu o pegava me observando.
Como se não entendesse como eu ainda respirava perto dele.
Na quinta noite, fui convocada ao salão.
Uma ceia de paz entre Morellis e De Santis.
Uma ilusão de harmonia encenada entre vinhos caros e pratos de porcelana.
— E como está se adaptando à vida de Morelli? — perguntou Lorenzo, primo de Dante, com um sorriso entalhado na cara.
— Maravilhosamente. Já aprendi até onde escondem os corpos.
Risadas desconfortáveis. Taças erguidas.
Dante não riu.
Mas ergueu a taça em minha direção.
— Pela esposa mais afiada da Sicília.
Que continue cortando… até encontrar a lâmina certa.
Naquela noite, bati à porta do escritório.
Não sei por quê. Talvez por raiva. Ou pelo incômodo constante de que algo em mim queimava, e ele era a faísca.
— O que foi agora? — ele perguntou sem levantar os olhos do laptop.
— Queria saber… por que eu?
Das dezenas de filhas de mafiosos, por que escolher logo a irmã do homem que você mandou matar?
Ele fechou o notebook. Levantou-se devagar.
— Porque nenhuma delas teria coragem de me perguntar isso.
Me aproximei.
— E acha isso admirável?
Ele parou diante de mim. Tão perto que meu perfume se misturou ao dele.
— Acho... perigoso.
— Vai me matar também?
— Não — sussurrou. — Matar você seria fácil demais.
A tensão era insuportável.
O ar parecia vibrar entre nós.
E por um segundo, juro por Deus, vi hesitação nos olhos dele.
Mas Dante Morelli não hesitava.
Ele se afastou, pegou um cigarro no bolso, acendeu com um isqueiro dourado.
— O que fazemos, Serena… não é amor.
É sobrevivência.
— E você? Sobrevive ou se esconde?
Ele me olhou como se quisesse despir meus ossos com os olhos.
Depois tragou devagar.
— Boa noite, Signora Morelli.
E foi ali que percebi:
Talvez eu tivesse entrado nessa guerra achando que era forte o suficiente para enfrentá-lo.
Mas ninguém sai ileso de mil beijos de vingança.
Principalmente… quando começa a desejar o próximo.