Mundo de ficçãoIniciar sessãoSer herdeiro nunca foi um privilégio.
As pessoas veem o sobrenome “Lee” e acham que isso significa poder. Mas poder é só uma palavra bonita pra peso. Ser herdeiro é carregar o fardo de nunca poder errar. Meu pai costumava dizer que eu nasci com uma empresa nas costas. A Crystal Joias é mais antiga do que qualquer sonho meu. Meu avô a fundou, meu pai a transformou num império — e agora esperam que eu a torne eterna. Esperam que eu seja brilhante, impecável, constante. Mas ninguém pergunta se eu quero ser qualquer uma dessas coisas. Sou grato por ter o meu primo, Lee Hyun, do meu lado. Desde o início, ele foi o único que não duvidou de mim. Enquanto os conselheiros e acionistas torciam o nariz quando assumi a presidência, ele acreditou. Diziam que eu era jovem demais, inexperiente, que não tinha o “perfil do meu pai”. Hoje, são os mesmos que me chamam de referência. Hyun sempre foi mais do que um primo. É meu melhor amigo, o irmão que eu não tive. Cuida das finanças, entende o funcionamento da empresa tanto quanto eu e é o único que tem liberdade pra me dizer quando estou errado. Com ele, não há formalidade. Só confiança. Se eu tenho alguém que mantém tudo de pé quando o peso fica demais, é ele. Também tenho minha mãe. Uma mulher forte. Guerreira, como dizem. Antes, ela era presença constante na empresa — cuidava dos setores administrativos, conhecia cada funcionário, cada detalhe. Mas desde que meu pai adoeceu, ela vive praticamente em função dele. Mal de Parkinson. Foi o diagnóstico há cinco anos. Desde então, a doença avança devagar, mas firme. Meu pai, que sempre foi o tipo de homem que comandava salas inteiras com o olhar, agora precisa de ajuda pra segurar uma xícara. Ver isso acontecer é o tipo de dor que não dá pra descrever. Minha mãe não reclama. Ela se desdobra entre consultas, remédios e crises, e ainda arranja tempo pra me perguntar se eu estou me alimentando direito. Ela diz que o pai sente orgulho de mim. Mas é difícil acreditar nisso quando o vejo lutando pra se manter de pé. Quando ele piorou, eu tive que assumir a presidência antes da hora. A transição não foi bonita. Os acionistas ficaram desconfiados, os investidores ameaçaram recuar. Mas eu dei conta. Esfreguei resultado na cara de cada um deles. E, quando perceberam que eu não era uma extensão do meu pai, e sim alguém capaz de fazer diferente, começaram a respeitar. Hoje, eu, Hyun, Nayeon e Jun— formamos a base da empresa. Uma equipe que funciona. Cada um faz o que precisa ser feito, sem drama, sem improviso. Eu confio neles. Mas sei que, no fim das contas, a responsabilidade final sempre cai sobre mim. Ser CEO é fácil. Difícil é continuar sendo humano quando tudo o que te rodeia exige perfeição. A prova disso é Kim Nayeon. Três anos de relacionamento. Um namoro que nasceu de uma fusão de interesses e da pressão dos conselheiros. Ela é tudo o que o mercado aprovaria: bonita, articulada, inteligente, discreta. Sabe se portar, sabe negociar, sabe sorrir na hora certa. Mas eu não a amo. Nunca amei. Ela é uma parceira perfeita de negócios — mas não é só um rosto bonito o que eu preciso. E muito menos um contrato sentimental pra manter acionistas tranquilos. Quando pedi um tempo, ela achou que era exaustão. Não era. Era saturação. De nós dois, do formato, das aparências. Mesmo assim, ela insiste. Ignora o silêncio como se fosse temporário. Manda mensagens, aparece sem aviso, se comporta como se nada tivesse mudado. E agora, inventou uma viagem. Disse que precisávamos de um tempo sozinhos, longe de tudo. Mas o que ela não entende é que não existe “nós dois” há muito tempo. Existem apenas expectativas — as dela, as do conselho, as da imprensa. As minhas já foram engolidas por tudo isso. Cedi à viagem. Não por vontade, mas por paz. Nayeon insistiu por semanas. Disse que eu estava sobrecarregado, que precisava me desconectar do trabalho, respirar ar puro. Ela escolheu o destino, organizou tudo, marcou as reservas e só me informou quando já estava tudo pago. Seria mais cansativo discutir do que simplesmente ir. O lugar era bonito, tranquilo. Um resort afastado, cercado por montanhas e lagos. Ela parecia feliz. Falava sobre casamento, sobre o futuro, sobre o que “nós dois” ainda poderíamos ser. Eu ouvia, mas a cabeça estava longe. Não no trabalho. Nela. Anne Lopes. O meu plano idiota de tratá-la com o máximo de frieza possível não funcionou — quanto mais eu me afastava, mais ela caprichava no visual. Hoje ela estava simplesmente irresistível: um vestido preto sem mangas, de alça larga, midi justo que ia um pouco acima do joelho; scarpin preto alto; cabelo preso num rabo de cavalo; e um batom vermelho escuro. Pegamos o elevador juntos e a única vontade que me deu foi atirá-la contra a parede e fazer loucuras ali mesmo. O perfume floral dela — descobri que era o Lily, um famosinho brasileiro — deixava tudo ainda mais insuportável. Pra piorar o cenário, eu ainda conseguia ver — pelo reflexo metálico das paredes do elevador — o olhar dela percorrendo cada parte do meu corpo. E, é claro, colaborei. Fiquei em uma posição “favorável”, só pra garantir que ela tivesse uma boa visão do que realmente a atraía. Cheguei em casa, fui direto pro chuveiro. Me aliviei ali mesmo, imaginando aquela delícia de mulher totalmente entregue pra mim.






