Quando chegou na pousada.
Bruna passou os dedos pela parede branca e áspera da pousada rústica, sentindo sob a pele a irregularidade da cal e a memória do sol que, durante o dia, a havia aquecido. A construção simples, quase escondida por entre as buganvílias que pendiam em cascatas de flores magenta, parecia ter saído de algum sonho antigo, perdido no meio de uma tarde de verão. A pousada ficava a poucos metros da areia, separada apenas por uma trilha de pedras que ela já percorrera duas vezes, com os pés descalços, desde que chegara à vila. O quarto, no segundo andar, tinha uma varanda pequena com vista para o mar que, naquele momento, tingia-se de cores quentes — laranja, âmbar, ferrugem — sob o crepúsculo. Ela largou a mala no chão, respirou fundo, deixando que o cheiro de maresia e de madeira envelhecida enchesse os pulmões. Ainda sentia o peso do passado como se fosse uma corrente invisível atada aos tornozelos, puxando, lembrando. O relacionamento tóxico que deixara para trás — os gritos, as manipulações sutis, o cansaço de ter que justificar cada escolha, cada roupa, cada olhar — tudo parecia ainda colado nela, como sal seco sobre a pele depois de um mergulho. Mas agora, ali, havia silêncio. Havia um convite: o mar logo adiante, as dunas esculpidas pelo vento, e aquela trilha que parecia prometer esquecimento, ou, quem sabe, renascimento. Bruna abriu a porta da varanda e deixou que a brisa da tarde invadisse o quarto, levantando a cortina leve, branca, que ondulou como se tivesse vida própria. Sem pensar, despiu-se lentamente da roupa da viagem: a calça jeans, sufocante; a camiseta, que cheirava a cidade; o sutiã, que marcou a pele ao longo das horas no ônibus que a trouxera até ali. Permaneceu nua, por um momento, diante do espelho envelhecido pendurado na parede. Observou as marcas discretas de um verão tardio: a linha branca do biquíni na cintura, o bronze suave dos braços, os cabelos ainda um pouco úmidos de suor e desejo de mudança. Pegou um vestido solto, feito de linho cru, pendurado em um gancho atrás da porta, e o vestiu sem lingerie, sentindo o tecido leve roçar os mamilos já enrijecidos pelo contraste do calor e da brisa fria do entardecer. Calçou as sandálias rasteiras e, antes de sair, olhou-se uma última vez no espelho, sem maquiagem, sem máscara, com os olhos ainda inchados de quem chorou demais, mas com a boca levemente curvada, como quem, mesmo sem perceber, já começava a se permitir um pouco de paz. Desceu as escadas de madeira rangente da pousada, cruzou o pequeno jardim cheio de hibiscos vermelhos e, sem hesitar, tomou a trilha de pedras, até que seus pés encontraram, enfim, a areia morna. O mar estava calmo. O horizonte era uma linha difusa onde o céu começava a apagar suas cores, dissolvendo-as em tons azulados e prateados. Bruna caminhou devagar, sentindo a areia ceder sob os pés, abraçar-lhe os tornozelos, apagar cada pegada assim que o mar, preguiçoso, avançava sobre elas. Deixou-se levar pelo som das ondas, que vinham e iam com a regularidade de uma respiração profunda, de um corpo adormecido, de um amante satisfeito. A cada passo, parecia que a memória do passado se desfazia um pouco. As cenas que até então insistiam em invadir seus pensamentos — as discussões infindáveis, os olhares de desaprovação, as noites de insônia — agora pareciam frágeis demais diante daquela imensidão líquida e antiga. Parou e fechou os olhos. Deixou que a brisa lhe levantasse os cabelos e que o cheiro do mar se misturasse ao seu perfume natural, que exalava da pele aquecida. Sentiu o arrepio que percorreu as costas nuas sob o vestido, atravessando-a como um fio invisível, ligando a nuca até o início das coxas. Sorriu sozinha, um sorriso pequeno, tímido, mas sincero. Depois continuou andando. Os poucos pescadores já recolhiam as redes ao longe, e algumas crianças brincavam de correr atrás das últimas ondas, suas risadas misturando-se ao canto longínquo de um sanfoneiro que tocava na praça central, perto do coreto. Bruna caminhou até onde a areia ficava mais firme, quase molhada, e se deixou cair de joelhos, sentando-se sobre os calcanhares, de frente para o mar. Sentiu o coração desacelerar. Levou a mão ao peito, apertando-o levemente, como quem confere se ainda há algo batendo ali dentro. E havia. Batendo, pulsando, vivo. Sentiu-se, pela primeira vez em meses, livre. Não precisava explicar onde estava, com quem, fazendo o quê. Não havia mais olhos controladores, nem palavras venenosas disfarçadas de afeto. Havia apenas ela, o vestido leve, o corpo aquecido pela caminhada e o mar que a convidava, silencioso e paciente, a deixar-se levar. Levantou-se devagar, ergueu o vestido até a cintura, prendeu-o com um nó improvisado e caminhou em direção à água. As primeiras ondas lamberam-lhe os pés com delicadeza, e Bruna soltou uma risada leve, quase esquecida. Mergulhou até os joelhos e então até a cintura, sentindo a água fria envolver-lhe a pele com uma espécie de carinho agreste. Fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás, deixando que os cabelos molhados se espalhassem como uma foz, aberta para o mar. Respirou fundo, deixando que cada gota salgada levasse, junto com ela, um pouco do medo, da dor, do ressentimento. Ali, naquela praia quase deserta, diante de um céu que se apagava lentamente, Bruna percebeu que havia começado, de fato, sua travessia. Não sabia o que encontraria na outra margem. Mas, pela primeira vez em muito tempo, não sentia medo do desconhecido. Sentia, antes, uma fome silenciosa. Uma vontade nova de ser tocada, de ser olhada de forma limpa, desejada sem culpa, amada sem dor. Saiu da água lentamente, com o vestido colado ao corpo, delineando cada curva com precisão involuntária. Caminhou de volta pela areia, deixando pegadas que logo seriam apagadas, como tudo o que ficou para trás. Subiu a trilha de pedras e, antes de entrar novamente na pousada, olhou mais uma vez para o mar. Naquele instante, sem saber, a vida preparava para ela encontros e desejos que a fariam, mais uma vez, experimentar o calor de outra pele, a promessa de outro corpo, a vertigem do prazer. Mas, por ora, havia apenas a noite que chegava, o som tranquilo das ondas e o corpo dela, limpo e renovado, pronto para o que viesse.