O céu derramava sua última luz dourada sobre as águas calmas e mornas do litoral sul do Rio, tingindo as ondas de um âmbar melancólico que parecia ecoar o que Bruna carregava no peito: um cansaço profundo, quase físico, como areia molhada agarrada ao corpo depois de um mergulho. Ela fechou os olhos e inspirou fundo, sentindo o aroma denso do mar misturado ao jasmim que brotava, indomável, pelos muros baixos da pousada.
Tinha dirigido por horas até encontrar aquele pequeno vilarejo quase escondido entre falésias e coqueiros, longe demais do concreto e das buzinas que por tanto tempo haviam sido trilha sonora da sua vida. Ali, entre o som ritmado das ondas e o assobio leve do vento, não havia espaço para lembranças que sangravam. Ou, ao menos, era o que ela esperava.
Bruna caminhou pela areia fria, os pés nus afundando a cada passo, enquanto a água lamia seus tornozelos, como uma carícia silenciosa, prometendo-lhe aquilo que mais desejava: esquecimento, descanso, renascimento. O vestido de algodão branco, solto, dançava em torno de suas coxas, ora grudando-se ao corpo pelas gotas de maresia, ora esvoaçando como um lençol ao vento.
Seu coração, ainda pesado, batia com a irregularidade de quem não sabe se está livre ou perdido. Nos últimos meses, o amor, antes quente como brasa, tornara-se uma prisão. Palavras cortantes, silêncios pesados, desconfianças que se acumulavam como musgo nas paredes de um relacionamento apodrecido. Bruna havia saído daquele apartamento não com malas, mas com feridas. E agora ali estava, sob a vastidão infinita de um céu salpicado de estrelas tímidas, buscando cicatrizes novas, quem sabe mais bonitas, quem sabe mais leves.
Parou por um instante, olhando para a linha do horizonte que parecia se dissolver na noite que chegava devagar. Deixou-se sentar sobre a areia ainda quente do dia e abraçou os joelhos. O som da arrebentação era hipnótico, como uma respiração compassada ao seu lado, lembrando-a de que, mesmo sozinha, nunca estaria completamente só.
— Aqui é o melhor lugar para esquecer quem não soube te amar — murmurou para si mesma, a voz se perdendo entre o farfalhar das folhas e o romper manso das ondas.
O vento brincou com seus cabelos, trazendo fios rebeldes ao rosto, que ela afastou com um gesto lento, quase cerimonial. A pele, bronzeada pelo sol, ainda guardava o calor do dia, contrastando com o frescor úmido que começava a tomar conta do ambiente. Fechou os olhos e, por um momento, deixou-se apenas sentir: o gosto salgado na boca, o cheiro da maresia, o murmúrio do mar, o latejar discreto das terminações nervosas de um corpo que há muito não era tocado com delicadeza.
Não sabia quanto tempo havia passado ali, mas a noite, com sua dança silenciosa, já havia tomado conta do céu quando Bruna se levantou. Sacudiu a areia das mãos e, com passos lentos, retornou à pousada. O chalé, simples mas acolhedor, tinha janelas amplas de madeira rústica e uma rede na varanda que balançava suavemente, como se chamasse por ela.
Abriu a porta e, antes de acender a luz, deixou-se ficar na penumbra, olhando o reflexo pálido da lua derramado sobre o lençol branco da cama. Retirou o vestido, deixando que deslizasse até seus pés com a mesma leveza que uma onda desfaz-se ao encontrar a areia. Ficou apenas com a calcinha de renda fina, encostando-se ao batente da porta enquanto o ar fresco acariciava sua pele exposta, eriçando-lhe os pelos, despertando-lhe os sentidos adormecidos.
Pela primeira vez em muito tempo, Bruna sentiu-se dona do próprio corpo, não como objeto de posse, mas como território livre, selvagem, inexplorado.
Foi até o banheiro, abriu o chuveiro e deixou que a água morna escorresse por entre os seios, deslizasse pela barriga, alcançasse o interior das coxas, enquanto ela fechava os olhos e permitia que as memórias pesadas fossem levadas pelo ralo, uma a uma, como grãos de areia que escorrem pelos dedos. Passou as mãos pelo próprio corpo, não com pressa ou obrigação, mas com a delicadeza de quem descobre um templo esquecido.
Quando saiu, enrolada apenas em uma toalha fina, sentiu-se estranhamente mais leve, como se tivesse deixado parte de si na água morna. Pegou uma taça de vinho que havia comprado na estrada, sentou-se na rede da varanda e ficou ali, balançando lentamente, observando a lua alta e preguiçosa, enquanto o som de um violão distante surgia de algum lugar da vila, misturando-se ao canto noturno dos grilos e ao quebrar das ondas.
Sentiu-se bonita, desejável, viva.
Enquanto bebia, percebeu, ao longe, uma movimentação discreta na praia. Uma silhueta masculina caminhava à beira d’água, com a mesma lentidão contemplativa que ela tivera horas antes. O homem, mesmo a distância, parecia carregar algo semelhante: um passado denso, uma busca silenciosa, ou talvez, simplesmente, o desejo de perder-se por alguns dias no abraço acolhedor daquela paisagem.
Bruna deixou escapar um sorriso discreto, quase involuntário. Não tinha pressa. Nem de conhecer aquela silhueta, nem de entender os caminhos que a haviam trazido até ali. Por enquanto, bastava saber que estava viva, que sua pele ainda sabia arrepiar-se ao toque da brisa, que sua boca ainda sabia saborear o vinho, que seus olhos ainda eram capazes de desejar, mesmo que apenas de longe, o vulto de um desconhecido sob a luz morna da lua.
Deitou-se na rede, deixando a taça descansar ao lado. O tecido da toalha se abriu levemente, revelando o contorno de uma perna nua, mas ela não se importou. Não havia ninguém ali para julgá-la, nem para censurar-lhe os desejos.
Enquanto o sono começava a pesar-lhe nas pálpebras, Bruna ouviu, mais uma vez, o som grave das ondas quebrando, incessantes, eternas, como um lembrete: ali, naquela praia perdida no fim do mundo, ela poderia ser o que quisesse — ou simplesmente nada.
E, pela primeira vez em muito tempo, isso lhe pareceu suficiente.