O cheiro da chuva pairava no ar. Pesado, úmido, misturado ao perfume fresco da terra e ao toque metálico de algo prestes a acontecer.
Alicia não sabia o que a havia levado até ali — à estrada esquecida que cortava os limites da floresta. O céu estava encoberto por nuvens escuras, e a lua, mesmo escondida, lançava um brilho pálido que pintava o caminho com sombras inquietas. Cada passo que ela dava parecia guiado por um instinto que não era seu… mas que, ao mesmo tempo, sempre estivera ali, adormecido.
Ela se abraçou, esfregando os braços com as mãos frias. O casaco fino não era o suficiente para o vento que atravessava a noite como um sussurro antigo. Ainda assim, ela não parou.
Desde a infância, carregava aquela sensação incômoda — como se algo nela estivesse deslocado do resto do mundo. Os médicos chamaram de ansiedade, os amigos de drama, e sua mãe… sua mãe nunca explicou nada. Apenas desviava o olhar sempre que os olhos de Alicia refletiam o brilho amarelo sob certas luzes. Como se tivesse medo da resposta.
Agora, aos 21 anos, Alicia sentia que estava chegando perto. De algo. De alguém.
Parou no meio da estrada, o coração batendo mais rápido.
Estava sendo observada.
Mas não era medo o que corria em seu sangue. Era um arrepio quente, uma excitação primitiva que a deixou ofegante. O silêncio da floresta parecia conter a respiração junto com ela. Até que um som rompeu o ar.
Um estalo. Galhos.
Ela virou.
E o mundo pareceu ficar em câmera lenta.
Ele surgiu entre as árvores como uma sombra viva. Os olhos escuros brilhando com intensidade predatória. O corpo nu da cintura para cima, músculos desenhados pela luz da lua que finalmente se revelava no céu, enorme e amarela, como um olho vigilante.
O ar ao redor dele parecia mais denso. Mais quente. Alicia sentiu o calor entre as pernas antes mesmo de entender o porquê.
Ele a encarava como se já a conhecesse.
Como se já a tivesse possuído.
E em algum nível, ela sentia que isso era verdade.
— Você demorou. — A voz dele era baixa, profunda, e ressoava nela como um trovão engolido pelo próprio peito.
Alicia engoliu em seco, dando um passo para trás, mas o corpo não obedecia à razão. Ela estava presa naquele olhar.
— Quem... quem é você?
Um canto de sorriso surgiu em seus lábios, e foi mais ameaça do que simpatia.
— Kael Draven. Alfa da matilha. — Ele avançou um passo. — E você é o que restou do que foi perdido.
Ela queria perguntar o que ele queria dizer. Queria entender por que a pele queimava como fogo por dentro. Mas naquele momento, o mundo se reduziu ao instante em que ele parou diante dela.
Perto. Tão perto.
A respiração dele era quente. Selvagem. E ao mesmo tempo, ele não a tocava. Apenas a cercava com a presença. A aura dele vibrava como uma tempestade prestes a romper.
— Você sente isso, não sente? — Kael rosnou, a voz colando na pele dela como veludo. — A marca despertando.
Alicia abriu a boca para negar, mas gemeu quando uma dor doce percorreu seu ombro, como um beijo de fogo. Ela puxou o casaco, tentando ver o que era.
E ali estava.
Um símbolo dourado, surgindo devagar, desenhando-se em sua pele como se tivesse vida própria: um lobo e uma lua entrelaçados. Ardente, pulsante. Como se o próprio corpo gritasse a verdade que ela não queria aceitar.
— Isso é um pesadelo — sussurrou, a voz embargada.
— Não — Kael respondeu, agora mais perto. Os lábios quase tocando os dela. — Isso é só o começo.
E quando ele passou os dedos pela marca, a pele dela vibrou como se tivesse sido marcada de dentro pra fora.
Alicia gemeu. Baixo. Vergonhoso.
E Kael sorriu. Um sorriso cruel, masculino, vicioso.
— Você é minha, Alicia Blake. — Ele sussurrou, a voz rouca como pecado. — E eu vou te quebrar, pedaço por pedaço… até que aceite.
Alicia correu. Sem destino, sem pensar. Seus pés mal tocavam o chão da estrada de terra, como se a pressão do ar e o peso de seus próprios pensamentos a levassem mais rápido do que seus músculos podiam suportar. O som das batidas fortes de seu coração ecoava em seus ouvidos, abafando tudo ao seu redor. Mas o que ela não conseguia ignorar era o calor de Kael — uma chama quente e inclemente que parecia queimar atrás dela, em cada passo que dava.Ela se viu novamente na cidade, as ruas iluminadas por postes de luz amarelada, a confusão mental ainda martelando sua cabeça. "Ele... o que foi aquilo? O que está acontecendo comigo?" Pensamentos se atropelavam, mas havia algo que não podia negar: o lobo dentro dela, o que ele representava, o poder. A dor da marca ainda ardia, como se fizesse parte de seu corpo agora. Um peso a mais, um fardo ou talvez um presente, ela não sabia.No entanto, algo dentro dela não queria ceder, não queria ser marcada. Não queria ser parte desse jogo. Ele podia se
Alicia não conseguia dormir. Mesmo com os olhos fechados, a imagem de Kael ainda estava lá, firme em sua mente, como uma sombra que a seguia. O cheiro dele — forte, selvagem — parecia impregnado em seu próprio corpo, como se ele tivesse deixado sua marca em cada parte de sua pele. A marca, a marca dourada que ainda queimava em seu ombro, lembrava-lhe constantemente que não podia fugir, não importava o quanto tentasse.Ela virou de lado na cama, os lençóis amassados ao redor de seu corpo. O vento frio batia contra a janela, mas nada parecia capaz de acalmá-la. Por mais que tentasse racionalizar a situação, uma parte de si se recusava a acreditar no que sua mãe havia dito. Era demais para absorver de uma vez. Ela, filha de uma loba exilada da matilha Draven? O destino, a linhagem dos “Lobos da Lua”? Isso era loucura, não podia ser verdade.Mas a dor da marca não mentia.Alicia se levantou, andando pela casa em silêncio. A casa estava vazia, como de costume. Sua mãe havia saído, provavel
O sol mal começava a aparecer no horizonte quando Alicia acordou. O pesadelo da noite anterior ainda a assombrava, as palavras de Kael reverberando em sua mente, como uma melodia sombria que ela não podia tirar da cabeça. Eu vou esperar. Você vai ceder.Ela se levantou da cama, sentindo o peso de cada movimento, como se as forças de seu próprio corpo estivessem contra ela. O cheiro da terra molhada entrava pela janela, trazendo consigo um leve alívio. Mas isso não foi o suficiente para dissipar o tormento que se instalava em seu peito. A marca dourada no seu ombro parecia pulsar a cada batida de seu coração, e embora tivesse tentado ignorá-la, não podia negar que algo em seu interior começava a responder a isso — como se a marca tivesse vida própria.Ela desceu as escadas, os pensamentos tumultuados. Não queria aceitar, não queria ceder. Mas algo dentro dela sabia que era uma luta que estava fadada ao fracasso. O destino... o sangue... a matilha...A casa estava vazia, mas o ar pesado
Alicia não sabia mais se estava correndo ou apenas vagando sem rumo. As sombras da floresta à sua volta pareciam se esticar e se mover com ela, como se estivessem vivas, pulsando ao ritmo de seu coração descompassado. O vento cortava sua pele, trazendo consigo o cheiro da terra molhada e o sussurro de algo distante. Algo que a chamava.Ela havia se afastado da casa, sem um destino claro, mas não conseguiu ignorar o impulso crescente de seguir para o coração da floresta. Havia algo lá. Algo que ela não podia mais evitar. E, apesar de toda a confusão que a consumia, algo em seu interior a guiava, como um fio invisível puxando-a para longe da segurança do familiar e em direção ao desconhecido.A marca dourada em seu ombro ardia com cada passo, e ela apertou a mão sobre o local, tentando aliviar a sensação incômoda. Mas era como se a marca estivesse viva, pulsando com a energia de algo mais antigo, mais poderoso.Ela sabia que Kael estava em algum lugar por perto, sentindo sua presença, m
O amanhecer chegou tímido, com a luz da lua ainda pintando a floresta de um tom prateado, mas já era possível ver o contorno das árvores que se estendiam ao longe, como sentinelas silentes. Alicia estava ali, sozinha no campo, com o peso da noite ainda pressionando sua mente. O lobo, Kael, a floresta… tudo parecia uma dança fora de controle, onde ela era forçada a dar passos que não queria.Ela se afastou da clareira onde havia enfrentado o lobo, suas pernas ainda pesadas pela experiência. A marca no ombro pulsava de forma constante, como um lembrete cruel do que ela não podia ignorar, mesmo que quisesse. Algo dentro dela, talvez o sangue que agora fluía com uma força que não conhecia, gritava para que ela aceitasse. Mas ela se recusava. Não seria uma peça no jogo dele, não seria parte da matilha de Kael Draven.Ainda assim, o silêncio ao seu redor a incomodava. A floresta, que antes parecia cheia de mistério e vida, agora parecia observá-la, esperando por algo que ela ainda não enten
O silêncio pairava pesado sobre a clareira, quebrado apenas pelo som abafado das folhas sob os pés de Kael.Alicia ainda sentia a pele quente, onde a marca dourada agora repousava, quase adormecida, sob o tecido de sua blusa. Ela se afastou dele com um passo hesitante, como se cada centímetro de distância fosse uma pequena vitória sobre o turbilhão que se formava dentro de si.— Isso não significa nada — ela sussurrou, com a voz mais firme do que esperava. — Eu não te conheço. Não conheço esse lugar. Essa marca… não muda quem eu sou.Kael não respondeu de imediato. O olhar dele a atravessava, escuro, intenso. Como se pudesse vê-la além da carne, além da teimosia.— Ainda não. — A voz dele era baixa, mas carregada de uma certeza perigosa. — Mas vai mudar.Alicia cruzou os braços. Era um gesto defensivo, mas também desafiador. Algo nela se recusava a ceder. Mesmo quando tudo gritava para que ela se entregasse.— Me leve de volta. Quero ir embora.Kael a observou por mais um momento ante
Acordar naquela manhã foi como emergir de um sonho que ainda agarrava sua pele. Alicia sentia o corpo dolorido, os músculos tensos, como se tivesse corrido por horas — ou lutado com algo que ainda não compreendia.A marca em seu ombro latejava. Pulsava como um segundo coração.Ela se vestiu com roupas que haviam deixado para ela — calça de tecido grosso, uma blusa justa de mangas compridas e botas reforçadas. Roupas de treino, aparentemente. E quando desceu as escadas da casa, encontrou uma mulher à porta, esperando-a com os braços cruzados e um sorriso enviesado no rosto.— Bom dia, princesa da lua. — A voz era irônica, mas não hostil. — Eu sou Thalia. Beta da matilha. E hoje a gente vai descobrir se você serve pra mais do que carregar uma marca bonita.Alicia arqueou a sobrancelha.— Sempre tão acolhedores por aqui?Thalia soltou uma risada baixa.— Você não faz ideia.A clareira de treino ficava num platô elevado, cercado por árvores grossas e o som constante da floresta viva. Vári
O cheiro de sangue cortava o ar.Alicia corria atrás de Kael, os galhos batendo em seus braços como chicotes, mas ela mal sentia. Seu corpo estava alerta, os sentidos aguçados como se uma parte dela — uma parte antiga, selvagem — tivesse despertado.Eles chegaram à clareira e a cena diante deles fez seu estômago revirar.Três lobos estavam caídos. Dois guerreiros da matilha e um outro… um invasor. O pelo dele era negro como a noite, os olhos vidrados, arregalados em ódio mesmo depois da morte. O símbolo dos renegados estava cravado em seu peito — um X cortando a marca da própria linhagem. Um juramento de exílio. E de vingança.— Renegados? — Alicia murmurou, tentando entender o que estava acontecendo.Kael já estava ajoelhado ao lado de um dos lobos feridos. Seus olhos estreitos, os punhos cerrados. — Eles não atravessavam nossas fronteiras há meses. Isso foi um recado.— Um recado pra quem?Ele se virou para ela. O olhar afiado como lâmina.— Pra você.O silêncio caiu como uma senten