Alicia correu. Sem destino, sem pensar. Seus pés mal tocavam o chão da estrada de terra, como se a pressão do ar e o peso de seus próprios pensamentos a levassem mais rápido do que seus músculos podiam suportar. O som das batidas fortes de seu coração ecoava em seus ouvidos, abafando tudo ao seu redor. Mas o que ela não conseguia ignorar era o calor de Kael — uma chama quente e inclemente que parecia queimar atrás dela, em cada passo que dava.
Ela se viu novamente na cidade, as ruas iluminadas por postes de luz amarelada, a confusão mental ainda martelando sua cabeça. "Ele... o que foi aquilo? O que está acontecendo comigo?" Pensamentos se atropelavam, mas havia algo que não podia negar: o lobo dentro dela, o que ele representava, o poder. A dor da marca ainda ardia, como se fizesse parte de seu corpo agora. Um peso a mais, um fardo ou talvez um presente, ela não sabia.
No entanto, algo dentro dela não queria ceder, não queria ser marcada. Não queria ser parte desse jogo. Ele podia ser o Alfa, mas isso não significava que ela deveria seguir as regras dele. Alicia se deteve por um instante, sentindo a brisa fria contra sua pele quente, tentando encontrar algum tipo de lógica em tudo aquilo. Mas logo a lembrança daquele olhar feroz a assaltou de novo — os olhos de Kael, tão imponentes e certos. Ele sabia algo que ela não sabia, e isso a incomodava. Cada fibra de seu ser queria se afastar, mas outra parte, algo mais profundo, a mantinha presa.
Com um suspiro frustrado, ela se virou e seguiu pela rua vazia. Passos rápidos e decididos, mas sua mente se recusava a se acalmar. Ela não queria ser controlada. Não queria ser parte de um mundo que mal conhecia. Mas ao mesmo tempo, algo no fundo de sua alma parecia gritar para voltar. Para enfrentar o desconhecido, enfrentar Kael, enfrentá-lo como ele a havia desafiado na floresta.
Naquela noite, ela não sabia, mas algo mais estava se revelando.
Quando chegou em casa, sua mãe estava na cozinha, como de costume. O cheiro de café fresco pairava no ar, mas algo em Alicia sentiu que aquele momento não seria como todos os outros.
— Mãe... — sua voz tremia levemente, a mente ainda girando, tentando encontrar as palavras certas.
A mãe de Alicia levantou os olhos. A mesma expressão de sempre, mas hoje havia algo diferente, algo mais pesado no ar. Alicia sentiu o nó na garganta, mas seguiu em frente.
— Você sabia, não sabia? — perguntou, a raiva crescendo junto com o medo. — Sabia o que eu sou. Sabia o que está acontecendo comigo, e nunca me contou!
A mulher ficou em silêncio por um longo momento, seus olhos tristes e cheios de culpa, como se quisesse falar, mas não soubesse por onde começar. E então, Alicia percebeu, com um choque que cortou sua respiração, que talvez sua mãe nunca tivesse realmente tido escolha. Talvez ela também fosse uma prisioneira desse destino.
— Eu... eu queria te proteger, filha. — As palavras da mãe soaram baixas, quase quebradas. — Sua origem, Alicia, sua linhagem... é algo que ninguém pode controlar. Nem mesmo você.
Alicia engoliu em seco, o peso daquelas palavras esmagando-a. Aquela conversa, que ela tanto temia, agora estava acontecendo. E ela não sabia como lidar com isso. Tudo que ela sempre soubera, tudo que achara ser verdade, estava se despedaçando diante dela.
Ela não era só humana.
— Você é filha de uma loba exilada, Alicia. A matilha Draven... eles são parte do seu sangue. O destino... o destino está além de nós, filha.
Alicia vacilou, o mundo ao seu redor começando a desmoronar. A última coisa que ela esperava ouvir era uma revelação tão absurda.
Ela nunca imaginou que as sombras de sua origem fossem tão profundas, tão antigas.
O som da porta batendo abruptamente interrompeu o silêncio que se seguiu. Kael estava ali.
Alicia virou-se para ele, a surpresa tomando conta. O instinto lhe dizia para sair correndo, mas algo naqueles olhos a impedia de dar um passo. Ele a estava observando, sua presença tão grande que parecia engolir a sala.
A mãe de Alicia foi a primeira a reagir, ficando de pé.
— Kael... — ela disse, quase como se estivesse pedindo permissão para algo.
Alicia se virou para ela, confusa. As palavras que sua mãe havia acabado de dizer ainda estavam ecoando em sua mente, mas agora havia outra preocupação: Kael estava ali, no meio de sua casa, olhando para ela com os olhos que refletiam tudo o que ela temia.
— Você me chamou. — A voz de Kael cortou o ar. Era fria, mas havia algo nela que transmitia a urgência de algo que ela não podia mais ignorar. Ele se aproximou, cada passo ressoando de uma maneira quase predatória.
Alicia olhou para ele, a raiva voltando. "Isso não vai acontecer. Não do meu jeito."
— Eu não vou ser controlada, Kael. Não vou ser sua posse.
Kael sorriu, um sorriso cruel, sem humor. Mas havia algo nos seus olhos, uma promessa silenciosa.
— Não, Alicia. Você nunca foi minha posse. Você foi sempre minha, e você vai perceber isso logo.
A tensão no ar era palpável, mas Alicia não cedeu. Ela sabia o que queria, sabia o que deveria fazer. O problema era que, no fundo, seu corpo parecia gritar para fazer o oposto.
O conflito dentro dela começava a tomar formas mais sombrias, e o chamado da matilha, do destino, da marca, nunca havia sido tão claro.
Alicia não conseguia dormir. Mesmo com os olhos fechados, a imagem de Kael ainda estava lá, firme em sua mente, como uma sombra que a seguia. O cheiro dele — forte, selvagem — parecia impregnado em seu próprio corpo, como se ele tivesse deixado sua marca em cada parte de sua pele. A marca, a marca dourada que ainda queimava em seu ombro, lembrava-lhe constantemente que não podia fugir, não importava o quanto tentasse.Ela virou de lado na cama, os lençóis amassados ao redor de seu corpo. O vento frio batia contra a janela, mas nada parecia capaz de acalmá-la. Por mais que tentasse racionalizar a situação, uma parte de si se recusava a acreditar no que sua mãe havia dito. Era demais para absorver de uma vez. Ela, filha de uma loba exilada da matilha Draven? O destino, a linhagem dos “Lobos da Lua”? Isso era loucura, não podia ser verdade.Mas a dor da marca não mentia.Alicia se levantou, andando pela casa em silêncio. A casa estava vazia, como de costume. Sua mãe havia saído, provavel
O sol mal começava a aparecer no horizonte quando Alicia acordou. O pesadelo da noite anterior ainda a assombrava, as palavras de Kael reverberando em sua mente, como uma melodia sombria que ela não podia tirar da cabeça. Eu vou esperar. Você vai ceder.Ela se levantou da cama, sentindo o peso de cada movimento, como se as forças de seu próprio corpo estivessem contra ela. O cheiro da terra molhada entrava pela janela, trazendo consigo um leve alívio. Mas isso não foi o suficiente para dissipar o tormento que se instalava em seu peito. A marca dourada no seu ombro parecia pulsar a cada batida de seu coração, e embora tivesse tentado ignorá-la, não podia negar que algo em seu interior começava a responder a isso — como se a marca tivesse vida própria.Ela desceu as escadas, os pensamentos tumultuados. Não queria aceitar, não queria ceder. Mas algo dentro dela sabia que era uma luta que estava fadada ao fracasso. O destino... o sangue... a matilha...A casa estava vazia, mas o ar pesado
Alicia não sabia mais se estava correndo ou apenas vagando sem rumo. As sombras da floresta à sua volta pareciam se esticar e se mover com ela, como se estivessem vivas, pulsando ao ritmo de seu coração descompassado. O vento cortava sua pele, trazendo consigo o cheiro da terra molhada e o sussurro de algo distante. Algo que a chamava.Ela havia se afastado da casa, sem um destino claro, mas não conseguiu ignorar o impulso crescente de seguir para o coração da floresta. Havia algo lá. Algo que ela não podia mais evitar. E, apesar de toda a confusão que a consumia, algo em seu interior a guiava, como um fio invisível puxando-a para longe da segurança do familiar e em direção ao desconhecido.A marca dourada em seu ombro ardia com cada passo, e ela apertou a mão sobre o local, tentando aliviar a sensação incômoda. Mas era como se a marca estivesse viva, pulsando com a energia de algo mais antigo, mais poderoso.Ela sabia que Kael estava em algum lugar por perto, sentindo sua presença, m
O amanhecer chegou tímido, com a luz da lua ainda pintando a floresta de um tom prateado, mas já era possível ver o contorno das árvores que se estendiam ao longe, como sentinelas silentes. Alicia estava ali, sozinha no campo, com o peso da noite ainda pressionando sua mente. O lobo, Kael, a floresta… tudo parecia uma dança fora de controle, onde ela era forçada a dar passos que não queria.Ela se afastou da clareira onde havia enfrentado o lobo, suas pernas ainda pesadas pela experiência. A marca no ombro pulsava de forma constante, como um lembrete cruel do que ela não podia ignorar, mesmo que quisesse. Algo dentro dela, talvez o sangue que agora fluía com uma força que não conhecia, gritava para que ela aceitasse. Mas ela se recusava. Não seria uma peça no jogo dele, não seria parte da matilha de Kael Draven.Ainda assim, o silêncio ao seu redor a incomodava. A floresta, que antes parecia cheia de mistério e vida, agora parecia observá-la, esperando por algo que ela ainda não enten
O silêncio pairava pesado sobre a clareira, quebrado apenas pelo som abafado das folhas sob os pés de Kael.Alicia ainda sentia a pele quente, onde a marca dourada agora repousava, quase adormecida, sob o tecido de sua blusa. Ela se afastou dele com um passo hesitante, como se cada centímetro de distância fosse uma pequena vitória sobre o turbilhão que se formava dentro de si.— Isso não significa nada — ela sussurrou, com a voz mais firme do que esperava. — Eu não te conheço. Não conheço esse lugar. Essa marca… não muda quem eu sou.Kael não respondeu de imediato. O olhar dele a atravessava, escuro, intenso. Como se pudesse vê-la além da carne, além da teimosia.— Ainda não. — A voz dele era baixa, mas carregada de uma certeza perigosa. — Mas vai mudar.Alicia cruzou os braços. Era um gesto defensivo, mas também desafiador. Algo nela se recusava a ceder. Mesmo quando tudo gritava para que ela se entregasse.— Me leve de volta. Quero ir embora.Kael a observou por mais um momento ante
Acordar naquela manhã foi como emergir de um sonho que ainda agarrava sua pele. Alicia sentia o corpo dolorido, os músculos tensos, como se tivesse corrido por horas — ou lutado com algo que ainda não compreendia.A marca em seu ombro latejava. Pulsava como um segundo coração.Ela se vestiu com roupas que haviam deixado para ela — calça de tecido grosso, uma blusa justa de mangas compridas e botas reforçadas. Roupas de treino, aparentemente. E quando desceu as escadas da casa, encontrou uma mulher à porta, esperando-a com os braços cruzados e um sorriso enviesado no rosto.— Bom dia, princesa da lua. — A voz era irônica, mas não hostil. — Eu sou Thalia. Beta da matilha. E hoje a gente vai descobrir se você serve pra mais do que carregar uma marca bonita.Alicia arqueou a sobrancelha.— Sempre tão acolhedores por aqui?Thalia soltou uma risada baixa.— Você não faz ideia.A clareira de treino ficava num platô elevado, cercado por árvores grossas e o som constante da floresta viva. Vári
O cheiro de sangue cortava o ar.Alicia corria atrás de Kael, os galhos batendo em seus braços como chicotes, mas ela mal sentia. Seu corpo estava alerta, os sentidos aguçados como se uma parte dela — uma parte antiga, selvagem — tivesse despertado.Eles chegaram à clareira e a cena diante deles fez seu estômago revirar.Três lobos estavam caídos. Dois guerreiros da matilha e um outro… um invasor. O pelo dele era negro como a noite, os olhos vidrados, arregalados em ódio mesmo depois da morte. O símbolo dos renegados estava cravado em seu peito — um X cortando a marca da própria linhagem. Um juramento de exílio. E de vingança.— Renegados? — Alicia murmurou, tentando entender o que estava acontecendo.Kael já estava ajoelhado ao lado de um dos lobos feridos. Seus olhos estreitos, os punhos cerrados. — Eles não atravessavam nossas fronteiras há meses. Isso foi um recado.— Um recado pra quem?Ele se virou para ela. O olhar afiado como lâmina.— Pra você.O silêncio caiu como uma senten
O som dos uivos rasgou a madrugada.Alicia despertou ofegante, os lençóis colados à pele pelo suor. O quarto estava escuro, mas o brilho da lua atravessava as frestas da janela, banhando o chão com um feixe prateado. O mesmo brilho que agora pulsava em sua marca, queimando com uma intensidade que ela nunca havia sentido.Ela se levantou com pressa. Algo estava errado.Do lado de fora, vozes se misturavam aos rosnados. Lobos em alerta. Passos apressados ecoavam pelo vilarejo. Alicia correu, vestindo às pressas a calça e a jaqueta que estavam sobre a cadeira. Assim que abriu a porta, Thalia apareceu à frente, os olhos arregalados.— Eles voltaram. Mais lobos renegados. Vieram em maior número desta vez.— Onde está Kael? — Alicia perguntou, já descendo os degraus.— No limite da floresta. Ele ordenou evacuar os jovens e os idosos. Vamos segurá-los até que todos estejam seguros.Alicia assentiu, mas algo dentro dela se rebelava. Ela não queria apenas fugir. Não queria apenas se esconder.