PRÓLOGO
Lara Gaspar precisava se mudar com urgência. Havia um ano que ela saíra do orfanato. Conseguiu se virar com a ajuda de um amigo e alugou uma pequena quitinete.
Mas, infelizmente, os proprietários queriam a casa de volta.
Ela trabalha em uma loja de conveniência, num posto de gasolina. Seu salário não é grande coisa, então a preocupação logo a assolou. Afinal, é difícil encontrar algum canto onde possa viver com um valor acessível.
Mas seu melhor amigo a salvou. Andrea, um italiano que se mudou para o Brasil desejando conhecer algo novo. Sua família tem boas condições financeiras.
Ele deixou que Lara morasse em seu segundo apartamento, sem precisar pagar aluguel. É um bom amigo. Eles se conheceram quando Lara saiu do orfanato e, desde então, não se separaram.
O apartamento é perfeito. Fica próximo à Lagoa do Iriry, em Rio das Ostras.
E foi ali que tudo começou. Duas semanas de paz... só duas semanas.
Pois depois que ela se deparou com seu vizinho — sedutor, charmoso, discreto e calado — parado em frente ao elevador... com as mãos sujas de sangue...
O caos e a insegurança se instalaram em sua alma.
Ela não sabe do que ele é capaz. O medo de saber que ele mora ao lado tirou sua paz.
NARRAÇÃO DE LARA GASPAR
Estava tudo silencioso demais.
— Está muito silencioso — sussurrei, olhando para o teto. Andrea, meu melhor amigo, estava deitado ao meu lado na cama. Nossos pés encostavam na parede enquanto tentávamos ouvir qualquer ruído vindo da casa vizinha.
— Você está enlouquecendo, Lara. Só estou aqui porque você cismou que o galã do prédio pode ser um serial killer... Andou assistindo àquela série do Jeffrey Dahmer?
— Cala a boca! — tapei a boca do Andrea, justamente quando um ruído veio do apartamento do vizinho. Um assassino. Eu tenho certeza! Ele tem aquele perfil: frio, calculista, com cara de quem não pouparia nem a própria família.
Um som seco de vidro se estilhaçando me fez sentar na cama com o coração disparado.
— A gente precisa chamar a polícia! — Encarei Andrea, mas ele apenas riu e atirou um travesseiro na minha cara.
— Para de viajar. Eu vou tirar essa dúvida agora mesmo — disse, se levantando da cama.
Desesperada, pulei e segurei seu pulso.
— Não! Nem pense nisso, Andrea! A gente só tem uma vida! Lembra o que acontece nos filmes de terror? As vítimas vão direto pro perigo... e aí: decapitadas! — Andrea gargalhou, soltando minha mão.
— Você é louca. Morar sozinha definitivamente não está te fazendo bem. Ele é só um novo vizinho. Vai ver você confundiu. Talvez ele pinte quadros no tempo livre...
— De terno?! Ele estava de terno! Isso é coisa de máfia. Tem cara de poderoso. E, pelo que sei, mora no maior apartamento do prédio! — afirmei, convicta.
Andrea suspirou, entediado.
— Che diavolo... Che ragazza testarda...
Revirei os olhos. Detesto quando Andrea começa com esse italiano dele. Provavelmente está me xingando.
— Para de falar italiano.
— Então para de ser teimosa. Tô falando sério. Gente rica é estranha mesmo. Conheço um amigo da família que pinta quadros... pelado. Diz ele que se sente mais inspirado assim.
— Eu consigo imaginar a cena — falei, rindo.
Andrea riu também, ajeitando a blusa.
— Detalhe: ele pesa cento e quarenta quilos. Os empregados devem sofrer ao entrar na sala.
Gargalhei, mas logo me calei. Tapei a boca com a mão ao ouvir uma batida — talvez um martelo — vindo do apartamento ao lado. Andrea saiu do meu apê e eu entrei em pânico.
— Andrea! — sussurrei desesperada no corredor, tentando impedir que ele batesse na porta do nosso vizinho-assassino.
— Relaxa, ragazza. Quero dar as boas-vindas. No fundo, acho que é paixão o que você sente — disse ele, debochado.
Fiz sinal para que voltasse. Ele já estava próximo demais daquela porta. Perigo, perigo... E então ele bateu.
Meu corpo congelou. Senti o rosto formigar. Eu não queria presenciar meu melhor amigo sendo morto diante de mim.
Meu coração quase parou quando o homem abriu a porta.
Estava com os cabelos soltos, os olhos carregados de curiosidade. Usava um avental vermelho. Está cozinhando um cadáver, pensei. Provavelmente é um canibal. O rosto dele parece o de um leão — se leões fossem gente.
— Olá, fiquei sabendo que você é o novo vizinho. Queria te dar as boas-vindas. Minha amiga mora no apartamento ao lado — disse Andrea, apontando pra mim.
Sorri amarelo, escondida mais atrás, sem coragem de me aproximar. O homem não sorria, não fazia nada. Apenas me encarava com um olhar gélido, paralisante.
— Acho que já a vi no elevador. Obrigado pela recepção.
— Imagina. Se quiser ter amigos, ou sair nos finais de semana...
— Trabalho muito — cortou, seco.
Na cara que é um psicopata.
— Entendi... Bom, se um dia quiser se enturmar, fique à vontade. Me chamo Andrea Bazzo, sou italiano. E minha amiga aqui é a Lara Gaspar. Ela... bem, não se sabe do paradeiro dos pais. Então, se é brasileira ou italiana, é um mistério.
Encarei Andrea, incrédula. Ele quer me matar com essas informações? Jogar minha vida assim, nas mãos de um psicopata sedutor?!
O homem sorriu de canto, quase imperceptivelmente, e abriu mais a porta.
— Gostariam de entrar? Estou preparando um jantar. Meu nome é Matias Lopes. Sou espanhol, mas moro no Brasil há muitos anos.
Andrea me lançou um olhar animado, esperando minha decisão. Ele queria mesmo que eu entrasse na casa daquele homem.
— Acho melhor deixarmos para outro dia — falei, com a voz trêmula.
Andrea bufou entediado e me puxou pelo braço.
— Vamos, amiga! Você precisa de novos amigos!
E me arrastou para dentro do apartamento daquele homem que tanto me assustava.
Matias sorriu e fechou a porta.
O lugar era lindo. Amplo, decorado com paredes em tom creme e janelas enormes com vista para a lagoa. A sala era requintada, elegante. É um assassino rico...
— Fiquem à vontade. Posso servir algo para beber? — perguntou, passando por mim calmamente.
Seu perfume amadeirado me envolveu. Era o mesmo que senti no elevador, no dia em que vi suas mãos sujas de sangue. Ele é um assassino. Eu sei!
— Aceito uma taça de vinho — disse Andrea, com a cara mais lavada do mundo, só porque viu Matias se aproximando de uma pequena adega.
Meu corpo inteiro tremia. Eu não sabia como agir. Apenas o observava caminhar. Ele era intimidador. Enigmático. Até o andar dele era atraente. Tão sedutor que, por um instante, esqueci do medo.
Soltei uma lufada de ar e desviei o olhar. Ele me fitava com discrição. Meu corpo reagiu de um jeito estranho.
Falei comigo mesma, em silêncio: “Para de encarar... Para agora... Antes que ele ache que você é uma louca.”