Inicio / Romance / MEU MARIDO, MEU INIMIGO / Capítulo 2 – A esposa da campanha
Capítulo 2 – A esposa da campanha

POV Isabela Costa

A dor nas costas me acordou antes do sol. O quarto ainda estava escuro, mas minha cabeça já pesava como se tivesse passado dias de pé. Vesti o robe devagar, cada movimento puxando músculos que doíam. Fui até o espelho. O hematoma na base da omoplata começava a surgir, um roxo difuso, como uma sombra querendo gritar.

Peguei o celular. Nenhuma mensagem dele. Nenhuma tentativa de desculpa. Claro que não. Desci as escadas em silêncio. A casa ainda dormia. Eu precisava de ar. No jardim, a grama úmida gelou meus pés descalços, mas não importava. Sentei no banco de pedra ao lado da fonte. Tentei não pensar. Mas tudo gritava dentro de mim. Ele me traiu. Me empurrou. Me desafiou. E saiu andando como se nada tivesse acontecido.

— Filha? — a voz do meu pai cortou o ar.

Me virei devagar. Álvaro Costa, terno escuro, gravata vinho, olhar preocupado. Ele se aproximou rápido, como um pai prestes a socorrer uma criança. Mas eu não era mais criança. E não precisava ser socorrida. Precisava ser ouvida.

— O que houve? — ele perguntou. — Você está pálida.

— Pergunte ao seu genro.

— O que Daniel fez?

Não respondi. Virei o rosto. Mas ele insistiu.

— Isabela. Você não vai me dizer que brigaram por causa de ciúme bobo, vai?

A risada saiu antes que eu pudesse conter.

— Ele me traiu, pai. Com várias. E ontem... ele me empurrou.

O rosto do meu pai endureceu. Mas não da forma que eu esperava.

— Você tem certeza disso?

— Eu senti a parede nas minhas costas, então acho que sim.

Ele respirou fundo. Passou a mão pelos cabelos. Caminhou dois passos, depois se virou de novo.

— Escuta... agora não é hora disso.

— Não é hora de quê, pai? De se importar com a filha que acabou de ser agredida?

— É hora da campanha. Você sabe. As pesquisas estão instáveis, e o apoio da família Almeida é crucial. Se isso vaza... se essa história sai na mídia...

— Então é isso? Eu viro manchete e você perde voto?

— Não fale assim comigo.

— Então me escuta como pai, não como político, mas como pai.

Ele não respondeu. Ficou apenas olhando o jardim, como se estivesse calculando quantos pontos porcentuais a minha dor podia custar.

— Só me diga uma coisa, pai. Se fosse minha mãe no meu lugar...?

Ele piscou, devagar. Engoliu seco. Depois disse:

— Sua mãe aguentou muita coisa por mim. E hoje, olha onde estamos.

— Exato. Olha onde vocês estão.

Me levantei. Estava cansada. Cansada de fingir, de posar, de obedecer.

— Eu vou sair disso. Com ou sem seu apoio.

— Você não pode se divorciar agora, Isabela. Não no meio da campanha. Isso arruinaria tudo. Espere. Aguente só mais um pouco. Só mais três meses. Depois das eleições, conversamos.

— Depois das eleições, pai... talvez não sobre nada de mim.

Voltei para dentro com as mãos trêmulas. Daniel estava na sala, tomando café como se fosse um dia qualquer. Traje alinhado. Cabelo no lugar. Cínico. Ao redor da mesa, minha mãe, que havia chegado de viagem, mantinha o olhar distante. Leonel, assessor e braço do meu pai que tinha metada de sua idade, digitava algo no celular. Meu pai já estava sentado à cabeceira.

Sentei lentamente. Ninguém falava. A tensão era densa como vidro prestes a estourar. Daniel virou-se para mim, sorrindo:

— Dormiu bem, meu amor?

Segurei a xícara de café morno. A porcelana queimava levemente entre os dedos.

— Quase morri de tanto sonhar com seu fim.

Ele riu. Aquele riso cínico. O mesmo de sempre.

— Olha, Bela... vamos manter as aparências. O coquetel de hoje à noite tem cobertura da imprensa. Seu vestido já chegou. Seu pai confirmou presença. Sorria. Seja linda. Finja. Você faz isso tão bem.

Meu pai pigarreou. Leonel nem levantou os olhos. Minha mãe, imóvel, apertava os dedos contra a xícara, mas não dizia nada. Eu respirei fundo. Sorri leve. Me levantei. E virei a xícara de café direto no colo de Daniel. A mesa congelou.

— Que porra é essa?! — ele pulou da cadeira, sacudindo o tecido sujo.

— Uma prévia do que você merece — respondi. — E ainda estava frio. Da próxima vez, eu juro que uso fervendo.

Leonel ergueu as sobrancelhas e vi um vislumbre de um sorriso. Meu pai abriu a boca, mas não disse nada. Minha mãe, por fim, falou:

— Já passou da hora de alguém fazer isso.

Eu me virei. Sem pressa. Deixei a sala em silêncio. O som dos meus passos era o único eco. Subi para o quarto sem olhar para trás. Meu corpo ainda tremia de adrenalina, mas minha mente estava sóbria como nunca. A xícara quebrada havia sido um grito. O primeiro. E não seria o último. Entrei no closet. Escolhi um conjunto preto de alfaiataria, sem brilho, sem firulas. Elegante, sóbrio, como uma viúva em luto. E de certa forma, era. Estava de luto por tudo que eu finjo viver. Por tudo que precisei engolir para manter as aparências.

Deixei as roupas sobre a cama e entrei no banheiro. A água quente começou a escorrer pelos ombros, tentando apagar o cansaço da noite anterior, o roxo nas costas, a memória da parede fria. Fechei os olhos. Não houve lágrimas. Só silêncio. De repente, ouvi a porta do quarto se abrir. Em seguida, passos pesados atravessando o piso de madeira. Não tive tempo de reagir. A porta do banheiro foi escancarada com força, batendo na parede.

— É assim que você quer jogar, Isabela? — Daniel entrou como um furacão, os olhos cheios de ódio.

Antes que eu pudesse cobrir o corpo, ele me alcançou. As mãos invadiram o box. Me agarrou pelo pescoço, me encostando contra a parede de azulejos úmidos.

— Você me expôs diante do seu pai. Diante da sua mãe. Diante daquele verme do assessor!

Lutei com os braços, empurrando seu peito, tentando afastá-lo. A água continuava caindo, agora misturada com minha respiração ofegante.

— Solta... — minha voz saiu rasgada, fraca.

— Acha que pode me ridicularizar e sair ilesa? — ele apertava com força, os olhos inflamados. — Eu posso acabar com você antes mesmo de você abrir a boca para imprensa.

Cravei as unhas no braço dele. Ele me soltou de súbito, como se tivesse voltado à realidade por um segundo. Cambaleei dentro do box, tossindo, segurando o próprio pescoço.

— Você é um covarde. — minha voz era rouca, mas firme. — Um covarde desesperado, tentando controlar o que já perdeu.

Ele me encarou. O peito arfando. A água ensopando a camisa dele. As calças também estavam molhadas, e mesmo assim ele não se movia. Só me olhava. Como se me odiasse por não ser mais controlável.

— Você não tem ideia do que eu sou capaz, Isabela.

— Tenho sim. Agora eu tenho. — engoli em seco. — E é exatamente por isso que você vai cair.

Ele riu. Um riso baixo, debochado.

— Acha que alguém vai ficar do seu lado? Seu pai? Sua mãe? Todos precisam desse casamento. Ninguém vai arriscar tudo por uma “princesa mimada” que surtou.

— Você está enganado.

— Estou? — ele deu um passo pra trás. — Então vamos ver até onde você aguenta. Você quer guerra, Bela? Vai ter.

Saiu do banheiro encharcado. Bateu a porta atrás de si com tanta força que o som ecoou pelas paredes. Fiquei ali por alguns segundos. O coração martelando no peito. As mãos tremendo. O corpo inteiro querendo cair. Mas não caí. Enxuguei o rosto. Respirei fundo. Saí do banho. Me vesti devagar, como quem se prepara para um duelo. O espelho mostrava minha pele marcada, meu rosto ainda molhado, meus olhos vermelhos, mas não de choro. De fogo.

Peguei o celular. Liguei a câmera frontal. E encarei a mim mesma.

— Agora sim. Você está pronta.

Fechei a bolsa. Abaixei a manga do blazer sobre o pulso machucado. Desci as escadas com a cabeça erguida, pronta para ir à fundação. O mundo lá fora ainda acreditava no conto de fadas. E era exatamente isso que eu ia usar contra ele.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP