POV Isabela Costa
Todo mundo acredita que eu tenho a vida perfeita. Casada com Daniel Lacerda, jovem, bonito, herdeiro de um império da construção civil. Filha de Álvaro Costa, deputado influente, prestes a disputar o governo do estado. Vista como símbolo de elegância, filantropia e poder. As revistas dizem que sou uma mistura de Jackie Kennedy com Gisele Bündchen. Mas o que elas não sabem é que, à noite, eu durmo com o inimigo.
A casa estava silenciosa quando voltamos do jantar beneficente. Vestido sob medida, maquiagem intacta, sorriso de capa. Daniel foi direto para o quarto. Disse que estava cansado. Beijou minha testa como quem b**e o ponto. Fiquei na sala, sozinha. Tirei os brincos, desfiz o coque. Abri o celular para postar algo sobre a causa da noite, mas antes que eu digitasse qualquer coisa… vibração. Não do meu aparelho.
O dele. Olhei. Estava sobre a mesa de centro. Tela acesa. Uma prévia da mensagem dizia: “Você saiu tão apressado... Estou com saudade do que fizemos no carro.” Congelada. Peguei o celular dele. Sem senha. Claro que não. Ele confiava que eu nunca ousaria.
Abri. Mensagens. Fotos. Áudios. Muita pele e pouca roupa, na verdade, NENHUMA roupa. Ela mandava beijos. Ele respondia com palavras que nunca me disse. Mas quando falava de mim para essas mulheres, se referia como: “Princesa de vitrine.” “Ela é só o marketing da família Costa.”
O estômago revirou. Continuei deslizando o dedo. Outro nome. Outra mulher. Depois outra. E outra. Lívia Ribeiro. Minha amiga. Minha madrinha de casamento. Subi as escadas com o celular ainda na mão. Entrei no quarto. Daniel estava deitado, mexendo no tablet, focado em algo, talvez seja do trabalho ou quem sabe, mais traições.
— Está cansada? — ele perguntou, sem olhar pra mim.
Estiquei o celular. A tela mostrava a traição. Ele olhou por dois segundos. Depois, apenas disse:
— Ia descobrir cedo ou tarde.
— Isso aqui é real? — minha voz saiu firme, mas por dentro, eu estava em ruínas.
Ele se sentou. Encostou na cabeceira. Não parecia surpreso. Nem envergonhado.
— Você quer escândalo agora? — disse, rindo. — Bela, vamos parar com o teatro. Você não me ama. Ama a ideia do nosso casamento. Da vida perfeita. Da esposa perfeita. Do feed perfeito. Nós somos uma fachada. Uma vitrine. E você é o enfeite mais caro da loja.
— E você o traidor mais barato da cidade.
— Eu te dei estabilidade, presença, elogios públicos. Em troca, quis liberdade. O que há de tão absurdo nisso?
— Liberdade? Você chama isso de liberdade?
— Chamo de realidade. Enquanto você posa pra foto, eu vivo. Você é a boneca de porcelana do Costa. Intocável. Inatingível. E insuportável.
Cada palavra era como ácido. E ele sabia disso.
— Você destruiu tudo.
— Eu apenas tirei a máscara. Nós dois sabemos que você não vai fazer nada. Seu pai precisa de mim. Seu nome depende do meu sobrenome agora. Você é a esposa da campanha. Se abrir a boca, derruba o palanque inteiro.
Um segundo de silêncio.
— Você vai se arrepender — sussurrei.
— Não vai fazer nada, Isa. Não tem coragem. Vai continuar me beijando em público, sorrindo nas fotos, engolindo o que restar. Porque é isso que você foi criada pra fazer. Fingir.
Deixei o celular cair no chão. Saí do quarto. Andei descalça até o jardim. A grama ainda estava molhada pelo orvalho. O céu escuro, sem estrelas. Me sentei no chão, abraçando os joelhos. Pela primeira vez, em muito tempo, eu deixei o silêncio me engolir.
Mas não chorei. Daniel achava que tinha me destruído. Mas ele só me acordou. Depois de um tempo, ouvi os passos dele na varanda. Não me virei.
— Vai dormir no jardim agora? Que cena linda. Uma mulher traída em silêncio. Isso dá um ótimo stories, sabia?
— Você devia ter medo do que eu posso fazer em silêncio.
— Você não vai fazer nada. Você é só filha do Costa. E isso não dura para sempre.
— Tem razão. Não dura. Mas eu vou durar mais que você.
Meus olhos não ardiam. Minha boca não tremia. Dentro de mim, só havia uma certeza fria e absoluta: Esse casamento termina com ele de joelhos. Eu vou destruir o homem que tentou me destruir. E quando tudo vier à tona, os nomes, as mentiras, as amantes, os podres da campanha, ninguém vai me impedir. Nem meu pai. Nem a imprensa. Nem Deus.
Entrei na casa de volta, com os pés molhados pela grama, os cabelos soltos, a maquiagem intacta por fora, mas por dentro, tudo estava em colapso. Daniel estava encostado na parede do corredor, braços cruzados, como quem me esperava só para continuar a humilhação.
— Terminou sua performance no jardim? — ele perguntou, com um tom entediado. — Posso te aplaudir ou você quer um Oscar?
Parei. Respirei fundo. Fitei ele nos olhos.
— Você tem alguma noção do que acabou de fazer?
— Eu? Eu só tirei a venda dos seus olhos, querida. Você vive numa fantasia. Uma boneca de vitrine com um vestido de cinco dígitos e um pai que compra manchetes. E agora quer bancar a traída?
— Eu dei tudo para você. Tudo. Até minha dignidade.
— Que bom, então. Porque agora não tem mais nenhuma sobrando. — Ele sorriu. — Você é só mais uma mulher desesperada tentando parecer forte. E sabe o que é mais patético? Você não tem para onde correr. Nem família, nem aliados, nem verdade.
— Tenho uma coisa. — dei um passo à frente. — Tenho a verdade que você me deu hoje. E com isso, Daniel, eu te destruo.
Ele riu alto. Um riso amargo.
— Vai fazer o quê? Gravar stories chorando? Contar para o papai? Acorda, Isabela! Você é um produto. Sem mim, você não é nada.
— Prefiro ser nada do que continuar sendo sua sombra.
— Então some — ele rosnou.
E num segundo, o que era apenas veneno virou violência.
Ele avançou um passo e me empurrou com força contra a parede do corredor. Minhas costas bateram no gesso. Um quadro caiu. A moldura rachou. Meus olhos se arregalaram, não pelo susto, mas por finalmente ver quem ele realmente era, sem máscaras, sem sorriso de campanha.
Ele me encarou de perto. Tão perto que eu senti o hálito quente e amargo dele.
— Vai chorar agora? Vai chamar segurança? Vai correr para sua mamãezinha?
Fiquei imóvel por um instante. Mas então, levantei o queixo. O sangue fervia nas veias.
— Você me bateu. — minha voz saiu baixa, gélida. — Você acabou de cruzar a única linha que ainda te protegia.
— Você mereceu.
— E você vai pagar.
Ele recuou um passo, como se não esperasse aquilo.
— O que disse?
— Vai pagar. Não agora. Não como você espera. Mas quando eu terminar, Daniel, até o seu sobrenome vai ser motivo de vergonha. Cada amante sua vai virar manchete. Cada centavo seu, investigado. E o tapete vermelho que você adora vai virar lama.
Passei por ele com os ombros retos, mesmo com a dor ardendo nas costas. Antes de subir as escadas, me virei uma última vez:
— Obrigada por mostrar quem você é. Agora, eu sei exatamente o que destruir.
Subi degrau por degrau sentindo que cada passo era uma promessa. E no topo da escada, já no escuro do corredor, ouvi a voz dele pela última vez naquela noite:
— Você não tem ideia de com quem está mexendo.
Respondi sem me virar:
— Não. É você que não tem ideia de quem acabou de acordar.