104. Memórias dolorosas
O apartamento estava silencioso, exceto pelo som abafado da chuva batendo contra os vidros da varanda. Isabela entrou devagar, sem acender as luzes. Deixou a bolsa sobre a cadeira da sala e caminhou direto para a cozinha, onde a chaleira elétrica ainda estava plugada da última madrugada.
Enquanto a água esquentava, seus olhos se perderam na pequena moldura de madeira em cima da estante. Já não havia foto dentro, apenas o espaço vazio e amarelado por trás do vidro. E mesmo assim, era como se a imagem estivesse ali — intacta. Aquela mesma tarde de verão, os pés descalços na areia, os dedos entrelaçados e os olhos dele dizendo que ficariam juntos para sempre.
Mas não ficaram.
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O nome dele era Daniel. Tinham se conhecido numa conferência de inovação em Belo Horizonte, três anos antes. Ele era gerente de produto de uma startup de mobilidade urbana — inteligente, encantador e aparentemente gentil. Tão interessado em suas ideias quanto em suas histórias. Quando ela falava, ele ouvia com um