Se eu me refugiava no trabalho, Isabela também não ficou para trás. Não se deteve pela gravidez, tampouco pelo meu desprezo. Continuou os estudos, concluiu a faculdade, e logo se envolveu em um projeto ao lado de um antigo amigo do ensino médio: Luiz.
Eu não sabia muito sobre ele, tampouco sobre o projeto em si. Apenas ouvia menções vagas em nossas conversas superficiais, como quem troca notícias apenas para não admitir que vive em mundos separados. E a verdade é que essa distância me agradava. Quanto mais tempo ela passava envolvida em seus livros, suas ideias e ao lado de Luiz, menos eu precisava fingir interesse em uma convivência que me sufocava.
Não nego que havia em mim um certo alívio por vê-la ocupada. Afinal, enquanto ela se perdia em seu universo acadêmico, eu podia me afundar nos meus negócios sem culpa. O império que construí exigia noites longas, decisões rápidas e a frieza que sempre carreguei como virtude. Era como se cada contrato assinado fosse mais uma pedra sólida erguida contra a instabilidade que Isabela representava na minha vida.
Mas, no fundo, mesmo quando fingia não perceber, eu sabia: a cada passo que ela dava fora do nosso casamento, a cada vitória pequena que conquistava sem minha ajuda, Isabela estava se tornando menos dependente de mim.
E isso me incomodava.
Não porque eu desejasse a atenção dela — até então, acreditava não desejar nada dela — mas porque sua independência expunha uma verdade incômoda: talvez eu não fosse o centro da sua existência, como ela havia demonstrado tantas vezes no passado. Talvez, no fim das contas, Isabela estivesse aprendendo a viver sem mim.
Nossas noites permaneciam silenciosas. Eu, preso ao computador ou às planilhas mentais que nunca descansavam. Ela, ao lado, mergulhada em sonhos que eu não ousava perguntar. Entre nós, havia apenas o som dos passos de Ana crescendo dentro dela — um som que eu fingia ignorar, mas que em alguns momentos, sozinho, reconhecia como a única herança real da nossa união.
Isabela, com seu jeito resiliente e discreto, começava a construir uma vida para além da minha sombra. E, ainda que eu não admitisse em voz alta, esse fato mexia comigo mais do que eu estava disposto a encarar.
Eu era Pedro Santos, o gênio, o CEO, o orgulho de todos.
Mas dentro de minha própria casa, diante de uma mulher que eu nunca escolhera, começava a sentir as primeiras rachaduras daquilo que acreditava ser inabalável: meu controle.A cada dia, ela parecia mais distante — não em gestos bruscos ou palavras duras, mas na sutileza de quem já não esperava nada. O café da manhã era servido com gentileza, mas sem olhar. As perguntas eram práticas, pontuais, como quem administra uma rotina, não uma relação. E eu, que sempre me orgulhei de dominar ambientes, de inspirar respeito e temor, me via impotente diante daquela ausência silenciosa.
Luiz, com seu entusiasmo juvenil e ideias idealistas, passou a frequentar nossa casa com mais frequência. Eu o observava de longe, com a indiferença calculada de quem não quer demonstrar incômodo. Mas havia algo nele — talvez a leveza, talvez o modo como olhava para Isabela com genuína admiração — que me irritava mais do que eu admitia. Não por ciúmes, mas por perceber que ele enxergava nela o que eu sempre me recusei a ver: força, inteligência, beleza.
Isabela florescia. E eu, paradoxalmente, murchava.
O trabalho já não oferecia o mesmo refúgio. As reuniões se tornavam repetitivas, os números, embora crescentes, não preenchiam o vazio que começava a se instalar. Eu me pegava distraído, revisando mentalmente os gestos dela, os silêncios, os sorrisos que já não eram meus. E, pela primeira vez, me perguntei se o sucesso que construí valia o preço da solidão que agora me cercava.
Ana nasceu em uma manhã cinzenta, sem alarde. Eu estava presente, como se exige de um pai, mas não como se espera de um homem. Segurei aquela criança com mãos firmes, mas coração hesitante. Ela era minha filha, minha continuidade, e ainda assim, senti que ela pertencia mais a Isabela do que a mim. Era como se, naquele instante, o elo entre mãe e filha se tornasse um universo próprio, do qual eu era apenas espectador.
Isabela não chorou. Sorriu com serenidade, como quem finalmente alcança algo que buscava há muito. E eu, ao vê-la assim, percebi que talvez nunca tivesse realmente conhecido aquela mulher. Talvez, por orgulho ou medo, eu tenha me recusado a enxergá-la. E agora, quando ela já não precisava de mim, era tarde demais para querer compreendê-la.
O controle que eu tanto prezava escorria por entre os dedos. E, pela primeira vez, Pedro Santos, o gênio, o CEO, o orgulho de todos, se viu diante da própria fragilidade. Não por fracasso profissional, mas por ter ignorado o que realmente importava: a humanidade que existia ao seu lado, silenciosa, firme, e que agora seguia em frente sem olhar para trás.