O tempo passou, e com ele vieram as certezas que eu não pedi, mas que me foram impostas. Isabela estava grávida de uma menina. Quando a ouvi pronunciar o nome “Ana” pela primeira vez me deixou com um misto de raiva e incertezas, havia ali tambem algo que nao sabia identificar, mas para Isabela havia um brilho em seus olhos que me desconcertou. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, ela tivesse encontrado um motivo verdadeiro para sorrir. Era felicidade que encontrava em seu olhar, era uma possivel certeza de dias melhores, ela finalmente teria alguem a quem amar, e ela seria amada por nossa pequena Ana.3
Para ela, Ana era um milagre. Para mim, era apenas mais uma prova de que o destino havia decidido rir da minha arrogância. Eu, Pedro Santos, seria pai sem nunca ter desejado sê-lo.
À noite, dividíamos a mesma cama — não por vontade, mas por conveniência social. Ela dormia de um lado, eu do outro, criando entre nós um abismo que so era rompidos por pucos toques contidos sem querer. E,por seu choro nesse espaço gelado, eu a ouvia chorar. Lágrimas contidas, abafadas pelo travesseiro, mas ainda assim tão presentes que às vezes me tiravam o sono. Eu a ouvia mas nao dizia uma palavra se quer.
Não me orgulho de dizer que a ignorava. Era como se cada lágrima dela fosse uma faca que atravessava o ar e parava diante da minha pele, mas nunca me atingia por completo. Eu sentia o incômodo, mas não o suficiente para ceder. O desprezo era minha armadura, meu lembrete diário de que não a havia escolhido.
Aquela noite deixou resquicios de amargura, desprezo e uma certeza que meu amor nunca perteceria a Isabela.
No entanto, por mais que Isabela sangrasse em silêncio, eu não permitia que sua dor me paralisasse. Eu ate mecompadecia de sua tristeza, mas ela fez essa escolha, nao eu. Agora era preciso lidar com aquela amargura que ela impusera para si mesma. E minha mente era disciplinada demais para se perder em emoções. Enquanto ela enfrentava as transformações de um corpo que gestava nossa filha, eu construía um império.
Aos poucos, tomei a frente dos negócios da família Santos. Meu avô havia aberto o caminho, meu pai mantivera a chama, mas fui eu quem transformou as cinzas em um fogo voraz. Tornar-me CEO do Grupo Santos não foi apenas uma conquista: foi a confirmação de que meu destino não seria refém de uma noite de fraqueza.
Todos se orgulhavam de mim. Todos, menos minha avó. Ou ao menos nunca deixava transparecer que um por um segundo ela se orgulhava de mim, seu neto mais velho, disciplinado e CEO.
Aurora, sempre ela. A mulher que via em Isabela algo que jamais enxergara em mim. Talvez fosse bondade, talvez fosse fragilidade, talvez apenas a lembrança de sua própria juventude. Não importava. O olhar de minha avó permanecia voltado para minha esposa, e isso era um peso que nenhuma vitória profissional conseguia aliviar.