A noite mal havia começado quando despertei, sem entender se o que me acordou foi um sonho ou um presságio. As luzes da mansão estavam apagadas, e o silêncio parecia mais pesado que o habitual. A lembrança do jantar de gala ainda pulsava em mim, como se a noite anterior não tivesse terminado, apenas mudado de tom.
Enzo, Dante, seus olhares carregados... o toque sutil dele em minha cintura… o beijo provocador de Dante em minha mão. Aquela troca silenciosa entre irmãos me fazia sentir como se estivesse no centro de uma tempestade prestes a explodir.
Foi então que ouvi.
Um som abafado. Um ruído seco, algo que parecia um grito contido. Não era alto, mas o suficiente para cortar o silêncio da madrugada.
Sentei na cama de imediato, o coração acelerado, a respiração suspensa.
Por instinto, vesti um robe leve e sai do quarto em silêncio, guiada apenas pela luz da lua que atravessava os vitrais dos corredores da mansão. A escuridão dançava em sombras sobre as paredes, e meus passos nus sobre o chão de mármore pareciam mais ousados do que eu gostaria.
A casa parecia viva. Atenta. Como se respirasse sob meus pés.
Andei devagar, pé por pé, segurando o robe fechado com força, até que vozes surgiram adiante. Eram baixas, mas alteradas. Reconheci imediatamente o tom firme e gélido de Enzo. E, logo depois, a intensidade ácida de Dante.
Me escondi atrás da porta entreaberta de um dos salões que davam para o pátio interno. O som ali ecoava com nitidez, como se os próprios móveis estivessem ouvindo a conversa.
– Isso é responsabilidade sua, Enzo! – disse Dante, em voz baixa, mas carregada de tensão.
– Você não manda em mim, e tampouco vai usar Anna como moeda de poder – rebateu Enzo, firme.
Meu coração deu um salto ao ouvir meu nome.
Coloquei a mão sobre a boca, tentando abafar minha respiração. O nó na garganta crescia. O que estava acontecendo? Por que discutiam e por mim?
– Então admita que ela te afetou, irmãozinho. Você não é tão frio quanto pensa. – Dante provocou, com aquela malícia cortante que parecia esconder algo mais fundo.
Um silêncio que gritou mais alto do que qualquer frase dita.
Era como se, naquele espaço entre palavras, algo tivesse sido revelado. Algo que nenhum dos dois ousava nomear.
Eu estava ali, no escuro, ouvindo demais. Sentindo demais. Era errado, mas impossível de evitar.
Quando tentei recuar, meu pé direito esbarrou num vaso de cerâmica que descansava próximo à parede. A queda foi rápida, assim como os estilhaços se espalharam, o som também se espalhou como um estouro no meio da madrugada.
O barulho ecoou pelo salão, meus pulmões congelaram. Em segundos, eles estavam diante de mim, com olhos dois pares de olhos verdes escurecidos me encarando.
Enzo apareceu primeiro. Rosto tenso, olhos escurecidos como breu. O peito arfando, mas os passos controlados. Ele olhou para mim como quem tenta decifrar se eu tinha ouvido tudo.
Dante veio logo atrás, ainda com o olhar carregado. Mas ao contrário do irmão, ele parecia, satisfeito. Como se minha presença ali, naquela cena, fosse mais uma peça encaixada no jogo que ele adorava jogar.
– Está tudo bem, Anna? – perguntou Enzo, tentando controlar a respiração, mas com a voz mais baixa que o usual.
Havia algo quebrado dentro dele naquele instante. Uma fragilidade que me pegou de surpresa.
Dante, por outro lado, não disse nada. Apenas me observava atendo a mim e a Enzo.
Seus olhos percorreram meu corpo coberto apenas pelo robe. Não de forma vulgar, mas com a intensidade de quem registra cada detalhe. Havia algo perigoso naquele olhar. Um desejo contido ou apenas adormecido.
– Desculpem, eu ouvi um barulho e me preocupei. – respondi, evitando encará-los diretamente. Minhas mãos tremiam ao lado do corpo, e o medo de ter cruzado uma linha invisível me paralisava.
Enzo se aproximou, os passos firmes, até estar perto o suficiente para me tocar.
– Vem, eu te levo até seu quarto. – disse ele, colocando o braço ao redor da minha cintura.
O toque dele fez meu corpo reagir imediatamente. Arrepios subiram pela espinha, e meus sentidos se acenderam como faíscas. Ele não disse nada mais até pararmos diante da porta do meu quarto.
– Você precisa tomar mais cuidado, Anna. Aqui, tudo o que você faz ecoa.
A frase ficou suspensa no ar entre nós. Mas eu sabia. Ele não falava da casa, falava da família, falava dele, de Dante, de nós três.
Assenti em silêncio. Não havia o que dizer.
Ele soltou minha cintura devagar, com os dedos deslizando pela seda fina do robe, como se quisesse prolongar o toque, ou como se estivesse se despedindo de algo que não devia possuir.
Voltei ao quarto como quem carrega um segredo no peito. Deitei sem apagar as luzes. A noite parecia mais escura do que antes, e o silêncio, mais denso.
Mas um pensamento martelava minha mente como uma prece invertida. Por que razão os irmãos estariam discutindo por mim?
A madrugada passou lentamente. Me revirava na cama tentando entender o que havia escutado, e mais ainda, o que havia sentido.
As palavras de Dante me perturbavam “Admite que ela te afetou.”
A reação de Enzo, o olhar de posse, o toque em minha cintura.Eles estavam lutando por algo mais do que controle. Mais do que estratégia. Estavam lutando por território. E de alguma forma, eu me tornara parte desse território.
Fechei os olhos.
Pensei em como tudo havia mudado tão rápido. Dias atrás, eu era uma mulher tentando se reconstruir, sobreviver à ausência de um passado. Agora, estava no epicentro de uma guerra velada, em uma casa onde cada passo era um risco e cada gesto tinha consequências.
Lembrei do beijo de Dante em minha mão.
Lembrei do quase beijo de Enzo, da tensão no jardim dos jasmins.
Tudo era sensual demais. Intenso demais. Quente demais para ser ignorado.
Mas também, perigoso.
Porque ali, nada era entregue de graça. E todo toque vinha com um custo.
Quando o dia amanheceu, as paredes da mansão pareciam mais caladas do que o normal. Elena não apareceu para o café da manhã. Vittorio estava fora em reunião, segundo um dos empregados. E os irmãos, não se viram.
Passei a manhã lendo na biblioteca, tentando fingir que ainda podia ter controle sobre minha rotina. Mas tudo em mim gritava que algo havia mudado.
Havia cruzado uma linha invisível. E agora, não era mais apenas uma hóspede.
Era a mulher pela qual dois homens perigosos estavam brigando em silêncio.
Mas a pergunta real, que eu ainda não ousava fazer em voz alta, era...
E se, no fundo, eu também estivesse escolhendo quem deveria vencer essa guerra?