A mansão Montanari fervilhava em preparativos desde o início da tarde. Vozes baixas e passos rápidos percorreram os corredores como um sussurro de alerta. O evento daquela noite aconteceria no palácio privado da família, um lugar que, até então, eu só ouvira mencionar em tom de reverência.
Me prepararam como se eu fosse uma peça rara a ser exibida. A estilista enviada por Elena trouxe um vestido preto longo, de tecido tão fino e maleável que parecia se fundir à pele. As costas nuas revelavam mais do que eu me sentia pronta para mostrar, e o decote em V tocava minha pele como uma carícia morna. As joias eram discretas, mas caras. E meu cabelo, solto, descia pelas costas como seda escura.
Estava linda. Mas quando me encarei no espelho, mal reconheci quem via.
A mulher ali parecia segura, misteriosa, feita para comandar olhares. Mas por dentro, meu coração ainda batia fora do ritmo. Eu sabia que aquele mundo não era meu, ainda. Mas ele estava me engolindo. Roupa por roupa. Olhar por olhar.
Quando desci a escadaria principal, Enzo estava à minha espera.
De terno negro impecável, camisa de linho branco e gravata fina, ele parecia esculpido em mármore. O cabelo penteado com perfeição, a barba levemente por fazer, tudo nele exalava controle, um poder silencioso. É o tipo de perigo que não grita, apenas observa, pronto pra te engolir.
Ele não disse uma palavra ao me ver. Apenas arqueou uma sobrancelha e me examinou de cima a baixo com olhos lentos escurecidos.
Senti meu corpo inteiro reagir, como se meu sangue soubesse o que a razão tentava ignorar.
- Deselegante da sua parte, Enzo. Não dizer nada. O gato comeu sua língua? – provoquei, tentando disfarçar o arrepio que percorreu minhas costas.
Ele sorriu. Só de um lado da boca. Um gesto pequeno e letal.
Então estendeu o braço para mim, como um convite sem palavras.
- Está linda, Anna. E vai deixar todos desconcertados com sua beleza esta noite. – disse com aquela voz baixa que parecia lamber minha pele.
Enlacei meu braço no dele, e fomos.
O palácio da família Montanari ficava além dos portões de ferro, escondido entre fileiras de ciprestes e jardins perfeitamente simétricos. Quando o carro parou diante da entrada principal, meu coração acelerou. Luzes douradas iluminavam a fachada de pedra clara, e homens de terno escuro se espalhavam por todos os cantos como sombras disfarçadas.
Entramos lado a lado.
E foi ali que compreendi, com uma clareza quase dolorosa, quem eram os Montanari.
Políticos, empresários, aristocratas, todos estavam lá. Havia champanhe sendo servido em taças finas, música clássica ao fundo, e conversas em vários idiomas. Mas nada acontecia sem que Vittorio fosse consultado, observado ou reverenciado. Ele não era apenas respeitado, ele era temido.
E Enzo, era o herdeiro visível desse trono silencioso.
Durante o jantar, ele permaneceu ao meu lado, atento a tudo. Apresentava-me com sobriedade, mas havia algo em seus gestos, na forma como tocava minha cintura para me posicionar melhor, ou como me oferecia o copo antes mesmo de eu pedir, que denunciava um instinto de posse.
- Estão te observando. – sussurrou ele ao meu ouvido, enquanto eu aceitava uma taça de champanhe.
- Por quê?
- Porque você é novidade. E aqui, novidades viram fascínio, ou ameaça.
- E você? O que acha que sou?
Ele me fitou com um sorriso enviesado, mas seus olhos estavam sérios.
- Ainda estou decidindo. Mas já sei que é minha responsabilidade esta noite.
O tom dele não era apenas protetor, era proprietário. E por algum motivo, ao invés de me incomodar, aquilo acendeu algo em mim que eu ainda não sabia nomear.
Mas então, algo mudou no ar.
Enzo ficou tenso, como se tivesse captado um cheiro que só ele podia perceber. Seguiu meu olhar para o outro lado do salão. Foi quando o vi.
Um homem alto, de terno cinza escuro, com o mesmo porte dominante de Enzo, mas um ar mais selvagem, mais livre. O cabelo um pouco mais longo, os olhos de um verde escuro que pareciam quase negros sob as luzes do lustre.
Ele sorriu. Um sorriso que não pedia licença.
- Quem é ele? – perguntei, sem esconder o impacto da semelhança.
- Dante. Meu irmão mais velho. – disse Enzo com a voz mais firme do que antes.
Algo naquela resposta me arrepiou. Não só pelo nome, mas pelo modo como ele o pronunciou. Como se, só de falar, tivesse invocado um antigo fantasma.
E então Dante se aproximou.
O salão pareceu silenciar por um instante, como se as pessoas ao redor prendessem a respiração.
Ele caminhava com calma, como quem já sabe que está no controle de qualquer sala que entra. Os olhos dele pousaram sobre mim como uma onda lenta. Primeiro os pés. depois o corpo e por fim, o rosto.
Quando chegou à nossa frente, seu sorriso cresceu. E ele estendeu a mão, inclinando-se para beijar meus dedos.
- E quem é essa beleza que você escondeu, irmãozinho?
O beijo não foi apenas educado. Foi uma provocação. Uma afirmação. Como se ele tivesse o direito de atravessar qualquer fronteira.
Senti o corpo de Enzo enrijecer ao meu lado.
- Anna é uma convidada da casa. – disse ele, curto e cortante.
- Uma convidada, interessante. Algumas presenças são tão marcantes que parecem fazer parte da casa antes mesmo de serem anunciadas. – disse Dante, como se saboreasse a palavra – Interessante –.
O olhar dele permaneceu no meu, intenso. Me senti exposta, mas não vulnerável. Ao contrário. Como se tivesse sido puxada para dentro de outro jogo. Um novo campo magnético.
- Prazer, Dante. Enzo me falou pouco sobre você. – disse eu, firme.
- Ah, isso ele faz com frequência. Fala pouco sobre o que teme perder.
As palavras foram doces. Mas o veneno nelas era sutil. A tensão entre os dois era palpável. E pela primeira vez, compreendi que o que estava diante de mim não era só uma questão de poder ou hierarquia. Era pessoal. E eu, estava no centro.
Enzo tocou novamente minha cintura. Dessa vez com mais força. Um gesto pequeno, mas carregado de significado.
- Anna, vamos tomar um pouco de ar. – disse ele, quase sem olhar para o irmão.
Assenti, e deixamos Dante para trás, ainda sorrindo. O sorriso de alguém que sabia que havia acendido algo, ou alguém.
Saímos para o terraço, e a brisa fresca bateu em meu rosto como um alívio.
- Desculpe se fui inconveniente. – arrisquei.
- Não foi você. É ele. Sempre ele, desde que éramos crianças. – respondeu Enzo, com os olhos fixos no horizonte.
- Vocês brigam muito?
- Brigamos, por tudo. Mas com você, vai ser diferente.
Virei para ele, surpresa.
- Como, não entendi. Por quê isso?
Ele me encarou com um olhar carregado. Duro e quente ao mesmo tempo.
- Porque com você eu não vou dividir. Nem fingir.
Fiquei em silêncio.
As palavras dele eram simples.
Mas o que elas carregavam era imenso.
E eu soube, ali, que algo havia sido firmado. Que eu estava mais profundamente presa nesse jogo do que antes. Que o desejo era apenas a superfície. E que, por trás do que parecia ser sedução, existia uma guerra prestes a começar.