Após três longos dias de viagem, chegamos ao Reino Novo, pouco antes do amanhecer do quarto dia. Eu estava exausta, a estrada parecia ter sugado cada gota de energia do meu corpo. Mesmo viajando em uma carruagem só para mim, nada substituía o conforto de uma cama quente e de uma boa noite de sono — era tudo o que eu mais desejava.
Depois de um banho quente, minha criada pessoal me informou que os reis haviam nos concedido o dia apenas para descanso. O verdadeiro encontro com os príncipes e nobres ocorreria apenas amanhã. Suspirei aliviada e agradeci aos céus: um dia inteiro para me recompor e me preparar. Cada uma de nós foi levada ao seu quarto. Deitei-me, tentando finalmente relaxar, quando um som agudo de vidro quebrando me fez pular. Corri para a janela, mas não havia nada lá fora. A curiosidade me empurrou pelos corredores silenciosos do palácio, e eu abri cada porta, na esperança de encontrar a origem do barulho. Quando percebi, já estava perdida, vagando por corredores desconhecidos, até entrar em uma sala repleta de livros. A biblioteca estava vazia, e a quietude me convidou a explorar. Peguei um volume aleatório e me deixei envolver pelas páginas. Em pouco tempo, mergulhei nos romances ambientados no Reino Novo, completamente cativada pelo lugar. Então, um movimento súbito chamou minha atenção. Um homem entrou na biblioteca, olhando por cima do ombro como se estivesse se escondendo de algo ou alguém. Fiquei imóvel, incapaz de avaliar se deveria recuar ou permanecer. Ele também se assustou ao me ver. — Oi... desculpa, eu não sabia que havia alguém aqui. Minha voz saiu quase um sussurro, sem coragem de encará-lo. — Não me desculpe você... nem eu sabia se deveria estar aqui. Abaixei a cabeça e comecei a andar em direção à saída, respirando com dificuldade, o rosto quente de vergonha. Não queria causar má impressão no meu primeiro dia. — Você já estava de saída? — ele perguntou, e eu apenas balancei a cabeça. O silêncio caiu entre nós, pesado e tímido. Ele caminhou até a mesa em que eu estava sentada, observando os livros. — Qual é o seu nome? — Lya. Finalmente olhei para ele. Seus olhos eram intensos, penetrantes, e fizeram meu coração acelerar. — Ah... você chegou hoje... — Desculpe, eu não queria entrar aqui. — murmurei, desviando o olhar. — Só ouvi um barulho e fui atrás da curiosidade. Não quero causar problemas. Vou voltar ao meu quarto. Sai andando, tentando recompor a respiração e o calor nas bochechas. Encontrei minha criada no corredor, alívio instantâneo. — Julia! Que bom que te encontrei. Eu estava procurando a origem de um barulho de vidro quebrando e me perdi. Sabe como voltar ao nosso quarto? Ela sorriu. Julia parecia mais jovem do que era, com cabelos pretos como ébano e bochechas rosadas. Segui-a em silêncio, mas algo em mim desejava conversar com ela, fazer amizade. — Está tudo bem, senhora? — perguntou, virando-se para mim. — Sim... só encontrei um homem na biblioteca. Não sei quem é. — Não era um servo? — Pode ser... — murmurei. — Tem planos para hoje? — Apenas o que a senhora me pedir. — Tinha pensado em descansar, mas agora estou ansiosa. Não quero voltar ao quarto. Ela sorriu e abriu uma porta. Passo a passo, fui entrando no espaço que parecia respirar vida própria. Ainda pensava no rapaz da biblioteca... bonito, talvez, ou não. Não sabia, e isso me intrigava. — Você já se apaixonou? — perguntei, quase sem interesse. Paixão não era prioridade. Meu dever era casar, salvar meu reino, cumprir minha missão. — Não, ainda não. — respondeu, abrindo as janelas. Uma brisa suave invadiu o quarto, trazendo consigo o aroma de flores desconhecidas. — Mas espero que não demore a acontecer. Um calor inesperado subiu ao meu peito. Por um instante, uma vontade curiosa de sentir aquilo me invadiu — mas logo a realidade voltou, firme: amor era distante, secundário diante do dever que me esperava O grande dia chegou. A ansiedade, o medo e a excitação caminham ao meu lado como velhos conhecidos, mas nenhum deles me conforta. Nada parece suficiente: nem vestidos, nem penteados, nem palavras ensaiadas diante do espelho. Cada olhar que imagino enfrentar pesa sobre mim como uma coroa antes da hora. — Senhora Lya, este é o último vestido que encontrei. A senhora precisa escolher. — disse Julia, trazendo consigo um longo vestido azul. O tecido se abria em camadas suaves, como ondas calmas de um mar profundo. Olhei para ele e, pela primeira vez naquele dia, senti paz. Deslizei a mão sobre o tecido e deixei que rosas azuis brotassem delicadamente nas mangas ombro a ombro e na longa cauda. Era como se o vestido tivesse me escolhido, e não o contrário. — Obrigada, Julia. E... me chame de Lya, por favor. — pedi. Ela sorriu tímida, e aquele gesto bastou para suavizar um pouco do peso em meu peito. Depois de um banho longo, imersa em flores que surgiam espontaneamente da água, ouvi Julia me falar sobre o reino: — Todos esperam que Joaquim seja coroado. Mas nosso rei é prova de que, aqui, a coroa não obedece apenas à ordem de nascimento. O pai dele, Nicolás, escolheu outro caminho. — Você conhece os três príncipes? — perguntei, distraída, fazendo flores coloridas dançarem sobre a superfície da banheira. — Conheço. Cresci neste castelo, mas jamais imaginei que seria a criada pessoal da futura rainha. — Tudo tem um propósito. — murmurei, como se dissesse a mim mesma. Pouco depois, estávamos a caminho do Salão de Vidro Real. A carruagem atravessava a floresta cerrada que escondia o lugar, e mesmo sob a sombra imponente das árvores, havia algo de mágico — como se aquele salão fosse um segredo guardado pelo tempo. Quando as portas se abriram, respirei fundo. Todos os olhares recaíram sobre mim, e por um instante minhas pernas se recusaram a mover-se. Julia segurou minha mão. — Vamos, Lya. Eles esperam por você. Avançamos. Centenas de velas flutuavam pelo ar, iluminando as paredes de cristal com reflexos dourados. Tulipas brancas e rosas decoravam cada mesa. No fim do salão, no trono, estavam o rei Otávio e a rainha Susana. Curvei-me. — Seja bem-vinda. — disse o rei, sua voz serena como águas calmas. A rainha levantou-se, aproximou-se e me envolveu em um abraço cálido. — Estamos felizes com sua chegada. Fui conduzida a uma mesa. Ao meu lado, uma senhora me fitou profundamente, como quem pesa a alma de alguém: — Você se considera digna de estar aqui? A pergunta atravessou-me como uma lâmina. Digna? Eu? Não, jamais. O lugar pertencia a Samirá... sempre a ela. Mas minhas mãos se fecharam, e meu coração respondeu antes da minha mente: — Não. Samirá era digna de estar aqui, eu não. Mas pretendo ser... pelo meu reino. Os olhos da senhora suavizaram, mas antes que pudesse falar, um som ensurdecedor rompeu o salão. Um clarão, um estrondo. Gritos. O rei levantou-se de imediato, ordenando calma. — Permaneçam aqui. Irei até lá. Meu instinto guerreiro despertou. As asas quase se abriram, quando uma mão firme agarrou meu braço. O homem da biblioteca. — Aonde pensa que vai, princesa? — Ajudar. Não sou princesa, sou fada guerreira! — respondi, arrancando meu braço. Ele sorriu de lado. — As tropas já estão lá. O rei também. Não se arrisque. — Insolente... — pensei, mas antes que pudesse retrucar, ouvi a voz da rainha: — Lya, querida, confie em nós. Você é valiosa demais para se expor. Ela pousou a mão em meu ombro. — E você... — voltou-se para ele — meu filho, que bom que veio. Filho? Meu coração falhou uma batida. Então aquele era... um príncipe. — Este é Benício. — disse a rainha. Curvei-me rapidamente. Ele piscou. Insolente e... encantador, de uma forma perigosa. Pouco depois, o rei retornava, acompanhado de Joaquim. O salão respirou aliviado. Joaquim parecia a própria imagem da força: alto, ombros largos, cabelos loiros presos em meio rabo. Seus olhos azuis brilhavam como os da mãe... e como os de Benício. Uma espada enorme repousava em suas costas, como se fosse parte dele. — Estamos seguros. Apenas agitadores tentando chamar atenção. — disse o rei. Mas algo dentro de mim sabia: aquilo era apenas o prenúncio de algo maior. — Agora... é hora de meus três filhos conhecerem nossa convidada especial. — anunciou a rainha Susana. Levantei-me. Meu destino, enfim, me encarava de frente.