Estrela Infernal
Estrela Infernal
Por: Paula Bolsoni
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Um estrondo ecoou pelas ruas de Balat. Rua após rua, todo o antigo bairro mergulhava em uma escuridão sombria, sob os estouro dos trovões daquela tempestade fria no inverno de Istambul.

A noite, fria e úmida, escondia, sob a fina névoa, segredos sussurrados em pesadelos. A chuva se chocava, impiedosa, contra as paredes coloridas das casas, de janelas fechadas, encobertas por pesadas cortinas.

O som de passos, apressados, podiam ser ouvidos, batendo contra as poças frias da água torrencial. Uma mulher corria, ofegante, desesperada, pelas ruas escuras e pesadamente silenciosas.

O disparo de uma arma de fogo, ruidosamente, rasgava aquele véu negro, que absorvia toda a luz. A figura da mulher, surpresa, silente, sentia o choque que lhe alcançava a cabeça. Caia, lentamente, com o sangue em sua mão, sob a chuva.

Uma sombra se apossava daquele corpo, reivindicando algo e desaparecendo sob o manto denso da noite tempestuosa, escondida no blackout que se abatia, escondendo aquele crime hediondo. Balat voltava a se iluminar, testemunha do sangrento ataque que deixava sua marca efêmera se esvair com a água, levando consigo o elixir que um dia circulou, vivo, naquele cadáver sob a luz piscante do poste.

******************

— Doutor Demir, está dizendo que a conjuntura histórica sugere que, antes mesmo de Constantinopla, podemos inferir a existência de uma civilização pré bizantina neste território? - O aluno perguntou, com deboche na voz. Desafiava o professor.

— Essa é a hipótese estudada, meu caro. - Demir concluía sua palestra, crivado por perguntas de estudantes que estavam ali por interesse genuíno ou para completar a carga de créditos extras.

A aula terminava sob o burburinho agitado dos jovens que se aglomeravam na marquise, encarando a pesada chuva que se abatia sobre a cidade. Ele fechou o sobretudo e, protegendo-se com sua pasta, apressou-se até o carro, entrando, rapidamente. Partiu. Empolgava-se com o dia seguinte, quando uma nova descoberta lhe seria acessível pela primeira vez, encontrada em Balat, após a demolição de um antigo prédio, condenado, durante os processos de revitalização da região mais antiga de Istambul. Ele estava eufórico, ansioso com a possibilidade de provar sua teoria.

Pela manhã, Demir e seus orientandos do Mestrado se reuniram na entrada de Balat, um clima tenso nas ruas, pessoas, nos cafés e no comércio que murmuravam entre si, cobrindo as bocas, com olhares furtivos para a direção de onde iam, a pé, entrépidos. O professor sentia seus alunos se acanharem com a exposição, carregavam equipamentos desajeitados quando, no canteiro da demolição, a faixa listrada de amarelo e preto, fortemente guardada, lhes impediu a passagem. Confiante, adiantou-se a um dos policiais.

— Sou o Doutor Demir Zeki, da Universidade de Istambul. - Ele pigarreou, chamando a atenção de um policial que guardava a entrada, fechada por tapumes de telhas velhas de zinco e madeira podre. - Sou o responsável por esta escavação. Quero acesso ao local. - Os policiais se entreolharam, havia algo divertido naqueles olhares que confidenciavam algo indecifrável.

— Responsável, hein? - O policial disse, quase a risos.

— Sim, sou. Quem é que manda aqui? - Demir se irritava.

— Chama a Doutora Demirkan. - O homem olhou para seu parceiro que entrou no lugar, infestado de policiais e gente coberta por macações brancos e luvas de borracha azuis. Do fundo, uma figura pequena e esguia acompanhava o policial guardião. Óculos de proteção, máscara azul descartável no rosto, as luvas azuis horripilantes sobre o macacão descartável.

— Pois bem. - A pequena mulher, de intensos olhos castanhos, tirou a máscara, livrando o rosto. - O que precisam, policiais?

— Doutora, este aqui é o suposto responsável por este lugar. Diz ser Doutor Demir Zeki. - O primeiro policial anunciou, com um sorriso sádico no rosto.

— Oh! - A pequena mulher deixou a interjeição escapar, media o homem com o olhar. A ela, mais parecia um oportunista do que um doutor. - Pelo quê é responsável, doutor? - Ela o encarou, o olhar gélico dela faiscava algo como ódio, mas era difícil de afirmar.

— Pela escavação, óbvio! - Demir se ultrajava, os alunos recuavam.

— Quando obteve a licença? Hoje? - Ela perguntou, cínica.

— Sim, esta manhã. - Ele afirmou.

— Ah! - A mulher deu as costas para ele. - Contatem a prefeitura e suspendam. Isto aqui é cena de crime e não playground para brincar no barro. - Ela repousou a máscara obre o rosto, ultrajava-o de tantas maneiras que Demir sequer tinha reação.

— Sua... - Ele rosnou entre os dentes. - Qual o seu nome e o seu posto? Isso não vai ficar assim! - Ela voltou e caminhou, em linha reta, até o homem. O que ele via naquele olhar, agora, certamente era ódio.

— Elara Deniz Demirkan. Perita. - Ela informou. - Se não tem mais nada o que fazer, eu tenho. Já tem o que precisa para formalizar sua reclamação, não tem? - Ela o desafiava, afrontosa. Uma raiva subia na garganta dele, amarga.

— Isso não vai ficar assim! - Ele bradou conforme ela se afastava.

— Assim espero! - Ela respondeu, debochada, acenando uma despedida acima da cabeça, de costas para ele. Demir queria gritar com aquela mulher arrogante e desrespeitosa. Voltava com seu grupo para a universidade, o cronograma atrasava.

Demir se apressou para ir até a prefeitura. Sua licença estava suspensa até segunda ordem. Alguém, do departamento da Polícia Técnica, havia informado uma ocorrência que impedia a utilização ou exploração do lugar até a liberação pela Polícia. O homem, furioso, foi até o departamento de Polícia, precisava falar com o chefe daquele lugar, urgia acessar o terreno. Foi acomodado e esperaria o quanto fosse necessário até conseguir alguma coisa. Horas de espera até a informação de que não seria recebido naquela tarde.

Demir marchou de volta para a universidade, irritado. "É cena de crime e não playground." Aquelas palavras, na voz daquela mulherzinha, ecoavam nas paredes de seu desgosto. "Quem ela pensa que é?" Demir bufava, intimamente, revolto. Os alunos o encaravam, entre o medo e o riso. Era como ver alguém cair na rua. O imponente Doutor Demir Zeki, temido professor e odiado pesquisador, havia sido impedido de acessar mais uma de suas escavações por alguém que ignorava seu status e atropelava suas expectativas como um trem a uma galinha.

Demir tinha duas certezas: para ser perito, era necessário ter formação e ela tinha um nome. "Elara Deniz Demirkan. Maldita." Ele praguejava, pesquisando em seu sistema quem era aquela mulher que o deixava em uma situação tão ridiculamente exposta.

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